Encerrando o périplo por Poesia 61, num regresso a Faro, 1952, e ao velho Aliança.
Gastão Cruz
Faro 1952
O café, do outro lado a livraria essa a meta da tarde quando esfria a pele sem que frio fique o dia, as linguagens regressam às cúpulas de folhas e os treze nocturnos ainda nos esperam sob o inerte torreão do fim da infância, escutaremos alguns no pobre piano íntimo, o sexto repetido como alma dos dias, percorremos a rua até onde entra nela a aragem da ria, e o café dum lado, do outro a livraria, à porta o chapéu largo e a barba branca dum poeta do passado
Tudo o que vivêramos um dia fundiu-se com o que estava a ser vivido. Não na memória mas no puro espaço dos cinco sentidos. Havíamos estado no mundo, raso, um campo vazio de tojo seco.
Depois, alguém urbanizou o vazio, e havia casas e habitantes sobre o tojo. E eu, que estivera sempre presente, vi a dupla configuração de um campo, ou a sós em silêncio ou narrando esse meu ver.
Na sequência do post da passada sexta-feira sobre Casimiro de Brito, "entraram-me em casa", de noite, as memórias de alguns dos seus companheiros de labuta poética, nomeadamente os que mais se identificaram com o movimento Poesia 61, nascido em Faro. Resolvi então reviver con(gosto)vosco alguns desses poetas.
Luiza Neto Jorge
As casas vieram de noite
As casas vieram de noite De manhã são casas À noite estendem os braços para o alto fumegam vão partir
Fecham os olhos percorrem grandes distâncias como nuvens ou navios
As casas fluem de noite sob a maré dos rios
São altamente mais dóceis que as crianças Dentro do estuque se fecham pensativas
Tentam falar bem claro no silêncio com sua voz de telhas inclinadas
Era já de tarde, na sexta-feira, quando me confrontei com um dos cartazes da iniciativa cultural da Câmara Municipal de Silves para o sábado seguinte:
Ciclo de Jazz Igreja da Misericórdia 23 de Outubro -21h30 Laurent Filipe - "Homenagem a Chet Baker"
Sinceramente, não estranhei que não tivesse visto nenhuma informação na imprensa regional, pois ultimamente Silves só é mencionada quando as iniciativas não são da Câmara Municipal (parece que não lhes interessa publicitar as suas actividades para o exterior). Estranhei, isso sim, que esta iniciativa fosse publicitada na véspera do acontecimento, tanto mais quando se trata de um tipo de oferta musical que não é habitual e que, por tal motivo, necessitaria de uma divulgação com um prazo mais dilatado, a despertar atenções, a atingir públicos específicos, a promover o interesse.
Por aquele mesmo motivo estranhei o jazz e perguntei-me que tipo de público pretenderia a Câmara atingir. Mas, pensando bem, não é de estranhar, pois as programações da Câmara não aparentam nenhum critério definido; antes parecem correr um pouco na dependência da liquidez orçamental, ao sabor da oferta cultural do momento, ou por proposta de alguma empresa que recentemente por aqui tenha passado com as suas promoções de espectáculos.
Jazz na Igreja da Misericórdia? Estranhei. Não porque a Igreja não esteja desactivada para o culto e não seja frequentemente utilizada para diversos tipos de iniciativas, mas sim porque o jazz carece de alguma informalidade que se não coaduna com a arquitectura, a tipologia e o mobiliário daquela sala. Lembrei-me, então, que a Câmara Municipal não tem um único local que se adapte a qualquer tipo de espectáculo que mereça um mínimo de apresentação e conforto - e voltei a não estranhar.
Mas a Câmara patrocina praticamente todos os espectáculos da Fábrica do Inglês. Porque não o jazz na Fábrica do Inglês? Estranhei. Mas, pensando melhor, como é um espectáculo que não convoca grandes multidões e se adapta a locais bem mais pequenos, talvez fosse ferir as susceptibilidades e os interesses dos proprietários de outros bares e locais de diversão da cidade, alguns dos quais já têm realizado sessões de jazz, mesmo sem o apoio da Câmara de Silves. E não estranhei.
Ainda me vieram à mente algumas instituições sem fins lucrativos, com salas aceitáveis, algumas das quais até ligadas à música, como a da Sociedade Filarmónica Silvense, e onde existe certamente um público conhecedor, que gostaria de apreciar artistas de qualidade superior à média, ou ainda o APARTE/Racal Clube, que o ano passado apresentou concertos de clarinete e guitarra, guitarra clássica, trompete, música coral e vem divulgando grupos ou artistas que compõem a sua própria música ou criam adaptações de outros compositores e que, ainda por cima, oferece condições bem próximas de um bom ambiente para um concerto de jazz. Mas não estranhei.
Não estranhei porque a Câmara - as Câmaras - são mesmo câmaras, isto é, salas, fechadas à iniciativa da sociedade civil, distribuindo subsídios e benesses para que, caladinhos, miseráveis e agradecidos não venham a ofuscar as "grandes" realizações camarárias. Como se não competisse melhor à administração pública apoiar, propor e promover iniciativas, do que realizá-las.
P.S.
(1) - PARABÉNS a Asul, por ocasião deste aniversário blogal e pela iniciativa do encontro de bloggers algarvios.
(2) - A partir de hoje é possível aceder a um arquivo dos textos aqui publicados sobre Silves. Entretanto, o arquivo reporta-se somente aos textos de 2003. Um link para esse arquivo passou a constar na coluna de links, à direita. Pode aceder aos textos agora, clicando aqui.
Foi publicado no passado fim-de-semana na página "acultura", do jornal "A Voz de Loulé", este meu texto, que abaixo transcrevo:
Solicita-me o coordenador desta página que comente um excerto de Na Barca do Coração, de Casimiro de Brito, no dia em que o poeta lançou o primeiro número de Prisma de Cristal, neste mesmo jornal, em 16 de Outubro de 1956.
Tornei-me, inadvertidamente, um divulgador deste diário do poeta ao comentar, no meu blog, pequenos trechos que reflectiam os meus cuidados, as minhas emoções, as minhas dúvidas, o meu sentir, como se partes de mim, ou do poeta, andassem soltas em demanda de um lugar de encontro e identificação onde se encaixar, para, de novo, tornar a dividir-se procurando outro alguém.
Curiosamente, a 16 de Outubro de 2000, bem como na sua véspera e no dia seguinte, Casimiro de Brito parece reflectir sobre o que chama “os restos da unidade” e refere-se, expressamente, à relação entre o autor e o leitor:
15.OUT.2000
“(…) Acordo e vou saltar para dentro das águas do meu mar, em busca dos restos da unidade que todos os dias vou perdendo e reencontrando. (…)”
16.OUT.2000
“Quem tem uma coisa, procura outra. Quem julga ter uma pessoa, também. Não devia ser assim. O possível futuro? O momento depois? Não devia ser assim.”
17.OUT.2000
“Escrever bem não me interessa, escrever bonito muito menos. A sensação que desejo transmitir é a mesma que me deixa o amor quando o faço – não fica feito. Um acto não se pode conservar, nem uma mulher. Que também não se conservem os textos que escrevo, que me escapam dos dedos, que se escapem do leitor – deixando-o a sós com a sua vida. A eficácia, na escrita, é uma ilusão e o poema apenas um começo. Para o autor e para o leitor, diferentemente para cada leitor.(…)”
Termino, não sem que antes diga, aos mais cépticos das “coisas” da poesia, que Casimiro também se debruça sobre outras questões “menos poéticas”, mais urgentes.
Sobre a realidade de um dia-a-dia que insiste em prolongar-se:
18.OUT.2000
“A maior parte dos mortos e feridos na Intifada são crianças ou adolescentes. Quem os fere, quem os mata? Quem os coloca na frente do combate ou quem atira a matar? Vão mais depressa para junto de Alah, dizem. São abatidos duas vezes. (…)”
Silves, 4 de Outubro de 2004 António Baeta Oliveira blogal.blogspot.com
P.S. Há um blog, da responsabilidade do editor de "acultura", Helder Raimundo, onde são colocados alguns dos textos aí publicados. Veja em CONTRASENSO.
João Miguel Fernandes Jorge, que já integra a lista de poetas deste blog, publicou em Jardim das Amoreiras, Relógio d'Água, Lisboa 2003, vinte cinco poemas, de outros tantos estudos anatómicos de Vieira da Silva.
É um desses poemas - para o desenho de um esterno humano, donde irradiam (ou onde convergem?) as costelas - que vos trago aqui:
Nesse dia de setembro desenhei a árvore que sustém o torso humano; os ramos trazem a vibração de um instrumento mantêm um som semelhante ao mover articulado das patas de uma aranha.
Parece-me que nos últimos dias aprendi muito em relação ao traço que ilumina a transparência do desenho no conflito que existe entre a superfície da morte e a profundidade da vida.
A grafite, a tinta-da-china observa os seus segredos e experimenta o nenhum sentimento ao descrever o plano interior das cartilagens a pele do mundo sob o que nos move ardentemente.
quarta-feira, outubro 20, 2004
Hoje é o
DIA DA INTERNET
Chegará alguma vez a haver o Dia do Blog?
P.S. O "caso" do SLB-FCP Aqui está um bom exemplo do serviço que nos prestam os blogs, em Dia de INTERNET. Trata-se de um estudo de caso efectuado por uma empresa co-financiada pela União Europeia e que visa, entre outras coisas, o desenvolvimento de soluções para os problemas comuns da Europa. Recolhi este link através do blogAvatares de um desejo. Daqui remeto a minha devida vénia. Carregue o seguinte ficheiro de vídeo (.wmv), que deverá despoletar o Windows Media Player ou outro programa da sua preferência. Terá que aguardar 2 a 3 minutos de carregamento em banda larga. Clique agora aqui e aguarde. O endereço electrónico para que está a ser remetido é (www.sinelimite-europe.com/doc/Benf-Port.wmv)
O título já aqui foi usado, em Agosto de 2003, a propósito, entre outras coisas, da impraticabilidade da fruição das margens do rio a montante da "ponte nova", já porque os proprietários dos terrenos junto às margens impedem o seu acesso e ainda porque os canaviais ali crescem selvaticamente impedindo até o simples desfrute do olhar. Qual não foi o meu espanto e a minha alegria ao avistar na passada terça-feira (12 de Outubro) este troço do rio e as suas duas margens limpas como nunca antes a minha memória guarda registo, desde meados dos anos 60 e da construção da avenida junto ao rio. Como foi bom ver de novo o lençol de água sob a velha pérgula e a antiga nora, junto à palmeira, na "Horta da Menina"! Que prazer, o de percorrer o olhar rio acima, como não fazia há tanto tempo atrás!
Não soube a quem coube a iniciativa (suponho que à Câmara Municipal), mas agradeço a restituição deste braço de rio à fruição do meu olhar. Quem sabe se um dia me será permitido percorrer a margem esquerda e voltar de novo à Levada, dos saudosos banhos de toda a rapaziada da minha geração. Não duvido de que Silves seria mais rica, agora que também se propõe toda uma revitalização das margens a jusante, para lá da "ponte velha".
Helena Monteiro, de Alicerces e Linha de Cabotagem, que atenta e participativamente acompanhou a minha série de posts de viagem por terras beirãs, semelhante a uma outra que em tempos ela efectuara, ofereceu-me um dos seus poemas, que agradeço reconhecido:
Monsanto Alcandorado
Veja-se o poiso das águias Destacando-se em baixo nas fragas Veja-se lá bem ao longe A barragem espelhando a água Veja-se acima as pedras No silêncio da antiguidade Veja-se as rosas e as hortenses Em arco-íris nas ruas sinuosas Veja-se o tempo intemporal Na quietude da aldeia poisado Veja-se a vida escorrendo Ao som do silêncio amedrontado E por entre pedras, xisto e granito Veja-se esta aldeia alcandorada.
Para um amigo tenho sempre um relógio esquecido em qualquer fundo de algibeira. Mas esse relógio não marca o tempo inútil. São restos de tabaco e de ternura rápida. É um arco-íris de sombra, quente e trémulo. É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
António Ramos Rosa Viagem através de uma nebulosa, 1960
P.S. Chamo a atenção para um texto de outro poeta algarvio, Gastão Cruz, de homenagem a Ramos Rosa, no Público de hoje.
رَمَضَانْ (Ramadân) Hoje, os muçulmanos entram no 1º dia do mês de Ramadão, do ano 1425 da Hégira.
Nunca estive num país muçulmano em tempo de Ramadão, mas sempre pensei que seria um autêntico mergulho no desconhecido viver numa cidade que descansa e jejua durante o dia e que sai para a rua à noite, para trabalhar, alimentar-se e divertir-se; numa autêntica inversão das nossa rotinas. Como os meses muçulmanos vão recuando no tempo, porque o seu ciclo é lunar (mais curto que o solar), talvez um dia o Ramadão coincida com uma época em que me possa disponibilizar para uma viagem. Já que em 2005 o Ramadão se aproximará do início de Outubro, em 2006 já estará em Setembro. Talvez então viaje, em 2006 ou 2007. Quem sabe se mesmo em 2005!? Por aí, não há curiosidade?
Al-Mu'tamid - المعتمد - , o rei poeta de Beja, Silves, Sevilha e Aghmat faleceu a 14 de Outubro de 1095, faz hoje 909 anos.
Mausoléu de Al-Mu'tamid, em Aghmat
VINHO a noite lavava as sombras das suas pálpebras com a aurora. ligeira corria a brisa.
bebemos vinho velho, cor de rubi, denso aroma, suave corpo.
Adalberto Alves Al-Mu'tamid poeta do destino Assírio & Alvim, Lisboa 2004
Nota: Clique na pequena ilustração do Mausoléu de Al-Mu'tamid e poderá aceder ao I Itinerário proposto por "El Legado Andalusí", visitando virtualmente, em Aghmat, a sua sepultura.
De Manteigas registo o cabrito ou o borrego (só por encomenda) que não pude comer, apesar da sugestão do meu amigo Manuel, daqui natural. Prendeu-me, no entanto, a agradável toalha de linho sobre a mesa e a bem cuidada paisagem que se avistava da janela e que não voltei a reconhecer no caminho que me levou à Torre. Sei que não é esta a melhor ocasião, mas achei a serra mal tratada, abandonada mesmo e confrontei-me com uma oferta turística quase inexistente, um comércio de produtos ditos regionais de aspecto manhoso e pouco agradável. Salva-se a majestade natural da serra a perder de vista, a encher o olhar e a transbordar para a "alma".
Termino assim esta série de transcrições do meu Moleskine, onde registei as memórias desta viagem à Covilhã e arredores. Ah! Covilhã: mais estudantes, mais gente, mais carros caros, mais obras, mais "patos-bravos".
Nota: Clicando sobre a imagem terá acesso a uma foto da paisagem que se avista dessa mesma janela.
A flora exuberante, a quietude sonâmbula, a limpeza asséptica, próprias das localidades termais. Os hotéis e seus reconhecíveis utentes. Os residentes, que exercem o seu comércio ou prestam os seus serviços, mas que, eventualmente, nunca usufruíram de uma repousada estadia nas suas termas ou de um tratamento termal como o que se documenta.
Como um ninho de águias sobre o grande vale, rasgando os inóspitos penhascos onde o granito impera, aí se impôs o homem de Monsanto, construindo um lar.
Alcandorada, observando a serra como que a exigir respeito pelo seu medievalismo, na afirmação da sua torre sineira, de prevenção e rebate, na imponência do pelourinho, a ameaçar os incautos.
P.S. De Penamacor, Manteigas e da Torre (Serra da Estrela) há mais imagens aqui.
Do enigmático edifício de vários pisos de Centum Celas, até à vetusta porta de pedra do Castelo de Belmonte, marcada pelo tempo, de onde se adivinha o harmonioso anfiteatro contemporâneo, imitando os gregos, passearam tantos olhos, como os meus, surpreendidos pelo equilíbrio das formas, pela perspectiva dos volumes, pela expressão artística do Homem na sua incessante procura do belo.
As minhas preocupações antes da saída de Marcelo Rebelo de Sousa continuam as mesmas depois da saída de Marcelo Rebelo de Sousa ou da sua eventual reentrada noutro canal de comunicação. Esta "política" continua.
Passar as portas da romana Civitas Igaeditanorum, velha de vinte séculos, ou da Egitânea visigoda do séc. VI. Saber que caminho sobre as mesmas lajes que outrora foram pisadas por outros pés, então vivos, que carregavam cuidados e afectos semelhantes aos meus, porque humanos, hoje, neste cenário arqueológico, despido de outra vida que não a minha, na tarde quente de um Outono por chegar, nestas terras de Idanha-a-Velha.
P.S. Pode aceder a mais das minhas fotos de Egitânea (Idanha-a-Velha) clicando aqui.
À margem do texto sobre a Egitânea, permitam-me que divulgue este alerta de uma amiga, a propósito do apelo de Kofi Annan, a todos os países membros das Nações Unidas, para que o apoiem nas decisões da Organização e sua implementação em todo o mundo. O Secretário-Geral pede apoio para agir.
O alerta agora é meu, para a leitura de Balanço Patriótico, em Almocreve das Petas, em tempo de comemorações do 5 de Outubro.
Pela quarta vez consecutiva, já la vão quatro anos, a Associação Oncológica do Algarve organizou a MamaMaratona, uma marcha de carácter lúdico e desportivo num percurso pedestre de extensão variada, conforme a opção dos marchadores.
O valor obtido com as inscrições, os donativos, os apoios das mais diversas empresas e instituições, a venda de T-shirts, bonés e outros materiais, servirá à construção de uma Unidade de Medicina Nuclear e à divulgação da necessidade do diagnóstico precoce do cancro da mama. E é uma festa, uma alegria, ver as ruas e os arredores cheios de gente (cerca de duas mil pessoas) de todas as idades, marchando "contra o cancro".
Este ano juntou-se à festa o 1º Passeio a Cavalo e Atrelagem, incluído numa interessante iniciativa da edilidade - a 1ª Mostra d'O Saber Fazer do Concelho - a emprestar um outro colorido, com este passeio de algumas dezenas de cavalos e respectivos cavaleiros e amazonas, que se cruzaram com os marchadores. Assim, apetece dizer que: "Silves tem mais encanto!"