Vivo em Silves, mas há uns bons anos atrás "cortei relações" com o litoral agarvio, com acentuada tendência no mês de Agosto.
Vou à praia, sim, mas em locais que conheço, como indígena privilegiado, com diminuta pressão urbanística e sem o peso das multidões que aqui acorrem, ou simplesmente afastando-me para a Costa Vicentina.
Este meu desamor pelas opções massificantes do turismo (com todos os perigos que pode gerar uma economia altamente dependente), chegam ao ponto de desconhecer quase completamente a zona de Albufeira, a cerca de 20 km da cidade onde vivo, e nunca ter visitado, até há poucos dias atrás, o empreendimento da Quinta do Lago.
Um Sol convidativo, em pleno mês de Novembro, e alguma curiosidade pela forma como convive um empreendimento turístico com uma Reserva Natural, como esta da Ria da Formosa, levaram-me a um passeio.
Não sei como será em Agosto, mas a simples circunstância de não ser permitido circular a velocidade superior a 50 km/h, de não ser possível ultrapassar, já que a divisória central da estrada é dividida por pinos, de ter que se confinar o estacionamento aos lugares disponíveis, levam-me a crer que as "coisas" podem ser bem melhores relativamente a outros algarves que conheço.
Direi mesmo, sem prejuízo de outros locais que possam existir e eu não conheça, que a Quinta do Lago é exemplar.
A foto acima é reveladora de um paisagem sem pressão urbanística, integrada quase na perfeição na mata de pinheiros mansos que constituem a floresta local, onde as pessoas passeiam, a pé ou de bicicleta a pedal, com o respeito que certas barreiras impõem na proximidade das zonas de sapal, onde a vida animal é intensa, ou por areais a perder de vista.
No próximo Agosto virei aqui, de novo, para testar a situação.
quarta-feira, novembro 28, 2007
Privilégios de algarvio
segunda-feira, novembro 26, 2007
sexta-feira, novembro 23, 2007
Leia comigo
Pelo 77º aniversário de Herberto Helder (clique), leia comigo este excerto de As Musas Cegas:
Mulher, casa e gato.
Uma pedra na cabeça da mulher; e na cabeça
da casa, uma luz violenta.
Ainda um peixe comprido pela cabeça do gato.
A mulher senta-se no tempo e a minha melancolia
pensa-a, enquanto
o gato imagina a elevada casa.
Eternamente a mulher da mão passa a mão
pelo gato abstracto,
e a casa e o homem que eu vou ser
são minuto a minuto mais concretos.
A pedra cai na cabeça do gato e o peixe
gira e pára no sorriso
da mulher da luz. Dentro da casa,
o movimento obscuro destas coisas que não encontram
palavras.
Eu próprio caio na mulher, o gato
adormece na palavra, e a mulher toma
a palavra do gato no regaço.
Eu olho, e a mulher é a palavra.
Palavra abstracta que arrefeceu no gato
e agora aquece na carne
concreta da mulher.
A luz ilumina a pedra que está
na cabeça da casa, e o peixe corre cheio
de originalidade por dentro da palavra.
Se toco a mulher toco o gato, e é apaixonante.
Se toco (e é apaixonante)
a mulher, toco a pedra. Toco o gato e a pedra.
Toco a luz, ou a casa, ou o peixe, ou a palavra.
Toco a palavra apaixonante, se toco a mulher
com seu gato, pedra, peixe, luz e casa.
A mulher da palavra. A Palavra.
Deito-me e amo a mulher. E amo
o amor na mulher. E na palavra, o amor.
Amo, com o amor do amor,
não só a palavra mas
cada coisa que invade cada coisa
que invade a palavra.
E penso que sou total no minuto
em que a mulher eternamente
passa a mão da mulher no gato
dentro da casa.
No mundo tão concreto.
Herberto Helder
(A Colher na Boca)
Ou o Poema Contínuo
Assírio & Alvim, Lisboa 2004
terça-feira, novembro 20, 2007
Passeio pela Ilha Terceira
Por muito que se saiba que se vive sobre uma falha geológica, que de vez em quando sejamos sensíveis a um outro pequeno sismo, que nos falem de tremores de terra de há uns anos atrás ou do Terramoto de 1755, creio que nada se equivale à situação de ter testemunhos diários da presença vulcânica activa, como pude aferir aqui, na ilha Terceira.
Mesmo assim, com os fumos constantes, o coberto vegetal tapado de enxofre (presumo eu), a terra quente ao toque da mão, estas evidências diárias fazem parte da rotina da vida de um açoriano e são, para eles, fenómenos muito vulgares.
Já me referi ao verde, à bruma, ao mar... mas o vulcanismo só se me patenteou quando deixei os circuitos urbanos de Angra do Heroísmo e Praia da Vitória e visitei o litoral e parte do interior da ilha.
É um mimo, um primor, apreciar o cuidado que se dedica às pequenas coisas, às casinhas pintadas e arrumadas, aos "impérios" do culto do Espírito Santo, à oferta gastronómica (do marisco ao peixe e às carnes, da manteiga ao queijo, dos vinhos aos licores e aguardentes), às estradas em bom piso, aos campos verdes a perder de vista e às vaquinhas que neles pastam, e ao mar.... sobretudo ao mar.
Deixo-vos com estes apontamentos de uma visita à Ilha Terceira e com algumas fotos de Fora de Angra (clique) num passeio em todo o seu perímetro, que culmina em Praia da Vitória e Monte Brasil, já de retorno a Angra do Heroísmo.
sexta-feira, novembro 16, 2007
A memória dos lugares
Nem o tempo nublado, a filtrar a luz solar, consegue esconder a silhueta, o colorido, a memória restaurada de uma cidade e do seu urbanismo, que a torna única no mundo, de pleno direito Património Mundial da UNESCO.
O grupo escultórico, na fotografia, pretende significar, a meu ver, esse esforço de manter na vertical, de endireitar, de respeitar, de preservar o que a acção da natureza vulcânica do lugar teima em destruir, como no último terramoto, em 1980.
O centro histórico de Angra do Heroísmo é hoje um museu vivo, a pulsar.
Permitam-me usar a foice na minha seara e lembrar a rua Cândido dos Reis, memória da Silves corticeira dos finais do séc. XIX e princípios de XX, que poderia, ela também, ser única no mundo, com os antigos e longos muros das fábricas de cortiça, os prédios multicores mandados construir pelos industriais e pelos seus quadros superiores (até equipamentos culturais, como o Teatro Mascarenhas Gregório), bela, longa, enfileirada, exemplar marca de um tempo e de uma civilização que fez desta terra um dos maiores pólos industriais do país. Hoje é uma rua quase completamente destruída na sua unidade e identidade pela incúria, desrespeito e acção dos Homens, que não da Natureza.
1. Sobre a cidade de Angra do Heroísmo consulte este link para a Wikipédia
2. Sobre a forma como vi e fotografei Angra do Heroísmo siga o link para Webshots
quarta-feira, novembro 14, 2007
Na Praia da Vitória, por Vitorino Nemésio
Este casarão, mantido de pé em respeito pelo homenageado que figura no pequeno busto, seria uma mera ruína, sem especial interesse, não fosse a ligação que mantém a Vitorino Nemésio.
Mas arrisco-me a afirmar, pelo menos assim o senti, que este casarão ganha vida e quase se consegue imaginá-lo com as suas dez janelas rasgadas sobre a sacada de rexas, depois da leitura desta placa, que não se avista na foto acima, pois fica exactamente na extremidade do edifício, sobre a esquerda (basta contar as janelas, para se entender que a fotografia não abrange o edifício por inteiro).
Há edifícios que valem pelo valor de um homem, pelo menos aqui e agora, na cidade de Praia da Vitória.
E não me diga que não lhe cresceu uma vontade de ler
O Mistério do Paço do Milhafre?!
segunda-feira, novembro 12, 2007
O verde, a bruma, o mar...
O verde, a bruma, o mar...
Sobretudo o mar, como na estrofe de um poema, de um autor cujo nome lamentavelmente acabei por esquecer, e que figurava num dos pequenos painéis de azulejo, de uma designada Rota de Poesia, numa das ruas da cidade de Praia da Vitória, que dizia assim:
O mar é a quarta parede (...)
sexta-feira, novembro 02, 2007
Por Todos-os-Santos
Em Silves é tempo da sua feira anual, a Feira de Todos-os-Santos, onde é tema recorrente o Outono, a chegada dos primeiros frios, a chuva ou a seca.
Habitualmente sempre aqui (clique) escrevo sobre a Feira, como o fiz o ano passado e em outros anos, por finais de Outubro ou inícios de Novembro, em posts que é possível encontrar nos arquivos da coluna da esquerda, com excepção feita para o ano de 2005, em que nada escrevi, talvez porque não me tivesse apetecido.
Hoje trago-vos um episódio de uma feira de há uns bons anos atrás.
Por várias vezes me quedei, absorto, à montra da loja, olhando aquela linda blusa de lã.
A minha mãe, a quem revelei tal desejo, surpreendeu-me ao oferecer-ma pela véspera da Feira.
Também terá achado linda, aquela linda blusa de lã.
Estava um belo dia de Sol, a deitar por terra o mito de que chove sempre nesta ocasião.
Barba feita, banho cheiroso e a linda blusa de lã, com que queria deslumbrar os olhos negros de uma namorada dos meus 18 anos.
Parti para a feira e para o encontro marcado junto aos carrinhos de choque.
Cheguei, perlando suor, e avistei-a, ela também com uma linda blusa de lã.
- Tu também, querido? Em blusa de lã num dia tão quente!
- Despimo-nos!
Deixem-me dizer-vos que aquela do "Despimo-nos!" não deve ter sido bem assim, talvez antes "Despimo-las?" ou tão só um acordo tácito perante a evidência do desconforto; eventualmente alguma cumplicidade no olhar que então trocámos.
Dado tratar-se da narrativa de um episódio passado há algum tempo, permiti-me alguma liberdade criativa. :)
Este post irá permanecer no topo da página de entrada do blog durante toda uma semana.
Ausento-me, em passeio, por Angra do Heroísmo e pela Terceira, donde conto trazer algo para contar e fotos para vos mostrar.
Até lá!