Foto batida por ocasião da Feira Medieval de Silves, edição de 2012
( II )
Estabelecendo uma ligação com o episódio anterior, indico-vos a data de 853 (AD) como a da morte de Ibn Habib, companheiro de Al-Ghazal na expedição à terra dos "majus".
Em 859 dá-se uma 2ª invasão dos normandos (majus).
A morte de Al-Ghazal (Iahia ibn al-Hakam al-Bakri al-Jaiani), ocorreu em 864 (AD).
A esta data de 864 remonta o início da revolta muladi contra o emir de Córdova, Muhammad I, que sucedeu a 'Abd ar-Rahman II.
Mais de século e meio de aculturação dos autóctones desta região do sul da Península Ibérica, contados desde a entrada de Tarik em Gibraltar (1), terá inevitavelmente conduzido a uma islamização mais ou menos generalizada da população.
O poder instalado, embora consentindo livremente as práticas religiosas de cada um, usava de um tratamento diverso, nomeadamente no que se refere à cobrança de impostos, sobre muçulmanos, cristão e judeus.
De entre os muçulmanos, o poder distingue os árabes e berberes daqueles que se vieram a converter ao islamismo. Estes últimos recebem a designação de muladis (2). Já os cristãos residentes em território islâmico são conhecidos como moçárabes.
Senhores locais, de origem autóctone, que se tornaram muladis, começam a revelar algum descontentamento perante a administração islâmica e revoltam-se contra o grande emir, Muhammad I.
Um dos mais importantes de entre esses revoltosos é Ibn Maruan al-Jilliqi (3), com grande poder sobre o vasto território que se estende de Mérida a Ossónoba, duas grandes cidades ao tempo do poder de Roma.
São seus mais diretos aliados, Xirimbaki, senhor de Coimbra, 'Abd al-Malik Ibn Jauad, senhor de Beja e Iahia Ibn Bakr, em Ossónoba.
Desta revolta, bem sucedida, interessa-nos particularmente este senhor de Ossónoba, que então transfere a capital para Santa Maria (Ax-Xantamari), atual Faro.
Refere Garcia Domingues, que foi este Iahia ibn Bakr quem deu a Santa-Maria as suas "engenhosas fortificações" e as suas "portas de ferro", tornando-a inexpugnável.
A Iahia ibn Bakr sucede seu filho Bakr ibn Iahia, que engrandeceu Silves ao instalar uma chancelaria, um conselho de estado e tropas numerosas.
Cito Garcia Domingues: "Costumava passar em Silves a maior parte do tempo, se bem que a sua capital oficial fosse Santa-Maria.
É a partir desta época que Silves principia a surgir como cidade importante no mundo árabe (...)
A Becre Ibne Iáhia deve pois Silves o primeiro impulso no sentido do seu engrandecimento.
Podemos dizer que no tempo de Becre o Algarve tinha duas capitais: uma político-militar, Santa-Maria, outra político-cultural, Silves".
O emir 'Abd ar-Rahman III, que mais tarde se tornará califa, chefe de todos os crentes, acabará por sufocar esta revolta muladi, mas Silves continuará a evidenciar-se graças a esse impulso inicial de Bakr ibn Iahia.
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António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, vol.2, Editorial Caminho.
Garcia Domingues, História Luso-Árabe, Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves.
Isabel Cristina Ferreira Fernandes, Quadro Cronológico, em Portugal Islâmico (Os últimos sinais do Mediterrâneo), Museu Nacional de Arqueologia.
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(1) Montanha em árabe é Djebel. Djebel Tarik soa como Gibraltar (a montanha de Tarik).
(2) Muladi significa convertido.
(3) Jilliki quer dizer galego. É a sua identificação como um muladi. É este Maruan que manda edificar o castelo de Marvão. Marvão é o aportuguesamento de Maruan.
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Se porventura não leu o 1º episódio pode agora fazê-lo, clicando abaixo:
Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (I)