Porque queremos sempre ir além sabendo que
não podemos ultrapassar os limites do tempo e do espaço
nem podemos encontrar o transcendente apoio
a que a nossa ânsia aspira sempre em vão?
(...)
As Palavras
Campo das Letras, Porto 2001
Os meus visitantes estão a diminuir a olhos vistos - já só caem umas pinguinhas. Esperemos que isto melhore depois das Festas.
Hoje aposto, simplesmente, para deixar algumas referências curiosas:
- a primeira vai para uma homenagem a Johnny Cash, que aqui já referi, mas que deve ter ficado esquecida aí pela página abaixo. Não receiem carregar no link que se segue. É de facto uma coisa espantosa e figura no blog que mereceu o prémio para o melhor design dos British Blog Awards. Visitem Johnny Cash, em Desperado.
- a segunda referência vai para o humor de Tiago Barbosa Ribeiro no Blog de Esquerda e que não resisto a transcrever.
Ouve-se dizer que o país vai ser, de novo, referendado sobre o aborto.
Ao que consegui apurar, a questão que será exposta aos cidadãos já está formulada e é aqui avançada em primeira mão.
- a terceira referência vai para uma recolha de pragas (ou trações) algarvias que vi referidas em Um pouco mais de Sul. Já lá deixei o meu primeiro contributo.
Afinal esta preguiça, este dolce fare niente, esta vontade de faineanter, que não passa de uma desilusão pelo que me cerca, além de me ter atingido e aos mais a que já me referi, reflecte-se também, pelo menos, em dois textos do Público de hoje:
Estou rendido à moleza. Deu-me para desfolhar uma velha edição da História Luso-Árabe (1945), de Garcia Domingues, um grande arabista desta minha terra, quando se me deparou este pequeno excerto de um poema de João Lúcio, de Olhão:
Prossigo neste doce, preguiçoso e inocente capricho de brincar com as palavras, a que hoje acrescento as imagens.
Pacheco Pereira, que ontem me inspirou este tom, já o abandonou; outras responsabilidades e urgências que eu não tenho.*
Há dias nublados, penumbrentos, frios, tristes, nostálgicos.
Há dias encobertos, chuvosos, pardacentos, húmidos, enfadonhos.
Há dias de sol, limpos, radiosos, quentes, despreocupados.
Há dias a vários andamentos: chuvosos, nublados, mas luminosos, de uma luz que prenuncia a breve chegada do Sol e que, quando as nuvens se afastam, irrompem numa paisagem límpida, em que as próprias cores da natureza ganham outra vivacidade, como se as tivessem lavado e o nosso estado de alma, lavado ele também, ganha aquela alegria que nos traz uma outra vontade de viver.
Esta foto capta um desses dias, no preciso momento em que ainda se ouvem os últimos acordes do adagio que antecede o allegro.
*Afinal, falei cedo de mais. Acabei de verificar que Pacheco Pereira mantém aquele tom nos seus early morning blogs e até enquanto peca conscientemente.
Não me apetece falar do Saddam, nem da Constituição Europeia, nem dos imigrantes (a mais?), nem do islamismo, muito menos do cristianismo (nesta época tão cristã(!)), da Palestina e Israel pouco posso adiantar (do outro lado, do outro muro, também pouco se sabia), a pedofilia faz tempo que entrou em águas mornas.
Estou a habituar-me ao deficit.
Nota: Se a conjugação estiver correcta, o meu faineanter veio do Abrupto, em post de ontem, pelas 13h55.
O Local e Blogal abre hoje uma porta para a poesia, listando, na coluna da direita, por ordem de publicação para cada poeta, os links que permitem aceder a toda a poesia que já por aqui passou. A porta manter-se-á aberta para nela incluir toda a poesia que ainda aqui se vier a publicar.
A intenção é a de facilitar a pesquisa do tema que, creio, mais gente procura neste blog.
Alguma coisa receamos e nos desafia a passar esta porta entreaberta.
É a impenetrabilidade que nos sugerem as paredes que a rodeiam e a justificam. É o confronto com o saber milenar que transpira destas pedras que já tanto viram e ouviram. É o convite que nos parece formular aquele pequeno e frágil poial, dessa mesma pedra sapiente. É a fresta a despertar a curiosidade. É o escuro, para além da fresta, a desencadear o medo. É o apelo do desconhecido.
Entre, se quiser saber!
Da minha viagem a Santarém, quero mostrar-vos ainda o belo capitel, do século XII, de que falava em A Xantarim e a Ibn Bassam.
A ideia foi-me suscitada pela contemporaneidade e semelhança temática do poema de Ibn al-Milh, de Silves, que aqui transcrevi no passado dia 3 de Dezembro, e o poema que pretendo transcrever hoje, de:
*Post Scriptum
Mas...
apesar da pressão comercial, do consumo exagerado e poluidor, do gosto duvidoso da iluminação e da música que temos de aguentar, aprecio o ritmo que esta época impõe, com os passeios cheios de gente, cumprimentando-se (vivo numa cidade pequena, onde quase todos nos conhecemos), perguntando pela família, desejando, sincera e esperançadamente, um ano melhor. Gosto de encontrar os amigos, jantar com eles, conversarmos demoradamente, e de manifestar a minha lembrança, a minha amizade, o meu reconhecimento aos que estão longe. Emociono-me com a chegada dos filhos, dos irmãos, dos sobrinhos, da família que começa a reunir-se para a ceia de Natal. Desvaneço-me com o bacalhau, as batatas, a couve, o azeite, o vinho verde tinto, a aletria doce, as rabanadas e o calor da amizade. Recordo saudosamente o meu pai (um homem do Norte, a justificar esta prática alimentar em noite de Natal, distinta da carne de porco com amêijoas, tradicional na ceia natalícia em Silves) e a minha mãe, afanosamente preparando o jantar durante todo o dia, fatigada, mas sempre com um sorriso e um toque de humor nas suas conversas.
Também gosto de sentir este aperto na garganta, agora, enquanto escrevo estas palavras.
É tradição familiar: os cartões de boas festas, as decorações, as compras, o presépio (hoje em dia a árvore), enfim, a época de Natal, começa a partir do 8 de Dezembro.
Queria saudar-vos, então, com a chegada do meu Natal tradicional, mas o Jorge Candeias antecipou o que eu pretendia dizer num spamema, que reproduz essa minha intenção numa síntese perfeita.
Na sequência do meu post de ontem e satisfazendo algumas curiosidades que me foram manifestadas, deixo-vos estas imagens de uma moeda (frente e verso), cunhada em Silves no período almoada (Na primeira imagem (frente), no canto inferior esquerdo, é possível identificar o topónimo XELB, Silves em árabe),
com indicação do site de onde foram retiradas e onde consta uma breve história deste período, ao tempo de Ibn Qasi, de Silves.
Sugiro ainda uma visita pelo Legado Andalusí.
Finalizando, uma recomendação muito especial: Portugal Islâmico (Os últimos sinais do Mediterrâneo), uma publicação do Museu Nacional de Arqueologia, mais exactamente o catálogo de uma exposição com o mesmo título, coordenada por Santiago Macias e Cláudio Torres. (ISBN 972-776-000-7)
Por hoje chega.
Para compreender o Islão, é o título de um post, a cuja entrada tive acesso no blog História e Ciência, a que o link atrás permite aceder, mencionando uma edição especial da revista História, com o mesmo título e para a qual chamo a vossa particular atenção.
Esta minha insistência em temas do Islão tem a ver directamente com a minha naturalidade e com a curiosidade daí resultante em comprender a civilização do Al-Ândalus que precedeu, nesta minha terra, a chegada dos cristãos do Norte.
Acontece ainda que o fulgor daquela civilização me enche de orgulho e que por ela sinto uma atracção e uma sedução que deriva da descoberta de muitas afinidades com a minha maneira de ser e estar, que se reflecte até na cor da pele, e um forte sentimento de identificação.
O que me interessa de facto é a civilização do Al-Ândalus enquanto civilização mediterrânica ao Sul de Portugal, mas para a compreender melhor tive que percorrer alguns dos caminhos que ela própria percorreu para aqui chegar. Aí, no entanto, o interesse é meramente circunstancial, se bem que essa circunstância, hoje, seja uma preocupação comum a todos os que tencionam compreender o mundo em que vivemos e o fenómeno que já começa a designar-se por embate civilizacional.
Esta explicação prolongada servirá, eventualmente, aos que frequentemente me interrogam sobre esta minha insistência em temas árabes.
Na citada revista, Cláudio Torres, aquele que mais tem trabalhado para resgatar o passado islâmico de Portugal, como afirma Luís Leiria no editorial, concede uma longa entrevista, de elevado interesse para a compreensão desta civilização, a última grande civilização do Mediterrâneo.
Acicatando a vossa atenção refiro algumas temáticas a contra-corrente, ou menos usuais:
Espero ter despertado alguma vontade de vir a ler esta interessante entrevista, se é que não os macei e produzi o efeito contrário, e provoque algum desejo de melhor conhecer o outro, o do outro lado deste grande mar interior onde fermentaram todas estas civilizações ditas ocidentais, que nos fizeram tal como somos hoje.
Ibn al-Milh (*)
O JARDIM brinca com a brisa
Que, dir-se-ia, ser sua emissária
No chamamento à festa da alvorada.
Está ébrio, preso de seus ternos ramos,
E quando os doces pássaros o cantam
Ele vai repetindo essa canção.
Não faltam flores, estratégicos espias
com seus olhos vigiando namorados.
E se destacam na folhagem verde
como luz brilhando sobre as trevas.
(*) Ibn al-Milh viveu em Silves no período da taifa dos abádidas, na sequência da queda do califado omíada. Filho de um poeta da corte de Al-Mu'tadid (pai de Al-Mu'tamid), teve sempre grande apego à sua Silves natal, nunca a trocando pela vida palaciana de Sevilha, apesar das insistências de Ibn 'Ammar.
(Nota do apostador)
Ah, Este modelo predatório de crescimento industrial, em terminologia do Abrupto num post de 22 de Novembro, sob o título Heranças e Desejos (tentei o link directo, mas não funciona).
Vem esta introdução a propósito de uma animação que nos fala de crueldade sobre os animais, de germes cada vez mais resistentes aos antibióticos, de poluição em grande escala, de comunidades destruídas, enfim, deste modelo predatório de crescimento industrial. Todos nos lembramos, em Matrix (I), de Smith torturando Morpheus, dizendo-lhe que a relação dos humanos com o seu habitat não é a de um mamífero, mas a de um vírus, esgotando os recursos e partindo para outro habitat, sucessivamente.
Pois é de Matrix que estou falando, nesta animação utilizada pelos produtores de carne em quintas tradicionais, nos Estados Unidos da América, que provavelmente muitos de vocês já conhecem, mas que vos convido a visitar em THE MEATRIX, assim mesmo, como em meat. (Liguem o som. É imprescindível)
Klepsýdra, no post a que aquele link dá acesso e cuja leitura aconselho para um melhor esclarecimento, refere-se a esta questão bem polémica.
Já por aí circulam abaixo-assinados exigindo a inclusão de uma referência ao Cristianismo na futura Constituição Europeia.
Acho que uma constituição deve servir para unir e não para separar. A referência ao cristianismo numa Europa que se quer tão vasta quanto o próprio continente europeu, não deve usar referências onde as populações não se revejam.
Se a questão tem a ver com a herança religiosa, creio que o preâmbulo da proposta de constituição já o faz e bem:
" (...) Inspirando-se nas heranças culturais, religiosas e humanistas da Europa, cujos valores, ainda presentes no seu património, enraizaram na vida da sociedade a sua percepção do papel central da pessoa humana e dos seus direitos invioláveis e inalienáveis, bem como o respeito pelo direito. (...) "
Se há coisas que separam as pessoas são as discussões em torno das convicções religiosas, partidárias ou futebolísticas, porque todos têm uma palavra a dizer e ninguém precisa de fazer prova das suas afirmações, porque também já o outro disse que....
NOTA: Pode aceder ao texto da proposta de Contituição Europeia utilizando este link, se bem que em formato .pdf para a língua portuguesa (PT).
Junto com a factura do consumo de água, por iniciativa da Câmara Municipal de Silves, os munícipes estão receber um folheto que pretende estimular a poupança deste precioso bem. O meu aplauso!
Acontece que o folheto não faz a mínima referência à larga utilização de água potável, da rede de consumo público, que é utilizada nas piscinas particulares, a maioria delas registadas como tanques para a rega, sem que ninguém se incomode com isso. Menos ainda há referência à forma como os campos de golfe sediados ou ainda a construir no concelho irão proceder no que se refere ao consumo de água. A talho de foice pergunto-me: será que as piscinas municipais não utilizam água potável?
Mas isso é assim por todo o lado, dirão.
Pois é.
Obrigado pelo conselho, mas o que é certo é que "Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão."
Ainda o Iraque, porque nunca é de mais reforçar o que se sabe e se não quer ouvir, porque os factos também se interpretam.
Vital Moreira em Persistir no Erro - título de um seu artigo no Público de hoje - fala também da sua interpretação dos factos:
" A cada dia que passa, os apoiantes do belicismo estado-unidense são obrigados a reconhecer que nenhuma das justificações para a intervenção no Iraque resiste à prova dos factos. Nem armas de destruição em massa, nem ligações às redes de terrorismo internacional, nem democratização espontânea, nem golpe decisivo no
terrorismo.
(…)
Afinal, o Iraque estava completamente limpo das acusações em que se baseou a invasão. "
Santarém: do Tejo, da Lezíria e do Outono
Regressei de Santarém, onde procurei memórias de Ibn Bassam e da sua Xantarim. Dessa civilização encontrei um dos mais belos capitéis, em mármore, que alguma vez pude ver e o topónimo árabe - Xantarim - no nome de um bar, numa ruela próxima do Beco do Isaac, a lembrar tempos medievais de vizinhança judaica, muçulmana e cristã. De Ibn Bassam e da sua poesia não encontrei nenhuma referência pública. Scalabis parece sobrepor-se a Xantarim entre os escalabitanos da Santarém do nosso tempo, apesar dos doces tradicionais, ditos conventuais, as arrepiadas e as celestes, em amêndoa, tão semelhantes aos doces do meu Algarve mouro.
Eu rememoro, nestes seus versos,
VEM DAÍ, deixa lá esse torpor,
Que o que agora conta e tem valor
É a amada, linda como a lua,
E teres sempre cheia a taça tua!
Não te embarace tanto nevoeiro
Que sobre jardim e vinho vai pairando.
Estares presente é o dever primeiro
E logo o jardim se irá mostrando.
Vou estar ausente, muito provavelmente sem possibilidade de contacto com os blogs, até segunda-feira (24). Estarei por Santarém e, se porventura, encontrar a Joaninha dos Olhos Verdes, podeis crer que nada revelarei desse nosso encontro, a não ser que Ibn Harbun (*) o tenha feito por mim:
(*) Ibn Harbun viveu em Silves no período almoada, o último da presença islâmica em Portugal. Este período corresponde ao tempo da formação e consolidação da monarquia portuguesa e das suas fronteiras. Uma das personalidades responsáveis pela vinda dos almoadas para a Península foi Ibn Qasi, líder político, militar e religioso, de Silves, (que dominava um vasto território, que se estendia para Norte até Évora e para Leste até perto de Sevilha) que com eles se aliou para expulsar os almorávidas. É curioso que, reconhecendo o seu erro, tenha parlamentado com Afonso Henriques visando a expulsão dos almoadas, o que lhe veio a custar a vida; foi decepado pelos partidários daquela facção na alcáçova de Silves, na mesma que, ainda hoje, é o ex-libris da cidade.
(Nota do apostador)
Os casos mais controversos destes últimos tempos na blogoesfera, no que se refere à realidade portuguesa, no meu entender, foram os que se relacionam com os estudantes e com o envio do contingente da GNR para o Iraque.
Li, como certamente aconteceu com todos vós, bastantes comentários, variados e controversos, que me ajudaram a construir a minha actual opinião.
De entre todos, os que melhor corresponderam aos meus pontos de vista foram, curiosamente sobre ambas as situações, os referidos por Rui Semblano n'A Sombra:
Quis partilhá-los convosco.
Mudando de assunto, mas mantendo-me n'A Sombra.
Algumas referências, em alguns blogs, aos resultados a certos inquéritos reveladores da personalidade, despertaram-me alguma curiosidade.
Também quis saber qual dos deuses gregos seria eu e verifiquei a minha semelhança "outonal" :-) com a autora de Little Black Spot, permanecendo n'A Sombra.
Morpheus
Which Of The Greek Gods Are You ?
brought to you by Quizilla
Quero no entanto revelar que, no que se refere à personagem do Matrix, já não nos correspondemos na mesma figura; saí contemplado com o Oráculo, no qual, sinceramente, não me sinto muito reconhecido. Mas também não seria esse Morpheus.
"É verdade que somos vizinhos. Que é mais fácil tropeçarmos assim nesse fio quase invisível das cumplicidades", diria o José Carlos Barros. Por isso, hesitei. Mas decidi-me. Porque não, se gosto tanto?
Recomendo-vos uma viagem até Um pouco mais de Sul, começando quase no paraíso e prosseguindo, por ali acima, pelos fins de tarde, pelos vários jardins, até Milton ou ao que ainda estiver por vir, de José Carlos Barros.
O alerta para o recurso à "modalidade de um único comentador permanente ao serviço informativo, para a qual escorregaram recentemente as televisões privadas", e ainda para a "perigosa concentração e cartelização que se vive em Portugal no tocante à propriedade dos meios de comunicação social" lançado por Fernando Rosas em O Discreto Sequestro da Liberdade de Expressão, no Público de hoje, despertaram a minha atenção.
Como queria que aquele alerta permanecesse neste blog para além do tempo de vida daquele link, devidamente direccionado para o texto em causa, mas que sei que irá deixar de vigorar dentro de pouco tempo, transcrevi duas frases que me mereceram uma atenção especial, independentemente de outros pontos de vista que não partilho com o seu autor.
Permitam-me que vos direccione ainda para um outro local que me despertou uma atenção bem especial e onde também estão em causa a pluralidade de opinião e a Liberdade. Abram os Olhos!
É neste abandono que a praia ganha outro encanto. Longe do bulício do Verão. Ausente de multidões; quase poderia chamar-lhe minha. O sol já só aquece a roupa que trago vestida; exposto, tenho frio. A meu lado, duas gaivotas confraternizam, sem receio. Leio, mas a paisagem interfere nos meus pensamentos. Corta-me as sequências, retira-lhes lógica. Perco-me, não entendo. Adormeci?
Lá em cima, na vila, também tudo me parece dormente. Na rua, nem vivalma. Os blocos de apartamentos estão vazios. O vento traz-me areia aos olhos. Restos de um jornal parecem dançar, volteando no ar.
Falam-me de um Plano cuja execução "levanta sempre dúvidas, nos interesses que acolhe e naqueles que enjeita...". Referem uma vila junto ao mar onde se constrói, se continua a construir, se construirá ainda mais, mesmo sabendo que a praia não irá alargar. Descrevem uma terra com "prédios fantasmas de Inverno, esventrada de valores urbanísticos e de qualidade de vida para os residentes, anuais"; dizem de "uma edilidade que parte do princípio que é uma chatice ter no Concelho uma terra como Armação".
Nota: Os textos entre aspas foram transcritos de Voz de Silves, edição de 5.11.2003.
Lendo a última edição do XARAJÎBE, revista do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, recentemente publicada e praticamente dedicada às intervenções que tiveram lugar durante os colóquios da Semana Cultural Egípcia, que aqui decorreu entre 8 e 15 de Setembro de 2001, apeteceu-me transcrever parte do discurso da sua presidente da direcção, Ana Maria Mira:
" Durante quase oito séculos, o Andalus viveu o espantoso desenvolvimento científico, técnico e cultural que foi apanágio do mundo árabo-islâmico. Na sua sede de conhecimento, os sábios árabes e muçulmanos não só traduziram e integraram os conteúdos das obras oriundas do Oriente, da Pérsia, da Mesopotâmia, da Grécia, da Índia, da China, e de outras regiões, como as ultrapassaram em inovações em vários domínios, tanto no campo da medicina, da geometria, da astronomia, das ciências naturais, da linguística, da filosofia, e tantos outros, enquanto, durante esse período, a Europa permanecia como que adormecida, estagnada, desgastando-se em permanentes lutas pelo poder.
Nessa época o árabe era a língua da ciência e da cultura, e até a Bíblia, no Andalus, era mais frequentemente escrita e lida em árabe do que em latim.
E foi pela porta do Andalus que todos esses saberes se foram progressivamente transmitindo a uma Europa que começava a abrir-se ao Renascimento. Lembremos a escola de tradutores de Toledo, fundada por Afonso X, o Sábio, destinada precisamente à tradução dos escritos árabes para castelhano, com a colaboração comum de cristãos, muçulmanos e judeus.
E lembremos a importância fundamental de muitos desses conhecimentos nos domínios da cartografia, da astronomia, dos instrumentos de navegação, como a bússola, o astrolábio, e tantos outros, na gesta dos descobrimentos.
Todo este movimento científico-cultural vai prosseguir e prosperar na Europa, no outro lado do Mediterrâneo, mas já sem a participação dos países árabes.
Como se a estagnação mudasse de campo, e que por sua vez os países árabes se fragilizassem mais preocupados com lutas internas e de sobrevivência face aos povos invasores, como o foram, entre outros, os Mamelucos, os Turcos Otomanos, e, sobretudo, a partir do século XIX, os europeus.
Certamente que as sucessivas ocupações e colonizações levadas a cabo por esses diferentes povos constituíram um factor de involução do desenvolvimento e de destruturação interna desses países.
Se os árabes quando vieram para a Europa trouxeram sobretudo a ciência, as técnicas, as artes e desenvolveram as regiões em cooperação e no respeito dos direitos da população autóctone, já o movimento contrário, partindo da Europa para os países hoje denominados em vias de desenvolvimento, foi um movimento predador.
(...)
O século XX, sobretudo no pós-guerra, foi o século das independências.
Mas tomar em mão o seu próprio destino, reconstruir uma identidade nacional, não passa pela assinatura formal de documentos, nem pelo terminar da luta armada, nem pelo abandono dos dominadores.
É necessária uma longa caminhada para aprender a cicatrizar as feridas, para se libertar das impregnações que perduram, para rejeitar os mimetismos, as tentações neo-colonialistas, os mitos inculcados de um ocidente soberano e paradisíaco.
(...)
Quando falamos, pois, de conhecer os países árabes na sua actualidade, queremos referir cada um deles na sua especificidade, nas suas expressões culturais que reflectem precisamente essa busca de autonomia, de liberdade e de identidade próprias, contrariando a percepção comum etnocêntrica de um mundo árabe como um todo uniforme, e a superficialidade dos conceitos que se ficam pelo floclore e pelos suks.
Só o entendimento, racional e afectivo, desse processo evolutivo nas suas contradições nos permite a empatia e a igualdade no relacionamento com esses povos.
(...) "
Percorrendo toda a página frontal deste meu blog, notei que nela não figurava nenhum poeta de Silves, nem tão pouco do Al-Ândalus.
Corrigindo esta situação que, creio, nunca antes tinha acontecido, aqui está um poema de Ibn Habib, ao tempo da Silves almorávida (*):
(*) Os almorávidas formavam uma tribo que, a partir do norte de África, invadiu a Península, nos finais do séc. XI, numa onda de "purificação" político-religiosa, instalando-se no poder após o derrube dos pequenos reinos independentes (taifas), entre os quais o do poeta Al-Mu'tamid, nascido em Beja, governador de Silves e, mais tarde, senhor de Sevilha, deportado para Agmat, perto de Marraquexe, na sequência desta invasão.
(Nota do apostdador)
O almanxar no museu
Permitam-me que evoque este texto de Manuel Rosa Dias em Um pouco mais de Sul e ainda este poema de Nuno Júdice sobre as ESTRELAS (as algarvias, de figo).
Remeto-vos finalmente para este belo texto de José Carlos Barros, também em Um pouco mais de Sul, referenciando o Local e Blogal e digam lá se não vale a pena ter vizinhos assim, que nos emolduram em espaços de memória, em sensações de luz, de sombra e de cor, em aromas de figo e medronho, em sabores de Algarve e de Sul?
Obrigado, José Carlos!
Fiquei ( )urioso (hesito em escrever com "c" ou com "f") ao saber da proposta do líder do PP ao líder do PSD, no sentido da criação de um projecto comum que viesse a incluir na Constituição o reconhecimento do direito à vida desde a concepção.
Decidi-me: quanto à proposta de Paulo Portas, usaria um "f"; reservo o "c" para as reacções a tal intenção.
De entre as várias reacções quero remeter-vos para uma em particular, sugerida por Bloguítica no post[825]: pela sua ironia e clareza, sob o título "O Partido do Evangelho", veja-se Murmúrios do Silêncio, que passei a incluir nos meus blogs de leitura diária.
Estaremos assim tão perto do fundamentalismo dos "outros"?
Trovas do Desalento é o título de um dos capítulos do Robaiyat, de Omar Khayyam.
Condiscípulo de dois outros ilustres do seu tempo, Nizam-al-Mulk, que veio a ser o vizir do califa Malik-Shah, e Hassan Sabbah, o Velho da Montanha, fundador da seita dos assassinos, que comandava a partir da inexpugnável fortaleza de Alamut. Omar, considerado um dos maiores sábios da sua época, matemático e astrónomo reconhecido, a quem o califa entregara a responsabilidade do Observatório Astronómico de Merv, entrou em profundo desalento após o morte do seu amigo vizir, a mando do seu outro amigo, Hassan. É esse desalento niilista, que vos trago hoje nestas duas quadras:
Eu sei que os dias da vida
passam velozes, ligeiros
como o tufão do deserto,
como as águas dos ribeiros.
Fiquei mesmo sem palavras.
Quis agradecer via email, mas não encontrei endereço. Quis agradecer através dos comentários, mas não consegui acesso. Vou ter que agradecer num post (que é mesmo o que já estou a fazer) a simpatia e a amabilidade de AlgarveGlobal, na pessoa de Sérgio Martins, que se referiu ao Local e Blogal e a mim próprio em termos elogiosos. Não me sinto merecedor de tais encómios, sinceramente, mas isso não significa que não tenha ficado satisfeito. Sabem sempre bem estes estímulos ao amor próprio.
Obrigado Sérgio!
Fernando
Já chegaram duas pistas de carrinhos. Uma delas é enorme e comprida, curvando nas pontas. Há também uma pista de aviões, mas é igual à do ano passado. O carroussel é o Flecha de Prata; o carroussel Oito, este ano, só deve ir à feira de Portimão. Chegou também um circo muito grande, com animais selvagens, mas ainda não sei o nome porque a placa não foi montada até à hora de me vir embora. Já era quase de noite e sabes como é a mãe quando chegamos depois de anoitecer. O comboio fantasma é novo e tem uns bonecos pintados que até metem medo. O poço da morte é diferente do que vimos em Alcantarilha; é uma esfera e mudou de nome para Esfera da Morte. Há ainda uma barraca com umas bruxas pintadas, deve ser para ler a sina.
Lembras-te Fernando!?
O Fernando, meu irmão, vive na Escócia e gosta de vir a Silves pela Feira; porque lhe dá mais jeito ou por nostalgia. Irei inquiri-lo sobre isso esta noite, quando chegar com os seus dois rapazes, já bem crescidos.
A Feira de Todos-os-Santos era a maior atracção do ano ao tempo da minha infância. Pouco me importava com as tendas de fancaria, o que queria saber era dos divertimentos, embora retenha saudosas lembranças das louças de barro, dos cobres, das castanhas assadas, dos colares de bolotas, das nozes, dos seringonhos (farturas), do cheiro a bacalhau assado (o cheiro gorduroso do frango enjoa-me). Ah! E o cheiro dos sapatos e das botas de couro!
As primeiras feiras de que me lembro eram na Cerca da Feira. Entrava-se pelo lado do Jardim, através de um arco, que ainda existe, iluminado feéricamente, pelo menos aos meus olhos de garoto. Hoje a Cerca da Feira, ainda assim se chama, embora a placa a designe com outro nome qualquer, é um bairro habitacional, com uma escola de 2º e 3º ciclos e uma creche. Era um enorme espaço, devoluto todo o ano, onde gastávamos os sapatos a jogar futebol. A feira passou depois para o largo junto ao rio, ali ao Pego do Pulo, espraiando-se pela avenida, e ainda se realizou durante alguns anos no local onde foi uma fábrica de cortiça, depois a sua ruína, mais tarde um terreiro e agora o Largo de Al-Mu'tamid.
Voltou de novo para as proximidades da Cerca da Feira, mas junto ao rio. Irás ver esta noite.
Hoje não entendo que atracção produz a Feira. Os divertimentos estão aí a toda a hora, restaurantes abundam, o comércio paralelo, (que ao tempo não tinha roupa de marca), está aí em cada mercado, mas nem imaginam a quantidade de gente que inunda a cidade por esta época. É tal a confusão e a barulheira que há anos que lá não ponho os pés. São mesmo milhares e milhares de visitantes. É, ainda hoje, o acontecimento que mais gente traz a esta terra.
Desta vez trouxe o meu irmão e os meus sobrinhos e, por eles, estarão também os meus outros irmãos, o Zé e a Corina, com os seus filhos. Virão também os meus herdeiros, salvo a Joana que está longe, em Oxford, mas que deve estar a roer-se de inveja.
Do que poderia hoje falar o meu post?!
Secundando A aba de Heisenberg e a sua bela homenagem a Sophya de Mello Breyner Andresen, por ocasião da atribuição do Prémio Rainha Sofia, com uma transcrição de um excerto do conto A Menina do Mar, vou também eu trazer-vos um poema, sobre o mar:
O vinho, para além do amor e das rosas, é dos temas favoritos de Omar Khayyam no seu Robaiyat.
É esse vinho, de Omar, que vos trago hoje:
A despedida de uma amiga, que se vai ausentar por longo tempo, foi motivo para um jantar de amigos em noite de mudança horária.
Francamente, eu já sabia. É inevitável. Há sempre alguém que insiste e consegue confundir outros, que à partida não tinham esse parecer:
Este meu texto é dedicado ao mais outonal dos blogs que conheço.
Little Black Spot, pairando sempre numa inconsistência nebulosa, iria dizer nocturna, mas antes crepuscular, quando tudo se parece esvair num adormecimento doce, lento, quente. Há também sempre presente a solidão, talvez melhor, uma ausência, que parece desejar-se permanente, continuada, alimentando o sonho de um dia que não acaba e resta, eternamente, à espera de um novo sol que não virá.
No Algarve o Outono chegou mais tarde. Só agora começam a reunir-se as marcas que um dia me sugeriram o texto que hoje quero oferecer à autora de Little Black Spot - "um ponto negro emerge da escuridão":
As minhas mais remotas memórias dos primeiros tempos da minha adolescência, quando já me começo a reconhecer como um rapazinho, têm o cheiro da terra molhada após as primeiras chuvas, o aroma da azeitona a caminho do lagar, os odores da castanha assada ou do óleo das "farturas", envolvidos no bulício e nas novidades da Feira de Todos-os-Santos, o prazer de ficar na rua a brincar e ser surpreendido pela noite, que chega mais depressa, a magia do acender da iluminação pública... tudo como se o tempo parasse, se suspendesse e eu me quedasse num limbo, numa outra dimensão.
Ainda em torno dos poetas de Cacela, ao tempo do Al-Ândalus, escolhi um poema de Abu Al-'Abdari (séc. XI), cuja temática faz lembrar Omar Khayyam, o poeta persa contemporâneo deste homem de Cacela e de quem venho divulgando algumas das quadras do seu Robaiyat.
COMO AQUELAS taças pesavam
Quando vazias até nós vieram...
Depois ficaram quase esvoaçantes
Mal o vinho dentro lhes puseram:
Como corpos que mais leves se volveram
Ao habitá-los almas crentes.
Prometi há algum tempo ao José Carlos Barros, de Um pouco mais de Sul, que antes ainda de percorrer todos os poetas silvenses ligados à civilização do Al-Ândalus, traria a este blog Ibn Darraj al-Qastalli (de Cacela), que alguns, segundo Adalberto Alves, afirmam ser de Jaen (Qastalla).
Pondo de lado as polémicas sobre a sua naturalidade, deixem-me contar-vos que depois de alguma hesitação na escolha, optei definitivamente pelo poema que se segue:
TIVEMOS,
Em vez de uma longa vida de doçura
A travessia de vales e montes lamacentos;
Em vez de noites breves sob os véus
O temor da viagem no seio de infindável treva;
Em vez de água límpida sob sombras
O fogo das entranhas queimadas pela sede;
Em vez do perfume errante das flores
O hálito esbraseado do meio-dia;
Em vez da intimidade entre ama e amiga
A rota nocturna cercado de lobos e de génios;
Em vez do espectáculo de um rosto gracioso
Desgraças suportadas com nobre constância.
De Omar Khayyam, autor do Robaiyat, que aqui vos trouxe no passado dia 16 de Outubro.
Tão simples, como só os grandes poetas sabem fazer.
Pouco desejo no mundo,
sou fácil de contentar:
pão, água fresca, uma sombra
e a luz do teu lindo olhar...
No escuro, enquanto entramos e procuramos o nosso lugar, uma mulher, jovem, com um vestido "de noite" cor de cereja, dança.
Esta é a imagem que o rapaz que a amava quis guardar para si; ela morreu, vítima de violência gratuita, perpetrada pela personagem central deste peça (KIP), inspirada no tiroteio do liceu americano de Columbine.
A cena, completamente despida, num cenário de negro, ilumina-se lentamente, enquanto actores transportam uma mesa e duas cadeiras. KIP deita a sua cadeira, senta-se e inicia perante o indivíduo à sua frente, que o interroga, uma batida no chão, ritmada, como a batida de um coração, usando o desiquilíbrio da cadeira, provocado pelo movimento do seu corpo.
Pára e o silêncio que se instala é invadido pelo lento ruído do precipitar da água vertida de um jarro para um copo, de vidro.
Descrevo pequenos apontamentos de encenação que geram a presença de uma violência incómoda, que se instala, sem que qualquer acto de violência tenha sequer tido lugar.
Esta é a marca de uma encenação de rigor, de Pedro Alves, do teatromosca, servida por um seguro grupo de intérpretes, apresentada este fim-de-semana no CAPa (Centro de Artes Performativas do Algarve), em Faro.
Sobre a violência, sobre a solidão, onde a morte parece surgir inevitável, sem tentar encontrar explicações fáceis na ambiência familiar, na sociedade, na adolescência, abrindo-nos um largo espectro de opiniões vindas da irmã, da mãe, do pai, dos amigos, das vítimas, dos amigos e familiares das vítimas, do interrogador, do próprio KIP.
Um apontamento final.
Uma peça de teatro como esta, a que raramente teremos oportunidade de assistir na nossa região, mereceu a presença de cerca de 50 espectadores. Passou ao lado da grande maioria dos residentes algarvios.
Citando um amigo meu, que ontem me acompanhou a Faro e ao CAPa:
" Eu acredito que as pequenas manchas de utopia que ainda matizam a nossa sociedade são espaços de criação, de reflexão e de liberdade. "
Ainda não tinha tido ensejo de vos falar do APARTE.
Com diversos tipos de experiência, em variadas formas de expressão, um grupo de silvenses resolveu, o ano passado, sensivelmente por esta mesma época do ano, unir esforços em torno da animação cultural.
O Racal Clube, associação local que a seu tempo ganhou alguma notoriedade com a realização do Rallye do Algarve e, mais tarde, com a organização do Congresso do Algarve, mantinha inactiva uma ampla sala no rés-do-chão da sua sede, no Edifício Racal.
Propôs este grupo de amigos a utilização daquele espaço para um projecto, a desenvolver nas vertentes da produção, da formação e da dinamização culturais, na perspectiva da formação artística das pessoas que viéssemos a envolver, na dinamização de iniciativas artísticas e culturais e na divulgação de produções de outros intervenientes.
Ao longo de cerca de nove meses de trabalho (último trimestre de 2002 e dois primeiros trimestres de 2003) houve lugar à formação, produção e dinamização na área do teatro, assim como recebemos produções do Ideias do Levante e do Sin-Cera, Grupo de Teatro da Universidade do Algarve.
Produziram-se duas Batidas Fotográficas e consequentes exposições, no Outono e na Primavera, com a realização de uma conferência sobre "Fotografia e Estética".
Houve lugar à música, à poesia e ao conto, ao cinema, com um ciclo sobre Jim Jarmusch, exposições de artes plásticas com um convite a alguns alunos de artes e recebemos jovens que, pela primeira vez, se nos propuseram expor.
Hoje à noite retomaremos a actividade, abrindo o espaço APARTE às sextas à noite, no que designámos como Sextas APARTE, apresentando um excerto significativo do prestigiado 29º Salão de Arte Fotográfica do Algarve, uma organização do Racal Clube. Haverá lugar a uma breve animação em torno do que chamámos Inauguração da Placa, com a presença do Secretário do Estado a que isto chegou.
Será o pontapé de saída para mais três trimestres de actividade, que ambicionamos venham a ser mais profícuos ainda do que o que conseguimos o ano passado.
Aqui fica o convite para uma visita, às Sextas, ou para uma proposta de iniciativa(s), que apreciaremos com o maior gosto.
Omar Khayyam, poeta persa do século XI, cantor do amor, do vinho e das rosas de Khorassan (sua província natal), é o autor de Robaiyat (quadras).
A existência do Robaiyat chegou ao meu conhecimento através de Samarcanda, uma obra de Amin Malouf, que o meu amigo Manuel me tinha emprestado.
No decurso de conversas tidas com o Manuel e outros amigos e amigas, a este propósito, uma delas descobriu, entre os livros do seu sogro, uma velha edição, de 1926, traduzida por Gomes Monteiro. Recuperei-a para oferecer ao Manuel, em duplicado, por necessidade de composição e pensando guardar um exemplar para mim. Essa amiga solicitou outros e outras para a produção de uma encadernação, forrada a veludo, em cuja capa foi colocado um bordado, a ponto de cruz, produzido expressamente para o livro (notem-se as referências gráficas ao vinho, ao amor e às rosas).
O produto final foi oferecido ao Manuel, pelo seu aniversário e, numa outra ocasião festiva, que não recordo qual, recebi eu um idêntico exemplar, elaborado a partir das páginas duplicadas a que atrás me referi e que me tinham dito ter ficado danificadas durante o corte na guilhotina.
Já lá vão quase dez anos sobre estes acontecimentos, que agora recordo com saudade e emoção.
Pensei trazer a este blog alguns destes poemas, mas a minha ligação ao livro é de tal modo afectiva que não resisti a contar a história que envolve o seu conhecimento e a sua posse.
Deixo-vos hoje com duas quadras, do 1º capítulo, dedicado às Rosas de Khorassam.
Há algum tempo, talvez demasiado cedo, antes das aulas terem começado, abordei este assunto em Ainda há quem ache graça à praxe?, secundado por A Sombra, num texto de Rui Semblano, sob o título Praxes.
Entretanto, muito mais intervenções foram surgindo.
Hoje li um conto, o que faço praticamente todos os dias, no local que à frente vos irei apontar, cujo tema remetia para a questão que hoje aqui me traz.
Em Abram os Olhos, sob o título Os Idiotas, Hugo fala-nos de M. e dos momentos do seu primeiro encontro com esta personagem. A sua leitura é indispensável para a compreensão do porquê desta minha abordagem, mas não resisto à transcrição deste pequeno excerto de Os Idiotas
(...)
"Gostaria de encontrar M. e, desta vez, descobri-lo com as mãos à vista e os ombros preenchendo o tamanho do casaco. Perguntar-lhe-ia o que ganhou em desfilar, durante todo dia, atado a outros estudantes. Ou o que lhe valeu ser obrigado a gozar com os alunos que não tinham – como ele – entrado no ensino público. Se não me respondesse, eu chegar-me-ia à frente. É que, anos depois, a estupidez e a inutilidade parecem-me imutáveis. Esse é um problema de algumas tradições, prolongam-se por demasiado tempo, opõem-se ao progresso, existem apenas por existirem, mesmo que não nos levem a lado algum."
Saudando simpatias e reciprocidades, nomeadamente as mais recentes, de Fernando Viegas, no Almariado, de Paulo César, na Aba de Heisenberg, de Francisco Viegas, em Aviz e ainda, de Madrid, com os olhos repletos de Picasso, Goya, Saura, Tàpies e Manet, a Sara Xavier, de Linha de Cabotagem.
A cada um de todos os outros que regularmente me visitam ou que por aqui passarão alguma vez, um pequeno excerto de Ibn 'Ammâr, de Silves:
Isto é uma coisa inusitada.
Regresso em alta velocidade e banda larga, rato e teclado sem fios, com bytes disto, megas daquilo e gigas de não sei que mais, que até tenho medo de me estampar antes de iniciar a corrida.
Eu sei que sentiram muito a minha intermitência e depois a minha ausência, porque o site meter vai contando as entradas :-), mas o meu novo computador só chegou na Sexta-feira e até hoje houve que personalizar, restaurar o indispensável, adaptar às velhas referências e gostos do patrão e deixar passar a meia-noite, para se permitir um ar actualizado, com a data de Segunda-feira.
Com toda esta aceleração também deveria aparecer com novas ideias, outras capacidades, mas dessas coisas não consegui encontrar no mercado. Apesar do vosso desespero por tão longa ausência, terão que se contentar com o habitual.
Saúdo, com imenso atraso (à velocidade dos blogs), a simpatia de José Carlos Barros, em Um pouco mais de Sul, que me dedicou um belo poema: Tudo nos pertence.
Tudo nos pertence, meu amigo, quando o olhar sabe regressar às marcas que o tempo deixou.
Um abraço.
Amanhã será dia de novo poema, pois o último irá sair da página.
Não sou católico, nem tão pouco religioso. Com dificuldade ser-me-ia possível entender a persistência, a quase teimosia, do Papa em ocupar um lugar de tamanha exigência, não tanto pela idade, mas antes pelo seu aspecto dolorosamente débil. Com maior dificuldade conseguiria comprender que esta permanência derivasse de um desígnio divino. Não consigo mesmo ultrapassar a minha dificuldade em entender a situação, mas fiquei extremamente sensibilizado com a imagem a que Francisco Viegas, em "OS PORTUGUESES ACHAM QUE", "colou" a imagem deste velho senhor, alertando a consciência da sociedade em que vivemos.
Francisco Viegas desculpar-me-á a transcrição de um parágrafo do seu texto:
" Há, naquela figura doente, gasta, frágil, a marca de uma humanidade difícil, o gesto desse derradeiro esforço em sobreviver. Não é agradável, essa imagem - é o retrato daqueles que escondemos longe da vista, em lares, hospitais, na sombra, na escuridão. O Papa deu-lhes um rosto, o seu. E lembrou o rosto de todos os outros, que estão na escuridão. "
Ainda em intermitência por mais uns dias, vou tendo acesso, de vez em quando, ao mundo dos blogs (ninguém sossega com uma "coceira" destas).
Assisto à liquidação de A Formiga de Langton, um dos meus blogs de leitura diária, cujo eventual desaparecimento havia já comentado e que num dos seus últimos posts tinha procedido a uma generosa lista de prémios que incluía o Local e Blogal com o prémio da Melhor indignação, atribuído a uma minha entrada de 27 de Setembro, sob o título A pseudo-científica astrologia paga com o dinheiro dos contribuintes.
Lastimo ainda o desaparecimento de Amostra de Arquitectura, outro dos meus blogs de referência, que também tinha "premiado" o Local e Blogal, ao citar um dos meus escritos, sob o título Fruir a Cidade.
A perda destes dois blogs limita-me os horizontes habituais e fico sinceramente sentido com o seu desaparecimento.
Há um novo "môce" de Silves nos blogs, que hoje post(ou) em O cão do Guedes a propósito de "Às segundas ao sol", um filme de Fernando Léon de Aranoa. Refere um diálogo entre dois russos, depois da queda do Muro de Berlim, relatado por uma das personagens do filme (um desempregado do norte de Espanha, de nacionalidade russa):
- Sabes o que me entristece, é saber que tudo aquilo que eles falavam sobre o comunismo era mentira.
- A mim, sabes o que me entristece mais, é saber que tudo aquilo que eles falavam do capitalismo é verdade.
Não vi o filme, desconheço-lhe o contexto e o que vou dizer não tem nada a ver com o "môce" que escreve n'
Há um indistinto ELES que permite diversas leituras, mas mesmo que não houvesse, haveria sempre leituras diversas; nós lemos com a nossa cabeça e não com os nossos olhos e, felizmente, cada um de nós tem uma cabeça que é só dele.
As anedotas de coloração política, de que não gosto, fazem sempre lembrar-me as piadas "políticas" das Revistas ao tempo do Salazar, que ainda hoje se utilizam nesses circuitos do entretenimento, mormente nas estações de rádio e de televisão, por vezes ainda com alguns dos velhos actores ou dos seus herdeiros. O seu efeito social, embora de elevada repercussão, é praticamente nulo, embora tenha permitido a muitos desses actores e autores se arrogarem, depois, como grandes lutadores pela liberdade (se bem que alguns tenham sofrido na pele pelas suas tomadas de posição políticas).
Se a crítica era dirigida à sovinice salazarista, o público ria, é verdade, mas lá no fundo acreditava nos valores da poupança, da contenção, da defesa do produto nacional, tão vendidos pela propaganda do tempo e que se escutam ainda hoje, amiúde, mesmo por gerações posteriores ao tempo da ditadura.
Se a piada era dirigida às perseguições, às prisões políticas, o público ria, muitas vezes sem entender o arrojo da denúncia, porque lá no fundo, o Salazar era o pai, o dirigente diligente e sacrificado capaz de "...uns açoites dados a tempo...", concepção que ainda hoje ouvimos com demasiada frequência.
Mesmo o arrojo e denúncia de muitos dos actores e autores contava já com este efeito de travagem provocado pelo "senso comum", exactamente porque cada um tem a sua cabeça, diferente, mas há muitas cabeças mais iguais do que as outras.
Sem contexto, sem vivências, a informação, só por si, não produz conhecimento actuante, ou estaríamos bem "fritos" com tudo o que por aí se promove em jornais, rádios e televisões.
Em primeiro lugar quero saudar o regresso do Aviz. A sua ausência empobreceu a blogoesfera.
Em segundo lugar quero dizer-vos que sinto o coração nas mãos só de pensar que A Formiga de Langton nos pode vir a abandonar; entrou em contagem decrescente. Não há por aí uma tecla Escape?
Em terceiro lugar quero falar-vos de alguma momentânea intermitência. A minha velha máquina, companheira de muitas horas de trabalho, de estudo e de lazer "pifou". Até que me decida por uma nova e a ponha a funcionar adequadamente, recuperando as velhas referências, irei visitando, um pouco ao sabor das disponibilidades, este novo mundo a que me habituei, blogando quando tiver tempo e oportunidade.
Até breve, espero.
QUEM EXCEDERÁ tua bondade
Ao dares-me aquilo que te não pedi,
Um colar de pérolas para a minha vaidade.
Como hei-de expressar gratidão por ti?
Por este dom eu fico orgulhosa
E sou, entre todas, a mais leda.
Ó esplêndida alma generosa
Torrente de rio e frágil fio de seda.
" The undersigned persons wish to express their concern about the financing of astrologers by the Portuguese State, and ask for the correction of this anomalous situation as soon as possible. The most serious and visible case is the one of astrologer Cristina Candeias, to whom the State pays a monthly sum, probably well above the minimum wage, for her participation in the daily show "Praça da Alegria" on Channel One of the RTP (Portuguese Television). We suspect that there are similar cases on other public service media. The company "SAPO" uses an astrologer. It is unclear whether this service is paid with public or with private funds, since the company is related to Portugal Telecom. It would be important to identify and cease payments to all individuals exhibiting these pseudo-scientific activities on state-sponsored media.
Our main arguments are these:
1. Incompatibility with budget strictness - Recent measures to control public spending have included budget cuts on investigation and on teaching. One consequence of this has been a reduction of scholarships from the "Fundação para a Ciência e Tecnologia (Science and Technology Foundation)", thus creating unemployment and uncertainties in an area involving highly-qualified people, an extremely sensitive and critical part of the country's development that demands a continuous effort, so that Portugal will reach a "critical mass" of investigators in several areas of science and technology. It's nonsense that this same State should be funding pseudo-scientific activities like astrology, that are not recognized by the State itself.
2. Pedagogic immorality - Mrs. Cristina Candeias alone has more weekly coverage via public television, than all the country's scientists and all educational and investigative institutions. This is even more immoral when the State finances, on a live, highly visible public TV service, actions which deny and distort all the concepts being taught to thousands of students in public schooling.
Our request demands no modification to Portuguese legislation, only that it be strictly applied, as is its due in a democratic state. "
Portugal sua semente
Sevilha sua altivez
sua alma, mesquita d'amor
seu sangue, pomba d'aurora.
Mu'tamid canta em Silves
entre harpas de loureiros
e canções de oliveiras.
(...)
Passado algum tempo, do tubo final da serpentina, que despontava ao fundo da parede do pilão, sobre uma vasilha de plástico, começava a sair um líquido morno, meio turvo.
Partiu um pauzinho pequenino e com ele revolveu um pouco daquela "frouxa" que havia recolhido num cálice de vidro.
- Está a ver? Ainda não faz bolhas. Quando fizer bolhas, que se fiquem durante algum tempo, então já é medronho. 'Tá a ver este ferro aqui, ao pé da chaminé? É o registo. Puxo ou empurro um bocadinho para que a saída do medronho seja sempre a mesma. É que o correr do medronho tem a ver com a temperatura do forno e não se pode deixar afogar. Isto é como uma criatura viva. Se lhe tapo o ar, o fogo morre afogado.
E, como se falasse de um filho doente, carenciado de cuidados, continuava:
- Quando 'tou no fabrico não saio daqui. Só p'ra ir buscar uma "bucha" ou fazer qualquer coisa assim rápido. Tenho que estar sempre a vigiar.
Tomou na mão o que me pareceu um tubo, rolhado. Era de cana e continha um instrumento que mais parecia um termómetro. Mergulhou o tubo no líquido, que da serpentina corria lenta e regularmente para a vasilha, encheu-o e nele colocou o tal "termómetro".
Era um densímetro, um "pesa espíritos", que mergulha mais ou menos conforme a densidade do líquido e cuja escala indica a graduação alcoólica do medronho.
Um calorzinho saboroso espalhou-se-me pelo estômago, um delicado sabor adocicado, a medronho, chegou-me ao paladar e, ao respirar, um cheiro inebriante atravessou-me o nariz. Era a água-ardente de medronho, de sabor que há muito não experimentava e que já raramente reconheço nos restaurantes ou nos cafés quando o bebo no convívio entre amigos.
- É que agora há pr'aí muita falcatrua! Até já se fabrica medronho sem medronho - brincou, jocoso - devia haver uma protecção ao fabricante e até uma fiscalização, para reabilitar o nome desta bebida. Olhe que eu já fui premiado numa feira de artesanato. Até tenho uma fotografia com aquela senhora que organiza a feira. Não a conhece?