quarta-feira, agosto 25, 2004

Outra paragem de fim de Verão

Vila Boa do Bispo, Agosto 2002, © António Baeta Oliveira
Vila Boa do Bispo, no Baixo-Tâmega

Vou de novo em busca dos meus antepassados, do outro ramo da família, a do meu pai que, professor primário, rumou uma vez a Sul, para ficar encantado pela moura que foi minha mãe.

A este recanto bucólico sobre o Tâmega, que se avista ao fundo, na fotografia, ligeiramente à esquerda da igreja, regresso sempre que posso, desde bem pequeno. É como um retemperar de forças. É uma outra natureza que vive comigo, da qual me alheio no dia-a-dia, mas que me impõe silêncios, que me obriga a sair da cidade e ir ao encontro da natureza. É a minha "alma" rural.

Pois, aí vou! A uma festa de família que congrega, pelo menos, cem pessoas e que tem lugar no último domingo de Agosto.
Quando regressar eu conto.


terça-feira, agosto 24, 2004

A poesia árabe "pré-peninsular"

Outro enriquecimento da minha viagem a Xauen, nomeadamente durante a estadia em Sevilha, foi o do contacto com publicações de poesia e literatura árabe clássicas. Acedi desta forma a poetas e poemas que antecederam no tempo os andalusinos que aqui venho divulgando.

Jamil Butayna, do final do séc. VII, depois da transferência do califado Omíada para Damasco, é um dos mais notáveis representantes da poesia amorosa -'udri-, caracteristicamente dedicada a uma só mulher, cujo nome os poetas faziam figurar junto ao seu.
Butayna é, assim, o alvo da poesia de Jamil, quando canta:

  • Amigos:
    Alguma vez vistes um morto chorar de amor
    pelo seu assassino
    como o choro eu?


'Umar Ibn Abi Rabi'a, falecido na segunda década do séc. VIII, cultivava uma poesia amorosa erótica e urbana - ibahi - liberta já da poesia 'udri, dos pares enamorados e de uma visão mítica da mulher.
Não me atrevo a traduzir este poema, mais elaborado, por isso o mantenho em castelhano:

  • Desnuda un día por el calor, preguntó a sus vecinas:
    Me veis como él me ve o exagera acaso?
    Y riéndose entre si le contestaron:
    la persona amada a todos los ojos parece bella.
    Por celos hablaron.
    Tan vieja como el hombre es la envidia.


Notas do (apostador):
            - andalusino(a) é um vocábulo usado pelo arabista Adalberto Alves quando se pretende referir aos naturais da Península ao tempo do al-Andalus. Usa-o para que se não confunda com andaluz(a), atribuído aos naturais da actual Andaluzia.
            - 'udri, quer dizer casta;
            - ibahi, refere-se a sensual.


segunda-feira, agosto 23, 2004

A Feira Quinhentista

Feira Quinhentista, Silves, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira

Diverti-me passeando pelas ruas pejadas de gente que também se divertia, observando e negociando junto das tendas dos cambistas (onde se trocava euros por xilbs, a moeda de conta para a ocasião), dos oleiros, dos padeiros, dos latoeiros, dos "ourives", dos correeiros, dos taberneiros, ou se aglomerava para assistir à passagem de um cortejo, à representação de um auto, à actuação de um grupo de músicos ou de bailarinos, a torneios de espada, e se curvava à passagem de grupos de nobres ou se desviava dos mendigos e das arruaças populares.
Gostei do incentivo da organização ao propor que trocássemos as nossas roupagens habituais do dia-a-dia pelas fantasias de um Camões, de um Gama ou de um Cabral, de um fidalgo, de um bispo ou de um monge, ou de uma simples figura popular. Agradou-me ver o centro histórico animado como nunca antes e confirmar a sua quase natural adaptação a eventos de recriação histórica. Foi bom, também, ver a forma como a população aderiu ao evento e muitos se me dirigiram revelando um certo orgulho por manifestações desta natureza na sua cidade, afirmando a sua concordância e o seu entusiasmo, recordando outro evento desta natureza, há quinze anos atrás, quando do teatro e desfile de rua que evocava a figura do silvense Ibn Qasi.

Mas...
            apesar do respeito pelos profissionais que aqui estiveram e que se limitaram a desempenhar, bem, o que lhes foi solicitado ou exigido, não concordo que se atropele a História e se coloque árabes ou judeus em período manuelino (daqui expulsos por fundamentalismo religioso, a encobrir a cobiça da sua fazenda e seus haveres), para além de outras incongruências de menor relevância. Não me satisfaço ao ver que o que poderia ser uma verdadeira reconstituição, recriando figuras e factos de uma história tão rica como a de Silves (que a maioria da população desconhece, pois não integra os saberes do currículo escolar), se fique pelo mero divertimento e onde, retirando o enquadramento, tudo se assemelha ao que se pode assistir na cidade da Feira ou em Almeida ou Óbidos, em Castro Marim ou Cacela-a-Velha. Não aceito que estas iniciativas se não integrem num plano de desenvolvimento turístico da cidade, afirmando-se pelo rigor e pela diferença, contribuindo para a sua economia e seu desenvolvimento, mas antes nivelando-se pela mediocridade de um cartaz turístico de ocasião, deixado sem critério, nem planeamento, disperso sobre os balcões dos hotéis e restaurantes. Não me conformo com esta concepção de turismo, que se não baseia em estudos de mercado, que não é alvo de trabalhos e projectos, de planeamento, e que os próprios comerciantes locais não valorizam, pois sabem que nada de especial lhes trará mais uma dúzia de cervejas ou refrigerantes, uns quantos postais ilustrados, uns sapatos que se romperam ou umas calças, uma saia ou uma blusa que se sujaram na ocasião da visita, por turistas que, à noite, regressarão aos seus hotéis ou apartamentos, longe desta cidade, pois aqui não há outra oferta.

Que venham mais recriações históricas! Que se planeie uma indústria turística de cariz histórico e ambiental! Que se valorize o que de melhor Silves tem para dar!

Esta minha crítica não é a da má língua, nem motivada por quaisquer ditames de ordem pessoal ou partidária, mas tão só o meu modesto contributo para uma reflexão que é urgente que se faça.


sexta-feira, agosto 20, 2004

O al-Andalus

A civilização do al-Andalus, que se afirmou a partir do califado de Córdova (séc. X) e influenciou os povos que hoje constituem os estados de Portugal, Espanha e Marrocos, foi o tema unificador deste encontro de 54 indivíduos, de sete diferentes nacionalidades, que aqui se reuniram em Xauen sob a égide da Fundação al-Idrisi (hispano-marroqui).

Xauen é uma cidade privilegiada como repositório das memórias dessa civilização, preservadas pelas condições geográficas que a isolam no interior das montanhas do Rif, sobre o Mediterrâneo, onde se desenvolveu um dialecto próprio, com sintaxe e vocábulos cujas origens se confundem no romance e nos falares dos povos que há milénios sulcam as vias deste Mar, alimentados mais tarde pelos expulsos dos territórios da Península Ibérica, com particular destaque para os filhos de Granada.
Subsistem costumes e tradições judaicas, onde se inscreve o azul tão característico de Xauen.

Pintando de azul, Xauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira

Encerro por agora o tema. Regressarei quando a ocasião se proporcionar, como, aliás, sempre assim foi desde o primeiro post, há mais de um ano.

Xauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta OliveiraXauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta OliveiraXauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira
Xauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta OliveiraXauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta OliveiraUad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira
Uad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta OliveiraUad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta OliveiraUad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira

P.S. Clicando aqui poderá aceder a mais das minhas fotografias de Xauen.


quinta-feira, agosto 19, 2004

Tão próximos, apesar da História

Sardinhada em Uad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira
As sardinhas, já comidas, o galheteiro, a conversa fácil, entre portugueses, marroquinos e espanhóis

Escrevi com data de 7 de Agosto:

  • Acabei de almoçar sardinha assada e uma óptima salada de pimento e tomate, regada com azeite e vinagre.
    Aguardo o café.

    Estou numa esplanada sobre o mar, Mediterrâneo, em Uad Lau, no Norte de Marrocos.

    Emociono-me ao vivenciar este quadro tão português, num outro lugar e numa outra cultura, a centenas de quilómetros de distância, na outra margem do Mar.

    Perguntava a Fátima Zahra e a Abdulila, a meu lado:
                - Se retirardes estas casas sobre a praia, e a sua arquitectura, que são matéria cultural, que diferença há entre esta vossa praia e este vosso mar e a minha praia e o meu mar? Que diferença há entre nós, nesta praia sobre o mar?

    Somos tão próximos, apesar da História!



quarta-feira, agosto 18, 2004

Um casamento em Xauen

Ainda um outro trecho retirado do meu registo de memórias:

  • (...)
    À noite vesti uma roupa mais vistosa do que o habitual, perfumei-me com maior profusão e fui ao casamento de Nuredin, o meu professor de árabe.
    Receberam-nos com alegria. Fomos apresentados à noiva numa sala especial de recepção. Dançámos sob o olhar atento das mulheres marroquinas, menos curioso, apesar de tudo, do que o das suas filhas. Algumas, mais atrevidas, juntaram-se-nos a dançar; confidenciaram-me ser emigrantes em França.

    As mulheres e as filhas sentadas em torno do salão, os rapazes concentrados junto à orquestra de temas românticos de sabor fora de época, os bolos de amêndoa e o chá de menta.

    Não fossem as roupas das mulheres e o chá de menta em vez do alcool e dir-me-ia num casamento português, na província, há uns anos atrás.


As restrições religiosas à reprodução da figura humana dificultam as fotografias. Não as tenho do casamento de Nuredin. A de ontem, das crianças na rua, tirei-a sob as arcadas de um café, resguardado dos seus olhares. As de hoje, obtidas num mercado, foram bem mais fáceis:
- a primeira, por motivos óbvios;
            Mercado em Uad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira
- a segunda, porque a atenção dos protagonistas estava demasiado ocupada nos "saldos".
                              Mercado em Uad Lau, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira


terça-feira, agosto 17, 2004

O encanto das primeiras impressões

Uma rua em Xauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira
Deixo os óxidos amarelos da Igreja de Santiago, em Tavira, para vos apresentar os azuis de Xauen.
Do registo de memórias retiro este trecho das minhas primeiras impressões:

  • (...)
    Resguardada no interior das montanhas do Rif, Xauen tem esse encanto de um passado que se confunde com o meu, quando menino, na pequena aldeia de Alcantarilha, brincando pela tarde, até ao toque das "Trindades", aqui o canto do almuadem, numa rua recheada de crianças, experienciando o mundo envolvente e as cercanias.
    Crianças em Xauen, Marrocos, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira
    As gentes de Xauen têm essa meninice simpática e deslumbrada, curiosa com o que lhe é estranho, sorrindo, cumprimentando, tentando aproximar-se de quem os visita, recebendo e acolhendo com uma sinceridade que não é isenta de algum interesse, se bem que venial e cativantemente inocente.



segunda-feira, agosto 16, 2004

Regressei

Deixei, junto às memórias de viagem que fui registando, um texto final em jeito de síntese:

  • O que mais me surpreendeu nesta minha viagem a Xauen, no Norte de Marrocos, não foi o exótico ou o que de oriental tem a cultura muçulmana, mas antes aquilo com que me identifico e que me é mais próximo, afinal o que me motivou para a viagem, e tem a ver com o passado comum e esta idiossincrasia mediterrânica.

Igreja de Santiago, Tavira, Agosto 2004, © António Baeta Oliveira

Este final de semana, de passeio por Tavira, o que me surprendeu o olhar foi a Igreja de Santiago, a do apóstolo da Península Ibérica e padroeiro da "Reconquista".

O seu arquitecto deixou marcas evidentes do seu gosto mediterrânico, quase bizantino diria eu, "traindo" o visigodo "reconquistador" de Tavira e a sua Ordem de Santiago, que pouco ou nada deveria apreciar destas terras e destas gentes do Sul, que tanto gostam destes óxidos amarelos (e azuis) que se desenham na alvura da cal.