quinta-feira, julho 30, 2009

Ainda aqui este lugar


Capa de ainda aqui este lugar


  • só acredito nestes amanheceres
    prateados em que me diluis
    com tua boca
    e uma voz escorre morna ao acordar
    são ficções de pólen
    que se soltam
    por entre as pedras frias
    dos chãos dos dias

Pedro Afonso
ainda aqui este lugar
4 Águas Editora, Tavira 2008

terça-feira, julho 28, 2009

Falemos


CAPA de Doze poemas de saudade

  • FALEMOS

    Falemos então de todas essas coisas a que nunca soubemos dar
    um nome.
    Coisas como café e cerejas,
    coisas como memórias do verão de ontem
    e de tudo o que repousa já no ónix frio dos dias.
    Falemos não porque as vejamos,
    mas porque as sentimos à vaga luz dos crepúsculos que morrem
    e são para nós as florestas que passam velozes nos vidros do
    carro
    e os silêncios dos faunos que atravessam os bosques e as
    ilusões
    e as pequenas ondas que vêm desmaiar à praia
    e as vozes antigas que ainda nos falam na alma coisas
    despercebidas
    e as luas que havia no final do verão.
    Falemos, para que de novo sejam
    e de novo vivam.

    Falemos, para que estejamos vivos.

Fernando Cabrita
Doze Poemas de Saudade
4 Águas Editora, Tavira 2008

quinta-feira, julho 23, 2009

Rumores poéticos do al-Andalus


Cacela, entre a Fortaleza e a Igreja, © António Baeta Oliveira

Foto de António Baeta

Será precisamente neste lugar, entre a Fortaleza e a Igreja, que estarei no próximo dia 26, a partir das 19 horas, a convite do Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela, da Câmara de Vila Real de Santo António, para uma sessão de um ciclo de "conversas ao cair da tarde, aos domingos, com o areal da península a enquadrar os azuis da paisagem da Ria Formosa", como refere o email de divulgação.
Também aqui (clique) poderá aceder ao cartaz que publicita o evento.

Rumores poéticos do al-Andalus, foi o título que sugeri à organização e é sobre esses rumores que me debruçarei nesta localidade onde nasceu Ibn Darraj, o poeta que aqui foi homenageado em Abril passado.

terça-feira, julho 21, 2009

'Tá-se bem!


Odeceixe, Aljezur, Portugal

Dois registos deste último fim-de-semana, em Odeceixe:
            a imagem do sítio na hora da chegada e a doce tranquilidade da voz e interpretação de Madeleine Peyroux.

'Tá-se!



quinta-feira, julho 16, 2009

A força das utopias


Sei que é Verão, que está calor, que os temas de reflexão se tornam fastidiosos, mas a mente não pára na sua tentativa de entendimento do que usamos chamar realidade mesmo quando de tal não nos damos conta.

Quero falar-vos de Rui Bebiano que, mesmo que ele não o saiba, tem sido um instrumento de confirmação de algumas das minhas reflexões críticas sobre a sociedade, quando não mesmo de guia de alguns caminhos que eu desconhecia ou a que teria, eventualmente, passado ao lado sem reconhecimento do percurso.
Acompanho-o desde os tempos da revista electrónica NON, de apontamentos em revistas e jornais e dos seus blogues individuais ou partilhados, há cerca de uma década.

Rui Bebiano, por ele próprio, é (...) historiador, professor de história contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais. (...). Trabalha actualmente em temas de história cultural e política desde os anos cinquenta à actualidade, em particular no campo das construções utópicas, das práticas de exclusão e das representações contemporâneas do passado. (...)

Acompanhei no seu blogue - A Terceira Noite - os materiais que aí divulgou e que agora constituem esta sua última publicação:

Capa de Outubro, de Rui Bebiano

Outubro

... que aconselho a todos os que no geral se interessam pelos temas da História Contemporânea e, em particular, aos que alguma vez simpatizaram ou ainda nutrem essa simpatia pelas correntes ideológicas que conduziram à Revolução de Outubro de 1917 ou à crítica da sua evolução e do seu fracasso.

Deixo-vos ainda com uma entrevista ao autor de "Outubro", para um melhor esclarecimento sobre esta sua publicação - Entrevista a Rui Bebiano (basta clicar).

terça-feira, julho 14, 2009

Os animais da cabeça


Já por várias vezes nos cruzámos, em locais onde um apelo semelhante nos juntou ou por via de amigos que nos são comuns. A poesia de Rui Dias Simão é feita dos desmaiados contornos dos sonhos, onde tudo se cruza no desalinho das nossas inquietações, onde é preciso recordar para questionar, rememorar para entender, contar para exorcizar.


  • Na irreversível clarabóia dos teus passos
    uma passagem de rugas
    uma leve língua de fogo desmaiada
    pelo diuturno vento do mar de fora...

    Levanta-te, levanta-te mais e penetra o céu
    não vaciles para as alforrecas sombreadas
    pelo curtume da melania das noites

    A água a espuma imensa da água
    tudo tinge
    tinge o corpo e a alma
    a alma ainda moribunda da vida embaciada

    Não pernoites a imedicável paranóia
    do remoinho da rotina suja
    sossega a viagem
    é quase meio-dia dentro de ti

    A lua: a lua logo se vê

Rui Dias Simão
Os animais da cabeça
4 Águas Editora, Tavira 2008

quarta-feira, julho 08, 2009

Sexto aniversário


Este blog acaba de cumprir seis anos.

Aos que continuam a honrar-me com a sua visita, ofereço um poema de um autor silvense, Ibn Al-Milh, (que ainda não constava na minha pequena antologia ao fundo da página) falecido em 1107, e que nunca trocou esta cidade pela corte de Al-Mu'tamid, em Sevilha.

Qalbiy 'arabiyy - O meu coração é árabe


  • O JARDIM brinca com a brisa
    Que, dir-se-ia, ser sua emissária
    No chamamento à festa da alvorada.

    Está ébrio, preso de seus ternos ramos,
    E quando os doces pássaros o cantam
    Ele vai repetindo essa canção.

    Não faltam flores, estratégicos espias
    Com seus olhos vigiando namorados.
    E se destacam na folhagem verde
    Como luz brilhando sobre as trevas.

Adalberto Alves
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

P.S.
A imagem que antecede o poema é um efeito caligráfico de qalbiy 'arabiyy - O meu coração é árabe - conforme figura na capa do livro citado acima. A frase provém, segundo Adalberto Alves, de uma canção árabe ainda cantada pelo povo no tempo de Gil Vicente e que este utilizou, nomeadamente, numa fala da Ama, na Comédia de Rubena.

segunda-feira, julho 06, 2009

Cadernos de Areia


Quase como num diário de viagem pela Tunísia que tanto ama, Luís Maçarico publicou...


Lembrei-me deste meu amigo e dos seus poemas em dia de intenso calor, aqui, nesta cidade do barrocal algarvio.


  • De tão cru, o sol apaga lembranças
    E germina esquecimentos.
    O meu destino, são os incontornáveis
    Grãos que semeiam o Nada.
    Este horizonte infinito de ilusões
    O céu de areia de certas tardes.

    Estou longe, dizem-me alguns
    Sinais. Mas é tão perto, a minha
    Casa: Poema futuro, luminosa
    Oliveira, manhã desejada!

                                  Tozeur, 11.11.1996

Luís Maçarico
Cadernos de Areia
Edição de Autor, 2ª edição, 2009

quinta-feira, julho 02, 2009

Cinco anos de ausência


Sophia, por Carlos Botelho

 


 


 


 


 


 
Imagem de Sophia, a crayon, por Carlos Botelho,
conforme Wikipédia

Quero iniciar este mês com Sophia. Quero recordá-la como a conheci; como quando, muito provavelmente, da primeira vez que a li.

  • UM DIA

    Um dia, mortos, gastos, voltaremos
    A viver livres como os animais
    E mesmo tão cansados floriremos
    Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

    O vento levará os mil cansaços
    Dos gestos agitados irreais
    E há-de voltar aos nossos membros lassos
    A leve rapidez dos animais.

    Só então poderemos caminhar
    Através do mistério que se embala
    No verde dos pinhais na voz do mar
    E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner
Grades
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1970