quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Para aqui estamos

  • De ombro na ombreira

    De ombro na ombreira vejo
    no outro lado outro
    ombro na ombreira

    Entre ombros nas ombreiras
    nenhum assombro:
    ombros ombro a ombro
    param ombro na ombreira

    Quando tudo escombro
    ainda todos seremos
    ombro na ombreira.

Alexandre O'Neill
De Ombro na Ombreira
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1969

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Mudar, só para melhor

Pretende o Senhor Ministro da Cultura transferir o Museu Nacional de Arqueologia (MNA) para o edifício da Cordoaria Nacional, o que mereceu um activo repúdio do GAMNA (Grupo de Amigos do Museu Nacional de Arqueologia).


Nos termos de um acordo celebrado entre o Ministério da Cultura (MC) e o Ministério da Defesa (MD), "(...) o MNA é aqui equiparado a serviços residuais do antigo Instituto Português de Arqueologia, entretanto extinto, ou a armazéns de alguns dos serviços do próprio MC, susceptíveis de serem transferidos com rapidez para possibilitar a edificação do novo Museu Nacional dos Coches. Ora o MNA é um dos mais importantes museus portugueses, com vastas, pesadas e delicadas colecções que albergam um número significativo de tesouros nacionais. E, ao contrário de outros museus (entre eles o Museu dos Coches) as suas colecções continuam a crescer e nunca puderam ser senão muito parcialmente expostas. Acresce que, sendo cada vez mais visitado por todas as tipologias de públicos, ele continua a cumprir funções didácticas incontornáveis, ao serviço da formação de alunos de todos os graus de ensino. Simultaneamente, continua a ser também um dos mais importantes centros de estudos arqueológicos em Portugal, aberto a professores e investigadores portugueses e estrangeiros que ali dispõem de gabinetes de trabalho, de biblioteca especializada e de laboratórios de conservação e restauro."

O GAMNA apela à atenção de todos para o desenvolvimento desta problemática nos próximos dias e semanas, na defesa dos superiores interesses do Património e da Cultura nacionais.

Eu faço-me eco deste apelo junto dos que aqui me visitam.


P.S.
Reflexo desta nota:
- no Público de 19 de Fevereiro (clique)
- no Público de 27 de Fevereiro (clique)

terça-feira, fevereiro 17, 2009

CELAS homenageou Adalberto Alves

Adalberto Alves, Homenagem do CELAS, Silves, Fevereiro 2009
CELAS (Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves) homenageou Adalberto Alves (na foto), na sequência da atribuição, pela UNESCO, do Prémio Sharjah 2008.
Fizeram-se representar oficialmente a UNESCO, o Governo Civil, a Delegação Regional do Ministério da Cultura e a Assembleia Municipal de Silves.

De entre as publicações que se apresentavam á venda, de obras do homenageado, adquiri um livro de poesia, bilingue (português e farsi), que além dos poemas de Adalberto, inspirados numa sua visita ao Irão, e das suas traduções de poetas persas, é também uma obra artística, tanto pela estética do grafismo e enquadramento de cada página, como pelas gravuras e aguarelas que contém.

Deixo-vos um poema do homenageado, perante a visão do Lago Salgado de Maharlu.


  • chorou a desolação todo este sal
    com canto mais triste que o da rola.
    também tem nostalgia a natureza.
    homem que passas: pára e contempla,
    ouve a dor das águas mortas.
    a Terra-Mãe sofre por nós
    e suplica amor às criaturas.

Adalberto Alves
Irão - Viagem ao País das Rosas
Ésquilo, edições e multimédia, Lisboa 2007

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Os livros que mudaram o seu mundo

António Guerreiro, meu estimado amigo, foi o convidado da Biblioteca Municipal de Silves no âmbito do ciclo Livros que mudaram o meu mundo.

António Guerreiro e os Livros que mudaram o seu mundo, na Biblioteca MuncipalFoi um serão muito agradável o que nos foi proporcionado, com o António a dissertar sobre as ideias que os livros lhe sugeriram e a suscitar variadas intervenções da parte de quem assistia. Fê-lo de uma forma viva e envolvente, servindo-se da utilização de meios distintos da simples comunicação verbal, como a audição de música e o visionamento de vídeos, bem como a leitura de excertos previamente sugeridos, que deveriam ser entregues a quem os responsáveis da Biblioteca entendessem.
Quando soube pelo Paulo Pires, técnico e incansável animador da Biblioteca (à esquerda de António na fotografia acima), dessa sugestão de leituras, prontifiquei-me a surpreendê-lo e escolhi algumas a partir de um elaborado plano que o António tinha preparado; fi-lo com a alegria e o prazer que se tem ao servir um amigo.

Obrigado pela partilha das tuas ideias e emoções.
Aqui fica o meu abraço.

domingo, fevereiro 08, 2009

Em memória...

Valter RibeiroValter Ribeiro nos bastidores de um sarau de
música e poesia, recriando a corte de Al-Mu'tamid

Sempre conheci o Valter como que inebriado de vida e de música, sempre com a sua flauta ao alcance da mão, sempre na ávida procura da intensidade de viver; viveu-a tão intensamente que acabou por fenecer.

Resta-nos a sua memória.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Arqueologia das palavras (II)

A minha "escavação" obriga-me a contar o resto da história.
Eu não tenho o 2º livro de Nuno Júdice, publicado em Novembro de 1972, sob coordenação de Gastão Cruz e Casimiro de Brito (outros dois grandes poetas da nossa contemporaneidade), com o título de O Pavão Sonoro.
Mas tenho o seu terceiro livro - Crítica Doméstica dos Paralelepípedos - autografado como o primeiro.


Na contracapa, Eduardo Prado Coelho deixou escrito: "Nenhuma vocação poética surgiu com tanta força e nitidez, evidência e soberania, depois de Poesia - 61 e de Herberto Helder".

  • A VISTA

    A quem é dado, pela janela entreaberta,
    ver mais de metade da vida, e em voz alta por puro gosto
    repetir o poema pensado,
    já os deuses escolheram.
    Mas se as folhas agitadas pelo vento ocultam,
    por vezes,
    o outro lado do muro, não é porque algo nos impede de olhar;
    mas porque o olhar,
    sob o impulso do vento,
    segue as correntes contraditórias até algures,
    na atmosfera,
    onde imobilizado perscruta e espera.

Nuno Júdice
Crítica Doméstica dos Paralelepípedos
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1973

P.S.
Se quiser saber mais sobre o movimento literário Poesia 61, que Eduardo Prado Coelho refere, siga este link neste mesmo blog.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Arqueologia das palavras

Ao remexer em velhas coisas, por um particular motivo que aqui não vem ao caso, vim a encontrar um velho livro de poemas que eu sabia ter guardado algures. O curioso é que tal aconteceu na sequência da vinda de Nuno Júdice a Silves para apresentar o seu último livro e acabo por dar de caras, em minha casa, com o seu primeiro livro.

Um espanto!

De um seu texto poético, um pouco longo para apresentar neste veículo de leituras apressadas, retirei um excerto, precisamente o mesmo que o autor ou o seu editor também escolheu para usar na contracapa.

  • A procura de evidência

    (.../...)

    Dediquei-me um dia a cuidar das aves doentes. Prendiam-se aos juncos, na lagoa, e a maré cheia apanhava-as indefesas. Arranjei-lhes gaiolas. Quando ficavam curadas, e batiam as asas em ânsias de atmosfera, eu cegava-as com espinhas de peixe. Deixavam de comer, depois. Morriam. Eu fazia almofadas com as penas.

    N. perguntou-me um dia se eu seria capaz de remorso. Não lhe respondi.

Nuno Júdice
A Noção de Poema
Publicações D. Quixote, Lisboa 1972