quarta-feira, maio 28, 2008

Nas margens da poesia (III)

Hoje, da antologia da III Bienal de Silves, um poema a Silves:

  • as-Shilb

    Já te foi tão próxima essa morada de leões e de gazelas
    junto à gafaria, a solidão das fronteiras
    onde o sussurro do branco se corrói
    exercitando-se horto no coração transmudo
    das mulheres níveas e morenas.

    Hoje sabes que o mistério da luz açoita os olhos
    até que o canto de al-mutamid corra o interior das gusas
    que alimentam tendões de colos cortados
    batendo por dentro das bocas para ostentar a flor
    mas nada te preencherá a cegueira
    das fábulas na margem do arade
    a taifa rebelde rasgando a intimidade dos deuses
    pela insídia da cor da terra e dos espaços ermos.

    Frutificarás então artéria sísmica
    do amarelo envelhecido e que alumbra ancestral
    em opulência de imprevisíveis astros
    que irradiam um cheiro a tâmaras nocturnas
    sob a sede guardada em casulos abertos nos lábios do sal
    um espaço errático igual aos meandros da água
    o sulco da pedra como um covil
    em que o poeta acúleo tangia cordas de alaúde.

    Quem guardará na cozedura sublime dos fornos
    a cintilação das pequenas ruas na perfuração das muralhas
    que se tornam uma mantilha de ouro sob os céus?

João Rasteiro
Nas margens da poesia
Câmara Municipal de Silves, 2008

segunda-feira, maio 26, 2008

Nas margens da poesia (II)

De novo em torno da antologia da III Bienal de Silves. Trago-vos alguém que já constava na lista de poetas deste meu blog e que conto entre os meus amigos.

  • Na praia os óculos de sol dão jeito

    Faria de ti
    a minha musa
    não fosse a tua pose
    de nariz empinado.

    Mas tens mamas rijas,
    cu arrebitado.

    E na hora
    de escrever o poema
    isso faz
    toda a diferença.

manuel a. domingos
Nas margens da poesia
Câmara Municipal de Silves, 2008

terça-feira, maio 20, 2008

Nas margens da poesia

Durante a III Bienal de Sives foi publicada uma antologia que recebeu o título em epígrafe.
Conto seleccionar e trazer-vos alguns poemas, um pouco ao sabor do momento.
Hoje seleccionei um poema de um amigo, natural de Silves, que teve a amabilidade de me oferecer um exemplar autografado.

  • Veraneio

    Tenho o mar à minha frente
    e não sei que fazer
    camones ao sol e não
    marinheiros nesta costa

    Sei de ilhas algures para lá
    deste horizonte imenso e limitado

    - Vai mais um mergulho, querida?

    É Agosto e faz calor

    Não há nada a fazer
    neste Algarve


Paulo Penisga
Nas margens da poesia
Câmara Municipal de Silves, 2008

quarta-feira, maio 14, 2008

Já com Londres à distância

Instalação de Doris Salcedo na Tate Modern, Abril 2008, ©António Baeta Oliveira
Apesar do distanciamento que o tempo gera, não resisto em trazer-vos o que já não podereis ver no mesmo local, porque se tinham iniciado os trabalhos de remoção quando regressei à Tate uma segunda vez: esta enorme fenda, uma instalação da colombiana Doris Salcedo, no grande átrio de entrada da Tate Modern, a provocar pânico ou estupefacção.

Mas o que vos queria mesmo referir foi a promessa que vos deixei, de voltar a comentar sobre a minha visita a Londres, para vos mencionar os impressionistas, que tanto amo.
Por isso mesmo não pude perder, na Royal Academy of Arts, a exposição temporária, que também lá não mais existe - Fom Russia - com as obras primas da pintura da França e da Rússia (1870 - 1925), deslocadas para esta exposição a partir dos museus de Moscovo e São Petersburgo.
Inesquecível!
Não pude fazer fotos, mas felizmente, porque nos últimos dias, consegui o catálogo por um preço acessível á minha bolsa.

Vi também outras obras de Monet, de Degas, de Renoir... na National Gallery e Monet de novo, na sua fase do expressionismo abstracto, na Tate Modern.

La Loge, de RenoirVisitei ainda a Courtauld Gallery, na belíssima Somerset House, em busca de uma exposição temporária - Renoir at the Theater - que reunia pinturas de Renoir e outros autores, nomeadamente Degas, bem como outras obras e documentação variada sobre a vida mundana relacionada com o teatro, e tendo como peça central este quadro de Renoir que a minha objectiva guardou, com autorização expressa do vigilante de serviço, mas sem flash.

Auto-retrato, Van GoghE foi ali, na Courtauld, que mais me impressionei com a variedade e qualidade dos pintores do final desse século XIX e inícios do século XX, na exposição permanente mais representativa desse período que alguma vez pude observar e onde me permitiram reter, na minha "câmara obscura", este auto-retrato de Van Gogh.
Ali, postados na minha frente, por tanto tempo quanto quis, enchendo-me de uma alegria e de um prazer enormes, que não sei descrever, mas vos traduzo numa citação de Picabia (1951), exposta numa parede da Tate, que anotei e agora transcrevo:

I've always loved to amuse myself seriously.

quinta-feira, maio 08, 2008

Guitarra

Passeando ainda a memória pelo fim-de-semana passado, que motivou o meu último post, dedico a Pepe, o homem da guitarra, este poema de Lorca, numa tradução de Eugénio de Andrade; desta feita numa fusão luso-espanhola.

  • Guitarra

    Começa o choro
    da guitarra.
    Quebram-se os copos
    da madrugada.
    Começa o choro
    da guitarra.
    É inútil calá-la.
    É impossível
    calá-la.
    Chora monótona
    como chora o vento
    sobre a nevada.
    É impossível
    calá-la.
    Chora por coisas
    distantes.
    Areia quente do Sul
    pedindo camélias brancas.
    Chora flecha sem alvo,
    tarde sem manhã,
    e o primeiro pássaro morto,
    nas ramadas.
    Oh guitarra!
    Coração malferido
    por cinco espadas.

Eugénio de Andrade
Poemas de Garcia Lorca
Fundação Eugénio de Andrade

quarta-feira, maio 07, 2008

Fusão hispano-marroquina

Estive, no passado fim-de-semana, num encontro de culturas em torno da figura do geógrafo medieval Al-Idrisi.
A foto abaixo, batida com a câmara do telemóvel, documenta um momento de um ensaio, a que tive o privilégio de assistir, em que se cruzaram os ritmos e as sonoridades do flamenco e da música tradicional do Norte de Marrocos.

Al-Idrisi, Vila Real de Sto. António, Maio 2008, © António Baeta Oliveira


              Quando as emoções se partilham através da música, fala-se do que as palavras não puderam transmitir.