quarta-feira, maio 31, 2006

O grande livro de histórias feito cidade

Alcáçova de Silves, Maio 2006, © António Baeta Oliveira

  • Mudava periodicamente de mundo aos Domingos,
    dia de visita aos avós em Silves.
    Saía de Portimão aos Domingos
    e entrava no grande livro de histórias feito cidade.

    A cisterna da avó escondia algo indeterminado
    e aquele tufo de erva à entrada da porta, era um sinal feliz,
    assim ela o garantia.

    O canário cantava melhor quando comia ovo cozido,
    asseverava.
    E eu sem cantar era ali que melhor sonhava.
    Junto ao velho castelo ruivo permanecia um cenário secular,
    que esperava há séculos por novas personagens
    que eu laboriosamente criava durante as aulas de Matemática.

Fernando Gregório
Poema inédito

segunda-feira, maio 29, 2006

Avisos Paroquiais

O Jorge Candeias, da Lâmpada Mágica, iniciou, há sensivelmente uma semana, a publicação de uma série de pequenas notas que intitulou de Avisos Paroquiais.
As notas são de uma candura, apetece-me dizer, epistolar, e resultam hilariantemente desconcertantes.
Convido-vos então a visitar a Lâmpada Mágica, deslocar-se no blog até ao dia 18 de Maio e percorrer, a partir dessa data para cima, os cândidos e divertidos Avisos Paroquiais.
O Jorge não se importará, certamente, que eu deixe aqui uma pequena amostra, exactamente o aviso nº 6, de um total de quinze, para que se apercebam melhor do que se trata:


  • Tema da catequese de hoje: "Jesus caminha sobre as águas". Catequese de amanhã: "Em busca de Jesus".

sexta-feira, maio 26, 2006

Um poeta de Évora

Com votos de um bom fim-de-semana, um poema de إبن عبدون (Ibn 'Abdun), nascido em Évora no séc. XI:


  • ó noite inolvidável
    feita abraço
    que nos misturou inteiramente
    até que o dorso da treva se vergou
    e na face da idade embranqueceu.
    foi então
    que o manto fino da brisa
    tapou teus ombros, ó noite,
    com a delicadeza do orvalho.

Adalberto Alves
O meu coração é arabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1998

quarta-feira, maio 24, 2006

Passeio à Magnólia do Convento de Monchique


© Manuela Ramos - Convento de Monchique

Não resisto. Vou remeter-vos para O Parente da Refóias, a que cheguei a partir de Dias com Árvores e do sentido apurado de Manuela Ramos, autora da foto que não roubei, antes aqui figura em viagem directa, a partir dos seus arquivos. (basta clicar na foto)

O Parente da Refóias traz-nos um texto, carregado de memórias e de um sentimento profundo que o liga à sua terra, reproduzindo o dizer tão próprio de Monchique, que se faz acompanhar de elaborado glossário, a facilitar a interpretação do sentido das locuções mais características do falar da sua terra.

Aconselho a não perder esta viagem monte acima, até ao Convento e, antes ainda, à combinação prévia, angariando companhia para o passeio. Saiba dos encontros que se dão pelo caminho e das conversas, tão naturais e simples, contadas como só olhos e ouvidos sensíveis sabem reproduzir. Percorra depois o resto blog e maravilhe-se, como eu, neste trabalho, precioso, de labor etnográfico.
Obrigado, ó Parente da Refóias!

terça-feira, maio 23, 2006

Grande Prémio de Poesia

A Associação Portuguesa de Escritores acabou de atribuir o Grande Prémio de Poesia a


José Agostinho Baptista

  • COMOVEM-ME

    Comovem-me ainda os dias que se levantam
    no deserto das nossas vidas.

    Dos belos palácios da saudade
    não resta a impressão dos dedos nas colunas
    fendidas, e nada cresce nos pátios.

    Muito além, depois das casas, o último
    marinheiro continua sentado.
    Os seus cabelos são brancos, pouco a pouco.

    Aqui, tudo se resume a algumas tâmaras que
    secaram ao sol,
    longe do orvalho,
    das fontes que pareciam nascer de um olhar
    turvo sobre a sede da terra.

    Comovem-me ainda as palavras que dizias
    aos meus ouvidos aprisionados pela música.
    Comovem-me as cadeiras vazias, no pátio.

    Lembro-me sempre de ti.

José Agostinho Baptista
Esta voz é quase o vento
Assírio & Alvim, Lisboa 2004

segunda-feira, maio 22, 2006

Finalmente, a Orquestra do Algarve em Silves

Desde 2003 e, mais recentemente, em Março passado, que venho manifestando o meu desagrado pela falta de apoio solidário da Câmara de Silves para com a Orquestra do Algarve e a ACTA, a Companhia de Teatro do Algarve, duas instituições culturais representativas da nossa região.
Finalmente pude regozijar-me com a presença da Orquestra do Algarve na minha cidade, em três concertos patrocinados pela Caixa Geral de Depósitos, o último dos quais na antiga Sé Catedral.
Orquestra do Algarve na Sé de Silves, Maio 2006, © António Baeta Oliveira
A foto, discretamente batida com a câmara do meu telemóvel, reproduz o momento que antecede a entrada do maestro, após o intervalo, num momento em que os músicos se preparavam, colocando as partituras em posição e verificando a afinação dos seus instrumentos.
O concerto atendeu à especificidade do público, com duas peças de Mozart, uma antes e outra depois do intervalo, agradando com uma melodiosa serenata e uma sinfonia quase dançável. Shostakovich foi no entanto o "prato" forte, com o seu Concerto nº 1, a que os dois solistas, em piano e trompete, emprestaram um brilhantismo de grande soirée.
O concerto terminou com um encore, assinado por um compositor brasileiro, de que não fixei o nome, e que encheu de alegria o público presente, que se identificou facilmente com o ritmo vibrante da música brasileira e a melodia de sabor nordestino.
Só uma orquestra regional, conhecedora do seu público, pode prestar este serviço de proximidade quase didáctica junto de quem lhe compete servir, o que não se passa com uma outra qualquer orquestra, que daria em Silves, com a mesma frieza ou o mesmo alento, o concerto que eventualmente dera em Lisboa, na Gulbenkian ou na Culturgest.

Resta-me deixar um recado à Câmara Municipal de Silves, se porventura não procedeu da forma que vou indicar: "não esqueçam, de entre todos os munícipes, de um convite muito particular a todos os que se dedicam à execução musical e estou a referir-me muito especialmente aos músicos que integram a Banda da Sociedade Filarmónica Silvense, despertando os jovens para mais altos voos, para os quais, entretanto, Silves ainda não tem oferta. A Cultura não se pode confinar simplesmente ao consumo; há que garantir a sua produção."

quinta-feira, maio 18, 2006

Uma janela, em Silves, ao fim da tarde


Há qualquer coisa que me atrai nesta fotografia, ou melhor, várias coisas parecem ter-se reunido para que esta foto me agrade. É o equilíbrio das formas, na janela, na sacada, na composição da grelha de protecção. É o branco imaculado da gelosia, a singular coloração da parede, a nobreza da pedra de cantaria. É também o jogo dos tons quentes de fim de tarde, momentos antes do dia iniciar a sua despedida. É ainda o ângulo em que foi batida, a encobrir parcialmente o interior da janela e a gerar esse ponto de fuga das linhas, em diagonal, abrindo a sua leitura por toda a superfície exposta.
É sobretudo o mistério da janela entreaberta, indiscretamente permitindo o nosso olhar para o interior, que se adivinha no recato que a cortina sugere, na intimidade que o nosso olhar não consegue penetrar. É a presença de alguém, que se denuncia pelo simples acto de deixar aberta a sua janela, e que confere ao todo uma dinâmica que outra janela, fechada, nunca conteria.
É a surpresa do regresso à convivência com o mundo da cidade onde vivo.

Bati esta foto, entre muitas outras, para um concurso de fotografia que a autarquia local está a promover, neste caso concreto subordinado à temática do património arquitectónico. Posso publicá-la porque não concorri com esta fotografia. No próximo domingo terá início mais uma etapa temática, dedicada ao património histórico. Segue-se uma última etapa, sobre o património etnográfico.

terça-feira, maio 16, 2006

Sevilha e a arquitectura religiosa

Esta visita a Sevilha incluiu obrigatoriamente a majestosa Catedral, que aqui vos trago na imponência do transepto...

... e que sempre me deslumbra pela magnificência arquitectónica, pelo requinte dos trabalhos em prata e em madeira, a lembrar a Sevilha dos Descobrimentos e da colonização da América dita latina, e onde a luz do sol, coada pelas artísticas rosáceas, parece dourar os tectos.
Mas esta visita gozou, pela sua peculiaridade de encontro temático e internacional sobre arquitectura religiosa, de privilégios especiais de descida às escavações em curso na própria Catedral, no Alcázar e na Igreja Colegial de San Salvador. Nesta última, os níveis de ocupação sobrepõem-se desde os romanos até à nossa época...
      San Salvador, nível islâmico, Sevilha 2006, © António Baeta Oliveira       San Salvador, nível do séc. XVI, Sevilha 2006, © António Baeta Oliveira
... revelando, nomeadamente, uma mesquita do séc. IX e uma catedral do séc. XVI, de que a foto mostra o lajeado, a anteceder a actual igreja.
O privilégio incluiu também a visita ao Alcázar, guiada pelo próprio director e, em dia de fecho semanal, exclusivamente para o nosso grupo. Visitámos escavações recentes, a revelar reformas no palácio, no final do séc. XI, de que se destaca uma porta, que a breve trecho se abrirá para o exterior, e se soube duma vasta intervenção que irá disponibilizar aos visitantes uma basílica dos primeiros tempos do cristianismo, que jaz sob um largo adjacente ao edifício.
E, sem a confusão habitual que geram 7 mil visitas diárias, foi possível ficar, longamente, observando deslumbrado a exuberância da arte mudéjar.
        Porta mudéjar do Alcázar, Sevilha 2006, © António Baeta Oliveira             O mudéjar no Alcázar, Sevilha 2006, © António Baeta Oliveira

sexta-feira, maio 12, 2006

Na rota do Al-Ândalus


Regressei de onde sempre estive.
Para além do teor formal das comunicações dos especialistas e das visitas especializadas, o encontro dos afectos e das sensibilidades: de portugueses, espanhóis e marroquinos; de muçulmanos, cristãos, judeus ou sem religião; dos que se expressavam em português, em castelhano, em francês, em árabe, em hebraico, em dialectos berberes ou judeo-marroquinos.
No meio de tanta diferenciação, o seio de uma civilização comum, a vontade e a urgência de um diálogo sobre o que nos identifica e que se manifestou na amizade que soubemos construir.

P.S.
O meu obrigado a EmocionalTur pela transcrição e referência.

quinta-feira, maio 04, 2006

Uma ilha de silêncio

Depois do percurso pela City, desci até à Catedral de São Paulo e percorri lentamente a Fleet Street, até Temple, precisamente no início da Strand.
Conhecia já esta zona, de Temple e da Strand, mas nunca antes tinha associado o nome - TEMPLE - a um templo dos Templ(ários), o que aguçou a minha curiosidade e veio a resultar no mais agradável e enriquecedor momento da minha estadia nesta grande urbe europeia.
No meio da agitação de uma das mais movimentadas zonas da cidade, vim a encontrar, para além de uma pequena porta entreaberta, o acesso a uma autêntica ilha de silêncio e recolhimento.
Entrada para Temple Church, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira
É ali mesmo, através desta porta branca, entreaberta, que se acede a um estreito caminho que conduz ao Templo, como indica essa informação, em fundo negro, na ombreira da porta anterior.

Creio que nunca teria descoberto o local, apesar do mapa que levava comigo, caso não tivesse inquirido um cavalheiro, perdão, gentleman que por mim passou.
Protegido por uma série de edifícios que o cercam, relacionados com o Supremo Tribunal de Justiça, num pequeno largo onde alguns funcionários gozavam uma pausa para almoço e lazer, ali estava o TEMPLE, do séc. XII, cujo traçado da parte circular lembra a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, modelo habitual das igrejas templárias.
                                                     Temple Church, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira
No centro do pequeno pátio uma coluna sustenta um cavaleiro templário, que transporta um outro no seu cavalo.
                              Cúpula em Temple Church, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira
No interior, sob uma cúpula, em cuja base se recordam, a toda a volta, os nomes de vários cavaleiros, jazem no chão alguns outros, em sepulturas datadas do séc. XIII e cujas pedras tumulares reproduzem a efígie do sepultado.
Base da cúpula do Templo, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira             Sepulturas em Temple Church, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira
Esta pequena e deliciosa jóia arquitectónica foi o meu grande achado desta visita a Londres.
Fiquei por largo tempo, ainda, no exterior do templo...
                              Entrada para o Templo, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira
... ouvindo música, escrevendo e lendo, repousando um pouco após várias horas de passeio a pé. Foram momentos de muita tranquilidade e fruição estética os que vivi nesta ilha de silêncio, no meio do bulício da grande cidade.
Quem me diria em Londres!

P.S.
É só para lembrar que me vou ausentar de novo por algum tempo. Até breve!

quarta-feira, maio 03, 2006

Uma manhã na City

Num intervalo em Silves, entre Londres e Sevilha, trago-vos esta nota sobre o meu primeiro dia na City, zona da antiga cidade romana de Londinium e, hoje, centro da vida financeira.
No coração da City, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira
Aqui, onde os clássicos edifícios de ar imperial se confrontam com a nova arquitectura do alumínio e do vidro e onde os prédios vitorianos se reflectem nas paredes feitas janelas dos escritórios, que enchem construções com dezenas de andares.
                              Edifício na Lombard Street, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira

                  Aqui, onde o "tempo é dinheiro".
                                                                        Relógio na City, Londres, Abril 2006, © António Baeta Oliveira