No escuro, enquanto entramos e procuramos o nosso lugar, uma mulher, jovem, com um vestido "de noite" cor de cereja, dança.
Esta é a imagem que o rapaz que a amava quis guardar para si; ela morreu, vítima de violência gratuita, perpetrada pela personagem central deste peça (KIP), inspirada no tiroteio do liceu americano de Columbine.
A cena, completamente despida, num cenário de negro, ilumina-se lentamente, enquanto actores transportam uma mesa e duas cadeiras. KIP deita a sua cadeira, senta-se e inicia perante o indivíduo à sua frente, que o interroga, uma batida no chão, ritmada, como a batida de um coração, usando o desiquilíbrio da cadeira, provocado pelo movimento do seu corpo.
Pára e o silêncio que se instala é invadido pelo lento ruído do precipitar da água vertida de um jarro para um copo, de vidro.
Descrevo pequenos apontamentos de encenação que geram a presença de uma violência incómoda, que se instala, sem que qualquer acto de violência tenha sequer tido lugar.
Esta é a marca de uma encenação de rigor, de Pedro Alves, do teatromosca, servida por um seguro grupo de intérpretes, apresentada este fim-de-semana no CAPa (Centro de Artes Performativas do Algarve), em Faro.
Sobre a violência, sobre a solidão, onde a morte parece surgir inevitável, sem tentar encontrar explicações fáceis na ambiência familiar, na sociedade, na adolescência, abrindo-nos um largo espectro de opiniões vindas da irmã, da mãe, do pai, dos amigos, das vítimas, dos amigos e familiares das vítimas, do interrogador, do próprio KIP.
Um apontamento final.
Uma peça de teatro como esta, a que raramente teremos oportunidade de assistir na nossa região, mereceu a presença de cerca de 50 espectadores. Passou ao lado da grande maioria dos residentes algarvios.
Citando um amigo meu, que ontem me acompanhou a Faro e ao CAPa:
" Eu acredito que as pequenas manchas de utopia que ainda matizam a nossa sociedade são espaços de criação, de reflexão e de liberdade. "
Sem comentários:
Enviar um comentário