quinta-feira, outubro 31, 2013

Está em cena a Feira de Todos os Santos




O texto que vos trago foi escrito neste mesmo blogue em 2 de Novembro de 2006, pela Feira de Todos os Santos.



  • Fui ao ensaio, antes da estreia.

    Escondi-me nos bastidores.

    Dizem que já nada é como era, mas eu, com os olhos de quem está por detrás, embora dentro do palco, entendo que esse é o olhar de quem assiste à cena e não faz parte dela. 


    Por dentro, tudo se mantém, igual, como o próprio Homem, com os seus anseios e as suas misérias.




    Avistei a cenografia do Carrossel 8 e pude apreciar, apesar dos motivos pintados de novo, a sugerir um novo gosto, mais ao gosto dos novos clientes, a forma como o maquinista interpreta o seu trabalho, como conhece cada uma das porcas que apertam aquele carril, como sabe da sequência da montagem do camelo ao lado da girafa, que fica por trás do leão que, cobiçoso, observa a gazela. 

    Como sabe da data em que pela primeira vez o carrossel se apresentou em cena, na Feira de Famalicão, como fazia a volta a Portugal, de Norte e Sul, e como se ficou, a rolar no mesmo lugar, até que o recuperaram, para esta nova peça, quando fechou a Feira Popular em Lisboa.

    Tudo isto de improviso, sem recurso a texto, porque tudo flui como um dia após o outro, porque não há dramatização quando o drama é a própria vida, porque não há enredo enquanto a vida se vive.

    Senti essa verdade quando o Mário Martins, o contra-regra, me falou na cena da Esfera da Morte em bicicleta a pedal.


















    O Mário é filho do Zé Martins, esse herói do combate à força centrífuga, negando a toda a hora uma queda na vertical.

    O Mário ainda vive em cena, como um velho ator, que só abandonará o palco quando o abandonar de vez, definitivamente.


    Saímos dos bastidores e evocámos a saudade nuns copos de cerveja, olhando as farturas, as amêndoas, as castanhas, as bolotas, os peros, em fim de tarde, com o sol a baixar, já numa luz coada, marcando o seu tom outonal sobre os alhos e as cebolas, nesta Feira de Todos-os-Santos do ano de 2006.





    P.S. 
    Esta conversa com o Zé Martins, cujo pai viveu em Alcantarilha, onde tinha oficina para bicicletas e era para a rapaziada da minha idade um autêntico herói na Esfera da Morte, onde pedalava em todos os sentidos e direções, de cabeça para baixo, para cima ou de lado, sugeriu-me este texto, porque pude inteirar-me de perto das dificuldades do dia a dia, montando e desmontando o espetáculo de feira em feira, em precárias condições de vida. 
    Mais ainda pelo sorriso que revelava nos olhos quando me descrevia as suas pequenas histórias do mundo dos feirantes.
    E ainda por me aperceber de quanto deste esforço resulta no deslumbramento e na alegria da criançada, de quando eu próprio fui menino, e hoje ainda vislumbro nos olhos dos meus filhos e dos meus netos.


segunda-feira, outubro 28, 2013

Há uma Silves bucólica na margem esquerda do Arade






Basta passar a Ponte Velha para o outro lado do rio e a cidade fica à distância de alguns passos.

A imagem acima foi batida a cerca de cem metros da ponte, junto de um espaço que é pertença dos proprietários do Restaurante Ponte Romana.





Logo à saída da ponte, sobre a esquerda, há esta estrada de terra batida que acompanha o curso do rio... 









... e o segue de perto, por entre o arvoredo e o canavial.










Há uma antiga quinta, de longos muros caiados de branco, com um velho lagar desativado, e residência dos proprietários com balaústres sobre as varandas.






Há o cantar da passarada, o ladrar de cães, saltos e mergulhos de tainhas no rio, agitação na água pelos patos que escondem os ovos ou a ninhada entre a vegetação, ligeiros zumbidos de abelha ou moscardo, sem que haja verdadeira perturbação do silêncio.



Na fruição do que a vista contempla é fácil deixar de ouvir os carros na ponte ou na avenida, do outro lado, do lado citadino do rio.



Por aqui passeio a minha melancolia e o meu Doggy, quase todos os dias, e é como que uma cura de tranquilidade.



Nem preciso de pensar. Esvazio-me devagar.




quinta-feira, outubro 24, 2013

Memórias do blogue (VII)




Passaram 10 anos, em Agosto, sobre um grande incêndio florestal que devastou a Serra de Silves.

Nesse mesmo ano de 2003, em Setembro, voltei à serra.

Esta fotografia e este texto datam desse tempo e dizem da desolação que senti nesse meu passeio.

Serra de Silves, SET2003, © António Baeta Oliveira


São caminhos que conduzem a nenhures; mesmo a esperança parece não viver mais nos olhos dos mais velhos.

Os mais novos, esses, há muito que se renderam à cidade.

Que a política de reflorestação não se fique por uma política de subsídios. A calamidade já havia começado antes do fogo.



segunda-feira, outubro 21, 2013

Património silvense (VIII)



As Casas Grandes




As "Casas Grandes", é como se identifica localmente este palácio, situado na margem direita do rio Arade, em posição frontal à Ponte Medieval.

De estilo neo-clássico, fachada de composição em simetria, a iniciativa da sua construção deve-se a Gregório Nunes Duarte Machado, capitão-mor de Silves, que prestou relevantes serviços na luta contra a primeira invasão napoleónica, ao tempo de Junot, sob o comando do nosso aliado britânico, o General Beresford.




Sobre a grande janela, que se situa sobre a porta principal, a data de 1811 e o brasão dos Machado Guerreiro.




Atualmente desabitado no 1º andar, é também conhecido como o palácio do Dr. Cardoso, último residente, conhecido advogado, com escritório no salão a que pertence a grande janela central, falecido durante o terceiro quartel do século XX.



sábado, outubro 19, 2013

N' A tertúlia mais PEQUENA do mundo



Na passada quinta-feira, à noite, numa tertúlia que decorreu no Quiosque Al-Mu'tamid, sob a iniciativa da Biblioteca Municipal de Silves, tive a oportunidade de dar voz a este meu poema, já aqui antes publicado neste blogue, em 10 de Outubro de 2007.



Algar Seco, Carvoeiro, Outubro 2007, © António Baeta Oliveira
Foto de minha autoria, batida no Algar Seco, em Carvoeiro.

  • Dissimulação

    Os que parecem pescar, debruçados
    nestas falésias sobre o mar, dissimulam
    o apelo irresistível do

    s i l ê n c i o

    e a vertigem dos grandes

    e s p a ç o s

    na busca da parcela, que lhes cabe,
    do todo do

    i n f i n i t o.

António Baeta Oliveira


quinta-feira, outubro 17, 2013

Sombras





















A sombra desta chaminé nem sempre ocorre a esta hora e neste lugar, nesta parede.

É uma sombra projetada pelo sol, que na sua inconstância regular está sempre a fazê-la mudar de posição e de parede.

A porta ao lado também é uma sombra; uma sombra do seu passado. 

Dali não se desloca. 

Mas se a mudarmos ou alterarmos, deixará de existir como tal.

As sombras são assim. Não resistem às mudanças.

Nós também temos que mudar, sob pena de nos tornarmos sombras de nós mesmos.



segunda-feira, outubro 14, 2013

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (VIII)




Painel com a introdução da "Evocação de Silves", de Al-Mu'tamid, à entrada da porta do meu pátio.


O último episódio deixou-nos com Abu Bakr Ibn 'Ammar a entrar em Silves  "com pompa verdadeiramente real".

Deve ter sido no momento em que Ibn 'Ammar se deslocou a Sevilha, junto do rei Al-Mu'tamid, para tomar posse do seu cargo como governador do Gharb, em Silves, que o rei o terá feito portador de um poema, em que recorda os tempos em que aqui viveu, e que passo a transcrever.


EVOCAÇÃO DE SILVES


               saúda por mim, Abu Bakr,
               os queridos lugares de Silves
               e diz-me se deles a saudade
               é tão grande quanto a minha.

               saúda o Palácio dos Balcões,
               da parte de quem nunca o esqueceu,
               morada de leões e de gazelas
               salas e sombras onde eu
               doce refúgio encontrava
               entre ancas opulentas
               e tão estreitas cinturas.

               moças níveas e morenas
               atravessavam-me a alma
               como brancas espadas
               como lanças escuras.

               ai quantas noites fiquei,
               lá no remanso do rio,
               preso nos jogos do amor
               com a da pulseira curva,
               igual aos meandros da água,
               enquanto o tempo passava...

               ela me servia de vinho:
               o vinho do seu olhar,
               às vezes o do seu copo,
               e outras vezes o da boca.

               tangia-me o alaúde
               e eis que eu estremecia
               como se estivesse ouvindo
               tendões de colos cortados.

               mas se retirava as vestes
               grácil detalhe mostrando,
               era ramo de salgueiro
               que me abria o seu botão
               para ostentar a flor.

Al-Mu'tamid
in "O meu coração é árabe"
Adalberto Alves
Assírio & Alvim



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Garcia DominguesHistória Luso-Árabe, edição do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, 2010
António Borges CoelhoPortugal na Espanha Árabe, vol. 2 - Editorial Caminho
Adalberto Alves, O meu Coração é Árabe, Assírio & Alvim

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Se estiver interessado na leitura dos episódios anteriores, siga os links abaixo:



Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (I)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (II)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (III)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (IV)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (V)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (VI)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (VII)





quinta-feira, outubro 10, 2013

Gosto de ti.






               Gosto de te ver assim à luz ténue do fim de tarde, quando esse raio de sol te ilumina e  em ti se definem a luz, a penumbra e a sombra.
 
               Gosto de olhar as tuas pedras e perceber que as há das mais antigas às mais modernas.
 
               Gosto de saber que aí estás há séculos e que já por ti passaram as gentes mais remotas e mais estranhas.
 
               Gosto de pensar que serias capaz de recordar os que por aqui passam frequentemente e que depois se vão sem mais voltar.
 
               Gosto da forma como resistes ao tempo, apesar das alterações para te adaptar às circunstâncias
 
               Gosto de por aqui passar desde o primeiro dia em que o fiz, ao colo da minha mãe, a caminho da Sé, para me batizar.
 
               Gosto de recordar o tempo em que passava por ti todos os dias a caminho do Colégio do Padre Oliveira e ao domingo para ir à missa.
 
               Gosto de passear para cima, para baixo e subir ou descer, saindo ou entrando pela direita ou pela esquerda.
 
               Gosto de esclarecer que a tua arquitetura se deve aos alarifes almoadas, esses mesmos que construíram a Giralda de Sevilha e a Cotubia de Marraquexe.
 
               Gosto de caminhar por dentro de ti com o meu Doggy.
 
               Gosto de ti.
              
 
 
 
 
 

segunda-feira, outubro 07, 2013

Património silvense (VII)




Antiga sede do Sindicato de Classe dos Corticeiros.


Este edifício, situado no início da Rua da Sé, ao desembocar da Porta da Almedina, foi construído de raiz com a finalidade de servir de sede ao Sindicato de Classe dos Corticeiros, de influência anarco-sindicalista.
 
A sua construção fez-se a expensas do próprio sindicato, o que ilustra bem do poder da classe dos corticeiros no contexto dessa época industrial.
 
Cumpriu a sua missão até 1933, ano em que o governo de Salazar dissolveu todos os sindicatos de classe e criou os sindicatos nacionais.
 
Além da atividade sindical, os seus dirigentes dedicavam extrema atenção a atividades de instrução, recreio e cultura, com classes para aprendizagem da leitura e da escrita, música e teatro. Possuía uma biblioteca.
 
Foi depois prédio de habitação e, atualmente, património municipal, alberga vários serviços camarários.
 
 Hoje só os mais velhos se recordam desse tempo.
 
Que esta referência possa, de alguma forma, manter a sua memória por algum tempo mais.

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Edições anteriores:

Património silvense (I)  - Claustro interior nos Paços do Concelho

Património silvense (II) - Igreja da Misericórdia

Património silvense (III) - Arte Nova em Silves

Património silvense (IV) - O Palácio Grade

Património silvense (V) - Cruz de Portugal

Património silvense (VI) - Sé Catedral de Silves











quinta-feira, outubro 03, 2013

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (VII)





Praça de Al-Mu'tamid, em Silves

Na sequência da conquista de Santa Maria (atual Faro), com tropas comandadas por Ibn 'Ammar, Al- Mu'tadid nomeia seu filho, Al-Mu'tamid, como governador do Gharb, com capital em Silves.

Al-Mu'tamid reforça a confiança de seu pai ao partir, nesse mesmo ano de 1052, à conquista de Ronda, Móron e Jerez, deixando durante esse período o seu amigo Ibn 'Ammar como administrador do Gharb.

É no regresso a Silves e ao governo da região, que estes dois amigos dão início a uma vida principesca de aventura e de prazer, de grandes saraus poéticos, vividos no célebre palácio Xarajib, que fazem de Silves o "berço da lírica arábico-andaluza", no dizer do Dr. Garcia Domingues.

É de Al-Mu'tamid este poema, bem ilustrativo dessa maneira de viver:


               solta  a alegria! que fique desatada!
               esquece a ânsia que rói o coração.
               tanta doença foi assim curada!
               a vida é uma presa, vai-te a ela!
               pois é bem curta a sua duração.

               e mesmo que a tua vida acaso fosse
               de mil anos plenos já composta
               mal se poderia dizer que fora longa.
               seres triste sempre não seja  a tua aposta
               pois o alaúde e fresco vinho
               te aguardam na beira do caminho.

               os cuidados não serão de ti os donos
               se a taça for espada brilhante em tua mão
               da sabedoria só colherás a turbação
               cravada no mais fundo do teu ser:
               é que, de entre todos, o mais sábio
               é aquele que não cuida de saber.

in, O meu coração é árabe, Adalberto Alves, Assírio & Alvim


Em 1069 morre Al-Mu'tadid e Al-Mu'tamid, governador do Gharb, ascende ao trono do reino de Sevilha, deixando no governo do Gharb, em Silves, o seu grande amigo Ibn 'Ammar, que se conta ter entrado na cidade "com pompa verdadeiramente real".



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Garcia Domingues, História Luso-Árabe, edição do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, 2010
António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, vol. 2 - Editorial Caminho
Adalberto Alves, O meu Coração é Árabe, Assírio & Alvim

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Se estiver interessado na leitura dos episódios anteriores, siga os links abaixo:

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (I)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (II)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (III)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (IV)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (V)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (VI)