terça-feira, outubro 31, 2006

Novos poetas algarvios (II)

Como o "prometidro é dre vidro", não vou quebrar o compromisso. Quero dar-vos conta do que dizem os jovens algarvios na sua poesia e começo com aquele que já ontem incluí em fotografia - Pedro Afonso.



  • tenho entranhado em mim o meu fim a minha plenitude fatal
    lentidão fatídica das tardes solarengas do inverno mediterrânico

    cresço nas margens dum texto-mar que se atormenta na sua tempestade [enunciadora
    sou espuma por absorver numa praia de rochas quentes e carapaças secas

    gritam-me pelos ares na loucura da descoberta
    sou-me imposto na ondeante ditadura marítima

    o meu futuro é o presente e o passado está para acontecer
    sou o tempo que demoro a dizer-me

    defino-me na arbitrária orquestra dos signos
    margino-me parágrafos genéticos nas páginas do que serei

Pedro Afonso
Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

segunda-feira, outubro 30, 2006

Novos poetas algarvios

No sábado passado, para assistir ao lançamento de um livro - Muchas veces me sucede olvidar quien soy - de um amigo, Luís Ene, em edição bilingue, castelhano e português, desloquei-me a Vila Real de Santo António, ao centro Cultural António Aleixo.
A sessão de apresentação solicitava a participação activa dos que se encontravam na sala, com a leitura de textos, como é hábito em Ler Alto, uma iniciativa que vem sucedendo com regularidade mensal, em Faro, na sede da Sociedade d'Os Artistas.
Também participei neste espaço de leituras, com um conto, destes que tenho vindo a publicar aqui, no blog, mais precisamente um que intitulei Por coisa de tão pouca monta renunciar-se, assim?!, escolhido na linha do que me pareceu significar, também, o título do livro aqui apresentado.

Nesta sessão esteve Uberto Stabile, poeta de nacionalidade espanhola, editor e tradutor deste trabalho de Luís Ene. Esta relação entre poetas das duas margens do Guadiana acontece na sequência de alguns encontros, motivados pela literatura e pela fotografia, de que Ler Alto tem a sua quota de responsabilidade e que já conduziu à formação do Círculo Literário do Algarve, denominado Sulscrito.

O que mais vos quero agora revelar e que maior interesse me suscitou foi a presença activa de vários jovens, em número significativo, alguns deles a integrar a Antologia de Novos Poetas Algarvios, numa organização de Maria Aliete Galhoz.


Sulscrito em Vila Real, Pedro Afonso lendo alto, foto com telemóvel, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira

 

 


Aqui está um deles, Pedro Afonso, a quem fotografei no seu momento de participação em Ler Alto, nesta edição que teve lugar em Vila Real de Santo António.

 


Quando lê, alto, a crispação da sua mão traduz bem a carga emotiva do que escreveu no papel.

Eu, em próximos posts, dar-vos-ei conta do que nos dizem estes jovens.
Entretanto, passeiem pelos vários links que aqui semeei e aos quais acrescento esta revista electrónica - Minguante.
Luís Ene está a agitar por aqui.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Ao jeito de um fotoblog (II)

No cais, sobre o Arade, Silves 2005, © António Baeta Oliveira


  • já pouco me prende aqui
    já aqui pouco se prende
    amar
    ras neste cais

    os tresmalhados
    turistas
    em busca do tempo perdido.

P.S.
Como anda por aí grande afã em torno dos direitos de autor, que sempre tenho feito por respeitar, convém especificar que a estrofe "em busca do tempo perdido", corresponde a algumas traduções do famoso título "À la recherche du temps perdu", de Marcel Proust. Usei-a com perfeita consciência, pois era isso mesmo que eu queria significar.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Estão aí os Outonos de Teatro, em Portimão

http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/velazquez/velazquez.meninas.jpg
Las Meninas, de Diego Velásquez


Na terça-feira passada, pela noite, lá estava eu, sentado na plateia, para assistir a uma peça de teatro - Meninas - com a assinatura de uma companhia sedeada em Salamanca - Intrussión.
Os folhetos de divulgação desta iniciativa da Câmara de Portimão, pelos menos aqueles a que tive acesso, em papel e através da Internet, não elucidavam de todo sobre esta companhia de teatro. Li, sim, um pequeno apontamento descritivo do que se propunha esta companhia apresentar; nem sequer dava para entender de que se tratava de uma companhia espanhola, tanto mais quanto a designação usada se referia à sua distribuidora e não à companhia produtora.
Quando me decidi comparecer, assim um pouco como "um tiro no escuro", foi exactamente por saber que "o pintor chamará ao seu estúdio, uma a uma, todas as personagens que aparecem em AS MENINAS. Velázquez irá interagir com cada uma delas, tendo o espectador a oportunidade de descobrir doze maneiras diferentes de ver a realidade espanhola do século XVII".

Servida por um elenco homogéneo, com alguma solidez interpretativa, assisti com agrado à representação. Como não conhecia a dramaturgia, fiquei em dúvida sobre se algumas das coisas que me desagradaram se deviam ao autor ou ao encenador. Agora, em casa, consultando o site da companhia, pude entender que tanto o texto como a encenação são da mesma pessoa - Roberto García Encinas. Também me apercebi que se trata de uma companhia com hábitos de trabalho junto de público jovem, estudantil, em contextos de sala, calle o cabaret.
Nesta perspectiva, entendo então que as doze maneiras diferentes de ver a realidade espanhola do século XVII surjam tão simplistas, como um "piscar de olhos" aos "tiques" da sociedade europeia da actualidade, a solicitar o riso e o divertimento fácil. Esse entendimento justifica também a minha estranheza pelo recurso a atitudes grandiloquentes, a poses demoradas, a gesticulação lenta e prolongada, que se usavam para reverenciar os "grandes vultos da História" ou sacralizar as "grandes obras de arte", como era hábito das representações "burguesas" de finais do século XIX e que permanecem, ainda no nosso tempo, em alguma estética ultrapassada por conceitos artísticos mais recentes.

Um apontamento algo desgostoso sobre a luminotecnia, estranha, tão estranha que até parecia haver qualquer problema eléctrico na sala.
Acabei por aplaudir o espectáculo no mínimo, reconhecendo tão só o traquejo interpretativo dos actores

É certo que fiquei a conhecer melhor as figuras que compõem o quadro de Velásquez, mas mais pelo nome e seu lugar na corte do que propriamente pelos estereótipos apresentados.
Concedo que o meu desagrado tenha a ver com a minha idade, pois tratava-se de um trabalho de divulgação para a juventude, na qual se aposta hoje em dia nestes espectáculo/divertimento, como meio de a trazer às salas de teatro, para depois não se lhe oferecer a arte do teatro, que deve ser inovadora, divertida também, mas porque incentivadora da capacidade crítica, a favorecer a reflexão e o entendimento deste mundo, que é, afinal, o que compete a quem se ocupa do acto cultural.
Mas os Outonos de Teatro ainda estão aí, pelas mãos de grupos regionais, como o Teatro da Estrada, ou de expressão nacional, como o Grupo de Teatro de Montemuro e O Bando. Há também lugar a uma estreia - Ricardo III, pela ACTA (A Companhia de Teatro do Algarve).

P.S.
Vote n'Os Grandes Portugueses! Vote em José Malhoa! Siga o link.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Para que fique registado

Soube, através de A Voz de Loulé, edição nº 1614, de 15 de Outubro de 2006, na habitual coluna de Libertário Viegas, a quem envio um abraço, que José Mendes Cabeçadas Júnior, ex-Presidente da República Portuguesa, em 1926, natural de Loulé, foi deputado pelo Círculo de Silves, entre 1911 e 1915.
No site oficial da Presidência da República, na galeria de anteriores Presidentes da República (que pode consultar clicando aqui), é feita referência a essa sua condição de deputado, pelo período atrás indicado, mas não se refere o Círculo Eleitoral de Silves.


Também para que conste, faço saber que um dos primeiros blogs algarvios com o qual o Local & Blogal se relacionou, Asul, está em tempo de aniversário. Os meus PARABÉNS!

Se, lá para o mês de Maio, este meu amigo, autor do blog, voltar a ausentar-se, o mais provável é que tenha viajado até à China, talvez em busca de um melhor sistema de ensino. (piada(?) privada, mas que pode ser entendida por quem leia os seus posts dos últimos dias).

Ainda merece registo, pelo menos pela raridade nos tempos correm, uma notícia abonatória sobre algo que se refere a Silves.

terça-feira, outubro 24, 2006

Arade... o futuro por este rio acima

 Conferência sobre o Arade, Outubro 2006, foto com telemóvel, © António Baeta Oliveira

O título e a fotografia referem-se a uma Conferência que teve lugar em Silves na passada sexta-feira, na Fissul, sob o patrocínio da CCDRAlg (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve). Como o que aqui escrevo não se trata de jornalismo, permito-me sintetisar o que se passou ao longo de aproximadamente quatro horas de comunicações e debate, emitindo a minha opinião.
Os responsáveis pela CCDRAlg e os representantes das empresas que se configuram na Agência Arade têm um real e efectivo interesse nas enormes potencialidades da bacia hidrográfica do Arade.
O que fiquei a entender é que, apesar de todos os louvores e declarações de que o Rio Arade e a sua navegabilidade são "a pedra de toque" de toda esta questão, nada irá acontecer por aqui antes que o porto de recreio de Portimão inicie e conclua as adaptações que lhe permitam ancorar as frotas de paquetes de grande turismo. Esta irá ser a grande e primeira prioridade

Um dia, no futuro, avançar-se-á por este rio acima (os interesses em presença nesta conferência atestam esta garantia), mas a animosidade revelada perante as reservas levantadas pelos ambientalistas e as atitudes abusivas de que vimos tomando conhecimento em recentes construções turísticas na nossa região, deixam a desejar pelo futuro deste rio.

Francamente, o meu maior desejo era o de que eu estivesse mesmo muito enganado.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Eid Mubarak (عيدمبارك)

© Al-Furqan

Os meus mais sinceros votos de um bom Eid ul-Fitr (عيدالفظر) a todos os meus amigos muçulmanos.

O mundo islâmico celebra o fim do Ramadão (رمضان). Hoje, no primeiro dia do mês de Xawwal (شوّال) e depois da celebração religiosa associada, ocorre um grande almoço em família onde se trocam prendas, como por aqui fazemos no Natal.
Esta é uma das maiores festividades do mundo islâmico.
Equidistante, religiosamente, do cristianismo e do islamismo, porque ateu, regozijo-me com os meus amigos pelo Eid ul-Fitr como o farei daqui a algum tempo pelo Natal, particularmente no que se refere à festa de família, em volta da mesa da confraternização.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Álvaro de Campos voltou a Tavira

Espectáculo de Teatro do Al-Masrah na Biblioteca Álvaro de Campos em Tavira, Setembro 2006, foto no telemóvel, © António Baeta Oliveira

Fez agora um mês, encontrei-me com ele em Tavira, sua terra natal. Passeou-se calmamente pelos espaços da biblioteca local, a que atribuíram o seu nome, e ouvi distintamente as suas palavras:


  • Sim, sou eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
    Espécie de acessório ou sobresselente próprio,
    Arredores irregulares da minha emoção sincera,
    Sou eu aqui em mim, sou eu.
    Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
    Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
    Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

    E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
    Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
    De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico,
    Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

    E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
    Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
    De haver melhor em mim do que eu.

[.../...]

Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos
Editorial Nova Ática

Ele pode não ter dito exactamente estas palavras.
Estas escolhi-as eu, ao lê-las hoje, de entre outras suas, como as que nessa noite ouvi distintamente, num enquadramento arquitectónico e cénico que me proporcionou uma das mais belas noites deste Verão, graças à imaginação e à criatividade do grupo de teatro Al-Masrah   -   (المسرح), residente em Tavira, a quem agradeço a oportunidade.
À Susana e ao Pedro, o meu abraço amigo e reconhecido.

quinta-feira, outubro 19, 2006

A Aministia Internacional apela:


  • Existem 639 milhões de armas no mundo - uma arma para cada dez pessoas
  • Todos os anos morrem em média 500 000 pessoas vítimas de violência armada - uma pessoa por minuto!

Apoie a implementação de um Tratado Internacional que regule o Comércio de Armas e faça referências explícitas aos Direitos Humanos.
Seja um num milhão: www.controlarms.com (clique)

(Clique e aceda também à campanha Um milhão de rostos)

quarta-feira, outubro 18, 2006

Ao jeito de um fotoblog

Duas escadarias até ao cimo do Torreão, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira


  • Nuvens escuras, de suspeição, adensam-se sobre a cidade.
    O vento, nos ouvidos, baralha a notícia.
    A chuva, enquanto limpa, acumula o lodo.
    Os corvos caem sobre as presas, agora débeis, levadas na enxurrada.
    Há portas, fechadas, no topo da escadaria.


terça-feira, outubro 17, 2006

Aniversário de Ramos Rosa

António Ramos Rosa, um dos maiores poetas do nosso tempo, nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924.
Em sua homenagem, escolhi um poema que tem a particularidade de ter sido dedicado a um outro algarvio, seu amigo e poeta dos mais reputados, também, da poesia portuguesa contemporânea - Casimiro de Brito.

  • A LÂMPADA

    As palavras em chamas queimam veias e árvores,
    lâmpadas em turbilhão fluem nas calçadas
    entre pernas vermelhas e caixotes e cães.
    Corro sobre o mar, esta palavra lâmpada
    aquece-me por dentro, é um ovo de esperança,
    corro, corro à espera de nascer no meu povo.

    Quem dirá o contorno, o colo que se debruça
    na imóvel figura de um punho silencioso
    o fruto vigilante e submerso seio?

    No silêncio da mesa sobre a lisa
    dureza
    ela é a inundação sem tempo e a presença
    da origem e alta dignidade humana.

    Ó lâmpada, exemplo de poema,
    quando aprenderemos a tua dócil sombra
    e as tuas sílabas em que o silêncio ama?

    A esperança é vigilante em tua luz.
    A luz é vigilante em tua esperança.

António Ramos Rosa
ALGARVE todo o mar
(Colectânea)
Publicações D. Quixote, Lisboa 2005

segunda-feira, outubro 16, 2006

Uma intervenção arqueológica, em colóquio

Um dos maiores bairros islâmicos encontrados na Península desapareceu sob a urbanização do "Empreendimento do Castelo"
Arqueólogo José Costa, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira

Na acanhada sala de conferências do Museu Municipal de Arqueologia, José Costa, arqueólogo responsável pela intervenção, na sequência de uma parecer do IPA (Instituto de Português de Arqueologia), fala-nos de uma área de escavação de cerca de 3000m2, enquanto decorrem obras de uma urbanização que se estende por 4280m2. Houve que conciliar, por negociação, o tempo necessário à prossecução dos trabalhos arqueológicos e a urgência do avanço da construção por parte da empresa responsável pela obra.Máquina aguarda finalização do trabalho, foto a um diapositivo

Negociação desgastante e nada fácil, para ambas as partes envolvidas, como se pode constatar pela foto ao lado, obtida a partir da projecção de um diapositivo do conferencista (o maquinista aguarda a última medição do arqueólogo).

O bairro islâmico sob intervenção incluía, anexa à área residencial, uma área comunitária ou de utilização pública, com um grande forno de pão e sistemas de captação e elevação de água que, pela sua disposição, paralela à rua Cândido dos Reis, permitiu a sua autonomização do empreendimento e preservação, com possibilidade de escavação futura. De referir ainda uma estrutura de armazenamento de água e uma outra, para cuja utilidade se procuram ainda paralelos em escavações em período islâmico.

A área residencial, de onde se recolheram mais de 170 mil objectos, denota uma urbanização bem planeada, como se pode observar nesta foto (de um slide projectado durante o colóquio), que revela uma canalização que atravessa três construções sucessivas.
Canalização transversal sob três construções sucessivas, foto a um diapositivo
A zona residencial dispunha-se ao longo de uma rua, com 3,80m de largura, que se prolongaria, bem como o bairro, atravessando o que é hoje a rua Cândido dos Reis e a estrutura industrial (actualmente de cultura e lazer), da Fábrica do Inglês.
As 16 casas alvo de intervenção, de proprietários modestos e revelando alguma homogeneidade social, apresentavam 5 ou 6 compartimentos, dispostos em U ou L em torno de um pátio descoberto, com cozinha, armazém, latrina, salão e/ou alcova, com sistemas de saneamento, apresentando canalizações para fossas exteriores, que recebiam os detritos das latrinas, ou condutas de águas de chuva, a partir do pátio, e águas de banhos e de utilização doméstica, conduzidas para a rua. Talhas, silos, lareiras, forno doméstico integram estes espaços habitacionais.
O bairro apresentava uma degradação prolongada no tempo, significando o seu abandono, que aos olhos dos investigadores parece ter sido planeado e ter ocorrido semanas ou meses antes da tomada definitiva da cidade pelos portugueses. Os materiais encontrados parecem arrumados e teriam ficado apenas as coisas que não valeriam a pena levar. Encontraram-se alguns cabos de roca (em osso), pontas de fuso, agulhas, um poiso de mó, alguma cerâmica vidrada e material de cozinha, em cerâmica, ferro ou bronze, candeias e pouco mais.

Como se referia no último dos slides projectados:
«Volvidos cerca de 650 anos o espaço é ocupado por uma unidade industrial; sete séculos e meio depois desaparecem as estruturas islâmicas e nasce o 'Empreendimento do Castelo'».

Fábrica do Inglês quando da sua construção inicial e 'Empreendimento do Castelo', foto a um diapositivo

Das conclusões finais e debate que se seguiu, com intervenção da assistência, há que relevar que a intervenção arqueológica só foi solicitada depois do licenciamento da obra, de modo que pouco ou nada mais se poderia fazer.
O que poderia ter sido um novo pólo de desenvolvimento e atracção cultural e turística será, em breve, mais uma urbanização, que poderia ter sido construída em qualquer outro lugar da cidade, deixando preservado tão rico e exemplar património, totalmente destruído.
Figura-se importante que a edilidade acabe com este tipo de procedimento. Vai sendo tempo de orçamentar e encomendar a definição de uma carta de sensibilidade arqueológica, de forma a que sondagens prévias ao licenciamento possam ser efectuadas, sempre que se requeira construir dentro da área coberta por essa carta. Nestas circunstâncias, esta situação, bem como outras que sempre vêm ocorrendo, poderiam ter sido evitadas, numa cidade orgulhosa do seu património e que aspira a um turismo cultural de qualidade, como é usual ouvir dizer por parte dos responsáveis autárquicos.

P.S.
A situação acima descrita já aqui tinha sido denunciada, em Janeiro de 2006, num post que intitulei Preservar a Memória (clique).

sexta-feira, outubro 13, 2006

Toda uma semana com Fiama

Um poema mais e encerro uma semana inteira com Fiama.

  • ESTRADA DE FOGO

    Pedra a pedra a estrada antiga
    sobe a colina, passa diante
    de musgosos muros e desce
    para nenhum sopé;

    encurva, na abstracta encruzilhada;
    apaga-se, na realidade. Morre
    como o rastilho do fogo,
    que de campo em campo aberto

    seguia, e ao bater na mágica cancela
    dobrava a chama, para uma respiração,
    e deixava o caminho do portal
    incólume e iniciado.

Fiama Hasse Pais Brandão
ECOS
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

quarta-feira, outubro 11, 2006

Viver na beira-mar

É ainda Fiama quem diz:

  • Viver na Beira-Mar

    Nunca o mar foi tão ávido
    quanto a minha boca. Era eu
    quem o bebia. Quando o mar
    no horizonte desaparecia e a areia férvida
    não tinha fim sob as passadas,
    e o caos se harmonizava enfim
    com a ordem, eu
    havia convulsivamente
    e tão serena bebido o mar.

Fiama Hasse Pais Brandão
ECOS
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

segunda-feira, outubro 09, 2006

Entre poetas de "Poesia 61"

Há dois anos atrás, em Outubro de 2004, divulguei aqui os poetas que em 1961 publicaram, em Faro, a revista Poesia 61, cujo título viria a identificar um movimento literário que deixou uma marca indelével na História da Literatura Portuguesa. Se efectuarem um clique em Outubro 2004, acederão a poemas de Casimiro de Brito, Luiza Neto Jorge, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta e Gastão Cruz (pela ordem cronológica de publicação aqui, no Local & Blogal), que figuram entre os mais reconhecidos poetas portugueses contemporâneos.
O poema que transcrevo hoje é de Fiama, que o dedica à memória de Luiza Neto Jorge, falecida, aos 50 anos, em 1989.

  • Meus ecos de Luiza N.J.

    No lambril branco da janela bate
    a cortina franzida presa,
    tecido leve que soerguido
    revela os quintais sem arte,
    as serras longínquas não verídicas
    esbatidas no vento de sempre.
    Cena também sempiterna,
    que uma vez se vive outra se revive.

    Aí, na aura da janela vívida,
    deixou delineada a ceramista
    a sua falsa e verdadeira imagem.
    Pelos dedos feitas linhas e sílabas
    são dela o retrato fiel e eterno.
    Do barro frio, do odor das formas
    e da substância e ideia
    do que moldava, a ceramista pôde
    verter o barro em verbo.

    É o que vejo e penso nesta casa mortuária
    que se abre branqueada para o pátio,
    onde a luz se coa e ecoa e uma branca
    poalha espessa trazida por ventos fortes
    nos isola, encerra e de esplendor cerca
    da ceramista e poeta o rosto,
    agora não vivo, de que se desprende
    a inteira alegoria da cerâmica e poesia,
    oficiadas a contraluz intensa outrora
    na minha casa viva que revivo.

Fiama Hasse Pais Brandão
Entre os Âmagos
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

P.S.
1. - Se tiver curiosidade por este movimento poético, "Poesia 61", pode consultar a História da Literatura Portuguesa, na Biblioteca Universal
2. - Para informação mais detalhada, consulte Cadernos e Catálogos da Poesia Experimental Portuguesa.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Os Dias que nem sequer contam (II)

(Continuação do post anterior)

Solo de contrabaixo e Orquestra do Algarve, Portimão, Setembro 2006, © António Baeta Oliveira
Solo de contrabaixo e Orquestra do Algarve

O meu avô materno, em meados do séc. XIX, antes ainda da existência da actual Banda, mais precisamente na Banda de Gregório Mascarenhas, tocava requinta (clarinete em mi bemol; o mais agudo dos clarinetes). Minha mãe contava, a propósito do velho rádio da família, que eu conheci de perto, que o meu avô o comprou com a intenção de ouvir os grandes concertos das grandes orquestras, a que se dedicava, demoradamente, no silêncio da sua sala.
Sem a existência daquela Banda, onde se iniciou nas primeiras notas, o meu avô nunca teria tido oportunidade de se interessar e vir a apreciar os "grandes concertos das grandes orquestras".
Quantas gerações de dedicados músicos não terão já passado por estas velhas escolas de música?!
Silves, no início do séc. XX, além de duas bandas que vieram a fundir-se na actual Banda da Sociedade Filarmónica Silvense, possuía uma orquestra, a Orquestra Freire, com cerca de 30 violinos. Nesse tempo havia imprensa de opinião, livrarias e bibliotecas, lia-se e comentava-se; havia perspectivas e preocupações culturais, como hoje não se vislumbram. As novas gerações saem das escolas e das universidades sem horizontes intelectuais, sem preocupações de ordem cultural.
Parece que regredimos culturalmente; o progresso cultural não acompanhou o progresso económico.
Apetece-me comentar, como se comentava outro dia, numa conversa entre amigos: "Vai sendo tempo de nos deixarmos de queixar do obscurantismo salazarista. Dentro de poucos anos, o pós-25 de Abril será tão velho como o salazarismo."

Quantos, hoje em dia, não se viram privados de prosseguir estudos musicais ou optar por outro instrumento, que não um instrumento de sopro ou de percussão?!
Portimão criou uma Academia de Música, na dependência pedagógica da Academia de Lagos. Hoje é já uma Academia autónoma. Lagoa percorre o mesmo caminho. E Silves?
Os silvenses estarão condenados a esta desigualdade de oportunidades em relação aos seus vizinhos mais próximos?
Falo de música, mas o mesmo poderia ser dito no que se refere à inexistência de estruturas profissionais nas restantes áreas de expressão: no teatro, na dança, nas artes plásticas...
Sei que estas estruturas não se criam de um dia para o outro, mas sei também que já se perderam oportunidades que não podem continuar a perder-se, por incúria ou ignorância.

É tempo de mudar de política!

terça-feira, outubro 03, 2006

Os Dias que nem sequer contam

Este ano, o 1º de Outubro ocorreu a um domingo. Esta coincidência deveria ter facilitado qualquer iniciativa que se prendesse com o Dia Mundial da Música. Em Silves, o Dia amanheceu surdo e adormeceu mudo.

Sabemos que Silves tem um Cine-Teatro, o mais marcante edifício da década de 60 (talvez o único edifício de porte dessa época histórica da nossa cidade), fechado e, pelo "andar da carruagem", condenado à demolição.
Cine-Teatro, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira
Teatro Mascarenhas Gregório, Setembro 2005, © António Baeta Oliveira
Sabemos também que o velho Teatro Mascarenhas Gregório foi restaurado e apressadamente inaugurado, com pompa e circunstância, em vésperas de eleição autárquica, e se mantém fechado desde essa altura, já lá vai mais de um ano.

Sabemos ainda que estas estruturas, mesmo que estivessem a funcionar, não suportariam eventos de alguma exigência, por limitações da dimensão do palco ou por certas especificidades técnicas: uma companhia de dança, como a Companhia de Dança do Algarve, uma orquestra, como a Orquestra do Algarve, ou mesmo uma companhia de teatro, como A Companhia de Teatro do Algarve, teriam sérias dificuldades de adaptação a estes palcos se comparecessem no seu melhor, como frequentemente acontece em Faro, em Loulé, em Lagos ou até em Lagoa. Uma ópera, por exemplo, nunca aqui teria lugar.
Acontece que as nossa vizinhas cidades do Barlavento estão já equipadas ou em vias de se equipar (Portimão) com o seu próprio auditório.
Silves, muito provavelmente ainda nem se deu conta desta necessidade estratégica.

Há, no entanto, uma anterior necessidade estratégica que urge atacar, para que as estruturas existentes, ou as que um dia venham a funcionar ou a ser criadas, possam cumprir a sua função cultural e justificar o investimento público. Trata-se da necessidade de formar públicos e esta necessidade passa pela produção cultural local, para além da oferta consumista a que estamos habituados.

É sempre com agrado que assisto a concertos da Banda da Sociedade Filarmónica Silvense, ao ar livre. O que mais me agrada é ver que as suas actuações atraem um público muito característico, que tem a ver com o envolvimento dos familiares e dos amigos dos músicos, que rodeiam a Banda com a sua alegria de gente atenta, que a ouve e a acompanha com palmas e outros sons, marcando o compasso; que se regozija com o prazer e a festa da música e que entende, por proximidade, a generosidade, o esforço, a dedicação, algumas vezes mesmo o sacrifício, que se exige, por anos a fio, na aprendizagem da teoria da música, do solfejo, da execução de um instrumento.
E que dizer da alegria da interpretação colectiva, quando os músicos se dirigem a um público que os sabe apreciar!?
(...)

(Continua no próximo post, brevemente, num blog local, perto de si.)