segunda-feira, julho 25, 2005

O concurso do Local & Blogal

Cúpula dos Paços do Concelho de Silves, © António Baeta OliveiraCúpula dos Paços do Concelho de Silves, © António Baeta Oliveira
Cúpula dos Paços do Concelho de Silves, © António Baeta Oliveira

A proposta deste concurso, num blog que se afirma Local, apesar de Blogal, tinha como intenção primeira a divulgação de um espaço arquitectónico que, apesar de frequentemente visitado, é pouco conhecido e divulgado: pelos habitantes, porque absortos e curvados ao peso dos afazeres burocráticos que aqui os obrigam a vir, dificilmente atentam numa beleza para a qual é necessário levantar os olhos; pelos turistas, porque os folhetos informativos os dirigem primacialmente aos monumentos nacionais e outros mais conhecidos, que não este - o edifício dos Paços do Concelho, sede da Câmara Municipal de Silves e, à data, do Tribunal da Comarca.

O vencedor foi Manuel Francisco Castelo Ramos, residente em Silves, licenciado em História e mestre em História de Arte, director do Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês, que escreveu:

  • 1. Silves e Córdoba (Templo romano da Rua Cláudio Marcelo e porta da mesquita de Córdova)
    2. Silves (Câmara Municipal)
    Silves tem uma só foto: arranque da cúpula neo-árabe sobre a escadaria monumental da Câmara Municipal de Silves. Obra dos finais do séc. XIX guiada pelos cânones revivalistas, muito ao gosto na época. Seria então presidente da câmara Gregório Nunes Mascarenhas, empresário corticeiro ao qual estão ligadas outras "excêntricas" construções: chalet de Armação de Pêra e Caldas de Monchique, Teatro Mascarenhas Gregório, mesmo a Fábrica do Inglês. O mestre de obras poderá ter sido, muito provavelmente, José Vitorino Mealha.

A síntese não chegou a servir a sua função de desempate, pois os dois outros concorrentes falharam: um deles identificou bem Silves e a primeira fotografia, mas levantou a hipótese da outra cidade ser Évora; outro dos concorrentes acertou em Córdova e descreveu bem as duas fotografias, mas atribuiu, em dúvida, a Granada (Allambra) a fotografia da cúpula dos Paços do Concelho de Silves.

Se passar por Silves neste Verão ou noutra época em que aqui vier, não esqueça então os Paços do Concelho.

Resta manifestar ao meu caro amigo Manuel, o vencedor, os meus parabéns e o meu obrigado pelo seu esclarecido e esclarecedor contributo.

P.S.
Vou ausentar-me por uma semana de férias em Maria Vinagre. Não sabe onde é? Depois conto. Até breve!

sexta-feira, julho 22, 2005

Um Cont(inh)o (IV)

Enquanto se aguarda o encerramento do prazo do concurso do Local & Blogal e a revelação do seu vencedor, um microconto (cerca de 50 caracteres):


  • Mora comigo, mas esmaece, a imagem de nós dois naquela tarde.

P.S.
Queiram desculpar esta intromissão no conto, mas não posso deixar de contribuir para a maior divulgação do teor desta notícia.

quinta-feira, julho 21, 2005

O prémio

Um simpático livro de notas, edição do Museu Municipal de Arqueologia de Silves, será o prémio a enviar ao vencedor do concurso divulgado em post de 18 de Julho, já aqui abaixo. O prazo finda à meia-noite de sábado e o vencedor será revelado na próxima segunda-feira.

segunda-feira, julho 18, 2005

CONCURSO


(Clique em cada uma das fotos, se preferir maior ampliação)

As três fotos acima foram batidas no Sul da Península Ibérica e reportam-se a duas cidades diferentes, relacionadas culturalmente com a civilização do Al-Ândalus.
Três fotos para duas cidades:
      - 1. Que cidades?
      - 2. Qual das cidades tem uma só foto?
Sintetise uma informação sobre o monumento representado na foto que acabou de referenciar; a tal única foto de uma das cidades.

    Nota importante:
    A síntese serve ao desempate dos que vierem a acertar nas duas primeiras perguntas.
    Remeta as suas respostas para o email de Local & Blogal (baeta.silves@gmail.com) , com indicação dos seus nome, email e blog (se houver). No assunto (subject), refira "Concurso".
    Há um prémio para a que vier a ser considerada a melhor síntese, desde que estejam correctas as respostas às duas perguntas. O premiado, a quem será solicitado o endereço postal, para envio do prémio, será notificado através do email que nos enviou.
    Serão consideradas as respostas que forem recebidas no email do Local & Blogal até à meia-noite de sábado (dia 23 de Julho).


Entretanto, em Loulé, a vereação, unânime, decide destruir o Jardim do "Boné" (Bonnet). Saiba mais, em Dias com Árvores.

sexta-feira, julho 15, 2005

Um Conto (X)

  • Piano Man

    Tinha passado toda a noite a estudar aquela pauta. Repetia e tornava a repetir as passagens mais difíceis, tentando libertar-me das exigências técnicas e abraçar definitivamente o tom interpretativo que pretendia conferir. Aproximava-se a data do concerto.
    Exausto, reclinei-me sobre o piano.

    Estava uma manhã fria, húmida. Passeava na praia deserta quando fui abordado por alguns homens que se me dirigiam numa linguagem estranha. Inquiriam-me. Agarravam-me.
    Arrastaram-me para uma viatura e conduziram-me para uma casa onde, num quarto de paredes brancas, me deitaram num leito de ferro, também pintado de branco.
    Sujeitaram-me a recolhas de sangue e mucos. Observaram minuciosamente todo o meu corpo com uma intenção que me parecia criteriosa, mas cuja finalidade eu não entendia. Parecia que me receavam, como se fosse portador de algum mal.

    Deram-me papel e lápis. Desenhei.

    Mudaram-me para uma sala maior, onde algumas pessoas pareciam aguardar-me. Num ponto mais elevado da sala havia um piano de concerto, como o meu. Puseram-me ao piano e afastaram-se.
    Toquei durante horas.
    Deixaram-me depois, só, num belo e extenso jardim.

    Contemplando o pôr-do-sol, que tudo pintava de vermelho, senti que regressava ao meu próprio piano.
    E então toquei. Toquei... até que, exausto, adormeci.


quinta-feira, julho 14, 2005

jcb na Periférica


(Clicando na imagem acederá a Periférica online)

Está aí a última edição de Periférica.
Conta com a participação de José Carlos Barros (jcb), de Casa de Cacela, na forma de cinco belos poemas.
Para vos despertar o apetite, transcrevo:

  • A casa, 3

    Na casa em ruínas fica ainda durante algum tempo
    uma espécie de música rumorosa
    que ligava as pessoas e os objectos,
    um caderno
    de deve e haver,
    uma cédula,
    um fragmento iluminado da parede
    onde se penduram retratos,
    um bilhete de comboio esquecido na gaveta da cómoda:
    mas também isso
    são escombros.

P.S.
Permitam-me uma chamada de atenção para um novo blog no Algarve:
Mais do que mil palavras, onde o texto acrescenta algumas mais.

quarta-feira, julho 13, 2005

Num ponto qualquer


  • Num ponto qualquer
    sensualmente subtil
    algo que antes não servia para nada
    irradia agora habitada surpresa.

António Ramos Rosa
Antologia Poética
Dinâmica Subtil (1984)
Publicações Dom Quixote, Lisboa 2001

terça-feira, julho 12, 2005

Srebrenica

© www.pbs.org/cryfromthegrave
(Ao clicar na foto pode aceder ao site)

Dez anos passaram.
Na Europa, supostamente civilizada, um destacamento do exército sérvio, supostamente não terrorista, separa, de entre a população de Srebrenica, as famílias muçulmanas e sistematicamente assassina cerca de 8 milhares de homens e rapazes, no maior genocídio que se conhece desde a II Guerra Mundial.
Soldados e civis sobreviventes, muitas mulheres, regressaram ontem para chorar de novo durante o funeral de mais 610 homens e rapazes, recentemente descobertos numa vala comum.
Li por estes dias, via Courrier Internacional, o pequeno texto que transcrevo abaixo, de Aleksander Hemon, escritor nascido em Sarajevo:

  • " (...) O deslize mais grave é a existência da Bósnia-Herzegovina de Dayton. Esse Estado tem na sua presidência e no Parlamento representantes de forças políticas que não o reconhecem. Os herdeiros ideológicos dos criminosos governam as vítimas. (...) "


segunda-feira, julho 11, 2005

A vida continua

Londres, Inverno 2004, © António Baeta Oliveira

Foi com Londres ainda muito presente, a exaltar a sensibilidade, que regressei ao CAPa (Centro de Artes Performativas do Algarve) para assistir, se não à melhor, pelo menos a uma das melhores peças de teatro de toda a minha vida. O CAPa tem destas surpresas e esta não é a primeira. Disso já aqui dei conta, por mais de uma vez, nomeadamente em Outubro de 2003 (KIP).

Desta vez a responsabilidade coube a uma das companhias portuguesas que mais admiro - O Teatro da Garagem.

A luz, azulácea, acende lentamente, ao ritmo de um trecho musical que impõe uma sonoridade triste, angustiante e gradativamente grandiloquente. Avistam-se peças de mobiliário, três ou mais, de estilos característicos do princípio do século XX ou finais do XIX, todas ou quase todas com espelhos ou vidro, a reflectir o presente ou a sugerir o passado; o solo é uma camada de água, de um palmo de altura, a projectar por toda a sala cambiantes de luz, a lembrar um aquário, qual sítio de experimentação e observação de comportamentos. Ao centro uma estrutura móvel, de um material plástico, branco, onde, no decurso do enredo, algumas personagens se refugiam como num confessionário. Neste cenário evolui uma dama, descalça, de tiques aristocráticos, que abre e fecha gavetas, revisitando as suas memórias.

A Vida Continua é o título deste trabalho, cujo texto e encenação tem a assinatura de Carlos Pessoa. Um texto fabuloso, servido por uma cuidada e rigorosa encenação e cinco excelentes actores, entre eles Miguel Mendes, que sempre identifico como a face visível da companhia, e que me deslumbra, sucessivamente, pelas suas superiores interpretações. É uma peça dramaticamente irónica, cómica até, roçando o trágico, onde se vive um louco estado de decadência, que lentamente parece apodrecer, esvaindo-se naquela camada de água que torna mais lento e arrastado o movimento e onde se afundam todos os mitos que parecem gerar-se por afinidades, a partir de frases soltas, citações, sonhos, devaneios, enganos, prazeres, burlas, compadrios, truques, inconsequências, sugestão e reflexo de uma sociedade que chega ao fim, que se degrada e morre, enquanto... a vida continua.

P.S.
1 - Antes que as restrições orçamentais levem ao encerramento de espaços como este ou que a economia acabe por degradar, irremediavelmente, o já de si degradado estado cultural do nosso país, lembro o fim do Ballet Gulbenkian e deixo-vos este link, que apela à assinatura de uma petição dirigida ao Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian.
2 - Quero agradecer ao João, de Asul, ao Manuel, de Limites de Luz e ao Helder, de Contrasenso pela simpatia dos seus escritos a propósito do 2º aniversário do Local & Blogal. Um grande abraço ainda a todos os outros que a tal propósito se manifestaram nos comentários. Obrigado, amigos!

sexta-feira, julho 08, 2005

quinta-feira, julho 07, 2005

O meu novo brinquedo

A minha Fuji, reflectida no espelho

Do que poderia falar hoje senão do meu novo brinquedo, que me consumiu parte substancial do dia na leitura do seu livro de instruções e experiências de aprendizagem.
Isto sem querer revelar que a levei na noite passada para o concerto dos Xutos e deixei acabar as pilhas (refiro-me à máquina, é claro).

quarta-feira, julho 06, 2005

Um bater de pálpebras como asas

  • Viagem

    Há olhos que só olham o sonho; e, quando
    o sonho se dissipa, ficam cegos.

    Há pontes por onde não se passa, no inverno,
    embora ninguém as guarde: pontes
    sem arcos, abstractas como um arco-íris
    e frias como a chuva da madrugada.

    Um campo de erva que amadurece;
    o feitiço fútil dos faróis quando a manhã
    limpa as últimas névoas;
    um bater de pálpebras como asas:

    imagens que lembro

    e me restituem os olhos
    com que avisto a entrada da cidade.

    Nuno Júdice
    Poesia Reunida (1967-2000)
    Um canto na espessura do tempo (1992)
    Publicações Dom Quixote, Lisboa 2000


terça-feira, julho 05, 2005

Um poema árabe em Julho

Algibe do Castelo de Silves, «crop» de uma foto de Yacub Bensetil, Primavera 2005

إبن عمّار (Ibn 'Ammar), poeta árabe de Silves (séc. XI), passa neste seu poema, apesar da intemporalidade poética, marcas de uma sociedade onde coabitavam diferentes civilizações, o que lhe confere, na minha óptica, uma perspectiva realista de um tempo longínquo, de um passado que ganha uma consistência concreta num mundo sobre o qual nos habituámos a fantasiar.

  • A alcachofra

    filha das águas e da terra,
    para quem lhe almeja os dons
    é corpo numa veste de recusa.
    e na sua beleza obstinada
    bem no cimo lá da haste
    lembra uma jovem cristã
    que cota de espinhos usa.

    Adalberto Alves
    O meu coração é árabe
    Assirio & Alvim, Lisboa 1998


P.S.
Nesta data quero ainda enviar um abraço ao Eurico e saudá-lo por este 2º aniversário de Um pouco mais de Sul

sexta-feira, julho 01, 2005

Um Conto (IX)

  • Una furtiva lagrima

    Estava longe. Sentia a sua falta.
    Barbeava-me ao espelho quando me pareceu que a minha face, ali reflectida, se esvanecia. O espelho parecia perder a sua consistência. Ganhava uma superfície aquática. Como um espelho de água.
    Aproximei o dedo. Toquei, experimentando, e senti que o dedo mergulhava. Retirei-o. Estava molhado. Levei-o à boca e senti um sabor a sal.

    Olhei-me nos olhos e através deles divisei a sua face. Uma alegria intensa percorreu-me o corpo. Senti que havia uma sintonia perfeita entre os nossos pensamentos. Como se ela estivesse ali. Aqui. Na minha frente. Comigo.
    Uma lágrima descia, lentamente, pela sua face.

    Senti de novo um estranho rumor à superfície e notei que o espelho retomava a sua consistência habitual.

    Via-me agora nitidamente. Sobre a face esquerda, escanhoada, uma lágrima encaminhava-se dos meus lábios. Toquei-lhe com a ponta da língua. Sabia a lágrimas. Sabia a sal.