quinta-feira, março 30, 2006

Um Conto (XXI)

  • Afinal, somos mesmo todos iguais.

    Sacho encontrava-se cercado por um grupo que o ameaçava.
    Um deles apontava Sacho e dizia:
              - «Ele assaltou o homem com uma pistola e fugiu com a carteira, o relógio e o telemóvel.»
              - «Tem a certeza de que foi este homem o assaltante?», perguntei em voz alta.
              - «A certeza não tenho. Eles são todos iguais.», retorquiu, com o esgar de um sorriso trocista.
    Sacho aproveitou a hesitação e a quebra de atenção que inadvertidamente provoquei e escapuliu-se.
    O grupo dividiu-se numa perseguição pouco voluntariosa.
    Perguntei a um que se me adiantou e que aparentava maior decisão, maior raiva:
              - «Então, os outros? Desistiram?»
    Abrandou o andamento, colocou-se a meu lado e informou:
              - «Ele deve ter-se refugiado no bairro dos búlgaros. Os outros têm medo de lá entrar.»
    Parou. Eu continuei, devagar. Ao fundo da rua olhei para trás. Não avistei ninguém.
    Já sozinho, entrei no bairro. As ruas pouco iluminadas e desertas. Avancei, lentamente; as mãos no ar. Na mão esquerda, bem alto, um jornal. Subitamente o cerco. À minha volta, surgindo de várias direcções, um grupo numeroso, de ar resoluto e confiante, avançava para mim.
              - «Paz! Jornalista!», exclamava eu, repetidamente, simulando bater à máquina e indicando o jornal; mostrando a minha câmara fotográfica.
    Senti que se acalmavam. Por detrás do grupo, à minha frente, vi Sacho, que se aproximava.
    O meu olhar e os meus gestos, os meus monossílabos e frases entrecortadas dirigiam-se agora para ele.

    Consegui marcar uma entrevista para as cinco da tarde do dia seguinte ou julgava ter conseguido fazê-lo.

    No dia seguinte, um pouco antes das cinco, com um amigo que tinha estudado em Sófia e falava búlgaro com facilidade, dirigi-me ao bairro.
    Ali estava Sacho. Com ele, estavam três outros; seus amigos, certamente.
              - «Sacho.», disse ele, apontando para si próprio.
              - «Francisco.», disse eu, imitando o seu gesto.
    Descreveu-me então um país em colapso, sem recursos, sem trabalho. A fome, a miséria, a degradação continuada do seu modo de vida. A necessidade de emigrar, para garantir a sua subsistência e a da família.
    As dificuldades em chegar aqui, o que conseguiu a troco de todas as suas economias, o desconhecimento completo da língua, a procura de trabalho, as dificuldades da legalização, a necessidade de se manter no bairro, junto com os outros, a quem devia os favores dos primeiros dias - a cama, a comida, a partilha das dificuldades, a troca das experiências, a amizade - para se sentir protegido, para se não confundir com um animal acossado, para preservar um pouco da dignidade humana que ainda lhe restava.

    Uma história cujos contornos lembravam o Portugal dos anos 60, as passagens a salto, os bidonville.

    Sim. Fora ele quem assaltara o outro homem, mas não tinha arma nenhuma.
              - «Foi o desespero. Como continuar a alimentar-me, a dormir, a sobreviver, sem um tostão, sem a hipótese de um emprego, por mais modesto e miserável que fosse? Nunca imaginei que um dia fosse capaz de assaltar e roubar.»
    Sacho abraçava um dos seus amigos.
              - «E tu, já assaltaste alguém?», perguntei ao amigo que Sacho abraçava.
              - «Rezo, para que o desespero nunca me faça chegar a tal ponto. Mas eu ainda tenho o meu irmão, que me ajuda. O Sacho nada tem, tão pouco o dinheiro para a posse da arma que inventaram para ele.»

    Até aqui, este texto fora escrito pelo Francisco, que na margem do papel tinha deixado esta nota:
              (Creio que o acto de luta pela sobrevivência é despoletado face a um perigo eminente ou continuado, pelo instinto de defesa do indivíduo ou pelo mito cultural, particularmente em questões de defesa da tribo ou do território.)

    Voltámos ao bairro dos búlgaros, com alguns alimentos e roupa. No regresso a casa, à saída do bairro, um homem esfaqueou o Francisco, enquanto exclamava:
              - «Morre, búlgaro de merda! Julgam que vêm para cá roubar-nos o trabalho?! Isto aqui é Portugal, não é a Bulgária!»
    Eu escapei-me.
    Fugi, tal como Sacho roubara ou o homem esfaqueara; para sobreviver.

    Afinal, somos mesmo todos iguais.


segunda-feira, março 27, 2006

Pelo desassoreamento do Rio Arade

Rio Arade, Janeiro 2006, © António Baeta Oliveira É este rio Arade o protagonista de uma das primeiras, senão mesmo da primeira referência escrita sobre Silves, onde se relata a chegada do sábio Algazalí para tomar uma embarcação, que aqui fora preparada para o conduzir em embaixada ao rei dos normandos (séc. IX); o que pressupõe a existência, à época, de estaleiros navais.
Antes, muito antes da presença árabe, ainda na Idade do Bronze, povos do mediterrâneo sulcaram este rio e, no sítio da Rocha Branca, mantiveram um porto e uma feitoria cujo nome teria dado origem ao actual topónimo - Cilpes. Foi o Arade via privilegiada de contacto com todos os povos que, sulcando o Mare Nostrum, se dirigiam para cá das "Colunas de Hércules". Foi este Arade via de comunicação cosmopolita ao tempo da época mais grandiosa desta شلب (Xilb), nos séculos XI e XII. Foi por esta via que saiu o saque dos Cruzados que apoiaram D. Sancho na sua conquista.
É já na época portuguesa que surgem as primeiras referências ao seu assoreamento, até dele só restar este braço de mar, alimentado pela maré, onde com dificuldade chegam alguns barcos, de baixo calado, e que aqui se quedam com alguns turistas que terão que regressar a Portimão antes que a maré comece a baixar. Nos anos 50 ainda por aqui acostavam barcaças que transportavam a cortiça até ao cais de Portimão, mas já então aproveitando a enchente para subir e a vazante para descer.

Rio Arade, Dezembro 2005, © António Baeta OliveiraHoje, o Arade é este fiozinho de água na maré baixa, a permitir ao proprietário do barco o transporte do seu motor, a vau, sem sequer molhar as calças, protegidas pelas botas de borracha.


É o desassoreamento do seu rio e a sua navegabilidade, sem esquecer a necessária despoluição, a aspiração mais antiga, mais prometida e há mais tempo aguardada pelos silvenses do nosso tempo.

Quanto às benfeitorias, todos sabemos da importância da penetração turística, da vitalização das margens, do desenvolvimento económico, que deveremos saber fazer acompanhar do desenvolvimento social.

Com o intuito de chamar a atenção dos que detém o poder de decidir sobre o desassoreamento do Arade (Governo, Presidente da República, Assembleia da República, CCDRAlgarve e IPTM), está activa uma petição, no endereço que se segue - www.petitiononline.com/silves06/petition-sign.html (basta clicar para aceder ao local).
Fico a contar com a sua assinatura, mesmo que não seja silvense, nem morador da bacia hidrográfica do Arade, mas que tenha sido sensível à agonia deste rio.

P.S.
1. Quem ontem acedeu ao Local & Blogal às 18h45, através da Telepac e com o endereço de IP 85.240.209.#, foi o 50 000º visitante.
2. Apoiando a Petição pelo Desassoreamento do Rio Arade, o blog CONTRASENSO, de Helder Raimundo, está a publicar um "folhetim".
3. Solicita o promotor da petição pelo desassoreamento do rio Arade que os novos subscritores façam figurar o BI em vez de País/Cidade, usando como exemplo a 90ª assinatura.
Mais informação para os que já assinaram, aqui.

sexta-feira, março 24, 2006

Um Cont(inh)o (XI)

Um microconto (cerca de 50 caracteres), como aqui não deixava há muito:


  • Não tenho a certeza se é ele, mas tanto faz. São todos iguais!

quarta-feira, março 22, 2006

O que a luz sustenta(va)

© António Baeta Oliveira, Julho 2005
Lua cheia sobre uma das torres da Alcáçova de Silves


Não fora a urgência que se abateu sobre as árvores de Monchique, apelo que ganha maior repercussão em dia assinalado como DIA da ÁRVORE, o meu post de ontem teria sido o que se segue, porque também ontem foi DIA de POESIA e o primeiro DIA de PRIMAVERA.
É uma prosa poética sobre a luz, que desde ontem ganha ascendente sobre a noite, e onde se recordam algumas árvores e seus deliciosos frutos.

Quem consegue identificar o que a luz produz ou identificar-se, ainda, com o que ela sustenta ou com o que dela resta, depois de morrer a muito custo, nesta descrição do Algarve que a seguir transcrevo?

  • [...]
    Duas impressões se fixam no meu espírito para sempre: a noite extraordinária, a luz maravilhosa. A luz sustenta. Basta esta luz para se ser feliz. É ela que encanta o Algarve. É ela que produz os figos orjais, os coitos, os bracejotes, todos eles amarelos, a estalar de sumo, e destilando um líquido perfumado, e o figo preto de enxaire que se mete na boca e sabe a mel e a luz perfeita. É ela a criadora destas agonias doiradas que vão esmorecendo e passando por todos os tons até morrer a muito custo. E as noites mágicas e caladas, as noites sem lua, muito mais claras que as noites do norte, em que se distingue a brancura voluptuosa das casas e se vêem as estrelas enormes reluzindo através das amendoeiras.

Raul Brandão
ALGARVE todo o mar
(Colectânea)
Publicações Dom Quixote, Lisboa 2005

P.S.
Finalmente sorri, ao ver num cartaz de divulgação da Orquestra do Algarve, o escudo do município de Silves entre os dos associados da Orquestra.


Espero que em breve a Câmara dê também o seu apoio solidário e institucional à Companhia de Teatro do Algarve - ACTA. Estas foram duas das causas mais recorrentes deste blog.

terça-feira, março 21, 2006

Dia da Árvore

© João Cunha

O abate que a foto documenta incide sobre árvores de grande porte que resistiram aos fogos na Serra de Monchique.

É um pequeno vídeo sobre esse fogo e a tristeza do que resta depois de tão grande calamidade que aqui divulgo hoje - Terra Queimada - (basta clicar), com um abraço ao João, seu autor.

As árvores que ainda restam junto à estrada, ou já se confrontaram com o seu destino, como na fotografia acima, ou estão marcadas para morrer, como se ilustra aqui (clique, por favor).

Esta tem sido uma causa da Manuela e do João, no seu blog e junto das autoridades, das associações ambientais e dos partidos políticos, sem consequência.
Só nos blogs teve algum eco, nomeadamente em Dias com Árvores, onde Manuela Ramos mostra a fotografia de um Quercus canariensis, classificado em 1993, que se encontra na E.N. 267 - a referida "estrada do Alferce"- ao Km. 32,820, dando exemplo de um procedimento correcto.

Você, que nos lê, poderá ter alguma influência no desenlace deste episódio.
Proteste junto da Câmara de Monchique (Clique para o envio de um email)

P.S.
Segue o texto do meu email, que pode ser usado por quem quiser:
Sr. Presidente,
Escrevo para lhe dar conhecimento da minha preocupação sobre o destino de algumas árvores de grande porte que estão marcadas para abate nas estradas que conduzem à Fóia e ao Alferce.
Hoje é DIA da ÁRVORE, lembre-se delas quando discursar junto das crianças das escolas.
Cumprimentos
António Baeta Oliveira

segunda-feira, março 20, 2006

Equinócio da Primavera

Hoje, pelas 18h25, para as coordenadas de Silves, o Sol irá atingir o equinócio vernal; começa a Primavera.

Canteiro de amores-perfeitos, Janeiro 2006, © António Baeta Oliveira

O tempo apresentar-se-á instável e a prometer chuviscos, contrariamente à fotografia, que embora tirada em Janeiro passado prenunciava uma Primavera bem mais colorida do que a que se conseguirá avistar às primeiras horas da nova estação.
Não é de desanimar, a chuva também cai na Primavera ou não mais Abril seria Primavera, por causa do provérbio - Abril, águas mil.
O Sol chegará! Talvez já no próximo fim-de-semana, em vésperas de mudança da hora, que ocorrerá à 1 hora de Domingo.

Se não chegar, nada de estranho acontece. Primaveras chuvosas motivaram o poeta:

  • Primavera

    Nesta primavera, a chuva tem caído como se fosse
    uma primavera de Londres, húmida e mole,
    e não a primavera meridional, amena e doce,
    com nuvens e vento, mas sempre com luz e com sol.

    Os gatos não saem de ao pé da janela, detrás
    dos vidros, vendo as gotas escorrerem por fora,
    como se suspirassem pelo fim dessa paz
    doméstica, ansiosos por saírem a qualquer hora.

    No entanto, as grandes nuvens estendem-se pelo céu;
    por vezes, um trovão interrompe o pensamento.
    O cinzento derrama-se como um espesso véu,
    ajudado pelo tédio que empurra este vento.

    Assim, de manhã, nem abro a janela:
    tão escuro é o dia lá fora como cá dentro;
    e só o espírito, por inércia, o tempo revela
    se alguém pergunta onde fica o centro?

Nuno Júdice
Meditação sobre Ruínas (1994)
Poesia Reunida (1967-2000)
Publicações Dom Quixote, Lisboa 2000

sexta-feira, março 17, 2006

O Massacre de Lisboa

© Hebrew Union College
© Hebrew Union College, cedido por Nuno Guerreiro, de Rua da Judiaria


A 19 de Abril, passarão 500 anos (1506-2006) sobre a data em que Lisboa viveu um terrível e bárbaro acontecimento, que se prolongou por mais dois dias, e onde foram queimadas vivas milhares de pessoas (homens, mulheres e crianças), lançadas à fogueira por uma multidão em fúria. Fúria alimentada pelo preconceito, pela ignorância, pela intolerância religiosa, instigada por oportunismos políticos, religiosos e económicos que culminaram na expulsão dos judeus e mouros e, mais tarde, na Inquisição.

Relembro as visões terríveis de gente a arder, os gritos de dor, o choro dos familiares e dos amigos, a náusea do cheiro a carne queimada durante dias, o andar fugido, por telhados, por lugares remotos, como o herói da narrativa de O Último Cabalista de Lisboa, um romance histórico, de Richard Zimler, americano residente em Portugal, e cuja leitura aconselho vivamente, pois trata este massacre, certamente com base na descrição histórica do Guarda-Mor da Torre do Tombo, o grande humanista português Damião de Goes.

É importante reflectir sobre a xenofobia e o racismo, sobre os medos que se geram por tudo o que sai da norma, sobre todo aquele que é diferente do vizinho, do amigo, e a quem olhamos de soslaio, prontos a acusar de todos os males que sobre ele projectamos.
As causas que geram estes fenómenos estão aí, prontas a incendiar-se quando as condições o propiciarem e elas alimentam-se da ignorância. Não se pode gostar do que se não conhece. É importante conhecer para ultrapassar a barreira da língua, a barreira do costume ou do trajar, a barreira da crença, a barreira da cor da pele, a barreira do sexo ou da opção sexual, a barreira d...
É imprescindível conhecer para integrar.

Aconselho a leitura do post de Nuno Guerreiro, no seu blog - Rua da Judiaria (clique no sublinhado), que me lembrou esta data que não pode passar em branco.

quarta-feira, março 15, 2006

Palácio dos Balcões

Alcáçova de Silves, Fevereiro 2006, © António Baeta Oliveira

Terminou o blog Palácio dos Balcões. O seu autor promete mesmo retirá-lo "do ar".

Termina como começou:

  • O Palácio do Balcões

    Saúda, por mim, Abu Bakr,
    os queridos lugares de Silves
    e diz-me se deles a saudade
    é tão grande como a minha.
    Saúda o Palácio dos Balcões,
    da parte de quem nunca o esqueceu,
    morada de leões e gazelas
    covis de sombras onde
    doce refúgio eu encontrava
    entre ancas opulentas
    e tão estreitas cinturas.
    Mulheres brancas e morenas
    que em minha alma
    faziam o efeito de espadas refulgentes
    e das escuras lanças!
    [...]


    Al-Mutamid, Rei de Sevilha, Séc.XI

    O Palácio dos Balcões (Ksar Ash-Sharajibe) é a âncora dos Orientes sonhados. É o paradigma máximo dos contos de mouras encantadas, de nascentes douradas por canções mouriscas. É a recordação desse povo que veio alegrar uma península acabrunhada, que nos apresentou à poesia, à música, à dança, que nos trouxe mulheres escuras e de cinturas finas, que nos iluminou com os sábios gregos e o sofismo oriental. O mítico Palácio dos Balcões, em Silves, é o farol de um mundo imenso. De Marraquexe a Calecute, de Atenas a Nanquim.

João Delgado, autor do blog, e do texto que se segue ao poema de Al-Mu'tamid, não tem, segundo julgo saber, nenhuma relação particular com Silves. O que nos diz do Palácio dos Balcões chegou-lhe por via do saber, do conhecimento, da cultura; esse factor que nos torna capazes de ver o mundo com outros olhos além dos nossos e de partilhar esse olhar com os outros.
Agradeço, como silvense.

شُكْرًا (xukran), obrigado, caro João Delgado!

segunda-feira, março 13, 2006

O deserto cultural

Teatro Mascarenhas Gregório, Setembro 2005, © António Baeta OliveiraSim, meus amigos.
A cidade de Silves, tantas e repetidas vezes rotulada de Capital Algarvia da Cultura pela Sra. Presidente da Câmara, é um deserto cultural.
Nada de relevante acontece em Silves desde 1 de Janeiro de 2006.
Penso, por vezes, que a Sra. Presidente pretende alargar aquele conceito de capital da cultura incluindo a vizinha cidade de Lagoa, de tão próxima (escassos 6 km), pois não fora a actividade cultural que ali tem lugar todas as semanas eu já teria morrido de tédio e, como eu, alguns outros silvenses que ali se deslocam com alguma frequência, à falta de alternativas locais.

Silves nunca assistiu a um espectáculo do seu grupo de teatro regional, a ACTA, nem a qualquer actuação da sua orquestra regional, a Orquestra do Algarve. A justificação (desculpa) recaía sobre a falta de infra-estruturas culturais, que entretanto os outros municípios, Lagoa por exemplo, foram construindo. O ano passado foi inaugurado o velho Teatro Mascarenhas Gregório, em vésperas de eleições autárquicas, para logo fechar e se manter fechado ao grande público. Mesmo esta reconstrução não vem suprir as necessidades de um auditório, que só não se torna imperioso, porque a cidade, de tão adormecida culturalmente, não chega a sentir a sua falta.

Como se há-de sentir falta ou gostar do que se não conhece!?

Isto vem a propósito do desgosto que senti, neste final de semana, por não ter podido partilhar com outros cidadãos de Silves o prazer que me deu a audição do concerto da Orquestra do Algarve, em homenagem a João de Deus, na Igreja Matriz de São Bartolomeu de Messines, por iniciativa e exclusiva responsabilidade da Caixa de Crédito Agrícola local.


Oquestra do Algarve na Matriz de Messines em homenagem a João de Deus, Março 2006, © António Baeta OliveiraA foto foi batida com a câmara do meu telemóvel e não faz jus a uma igreja repleta de gente; de gente simples, de gente comum, que aqui compareceu a esta homenagem ao seu mais ilustre conterrâneo e vibrou aos acordes da Abertura da opereta O Morcego, de Johann Strauss Jr., e riu, prazenteiramente, com as sonoras gargalhadas, expressivamente entoadas pela voz da soprano Ana Paula Russo, em Mein Herr Marquis.


É com uma orquestra regional, conhecedora da sua região e da sua gente, que se pode trabalhar em repertórios que, sucessivamente, vão conquistando públicos e formando ouvintes, como já aqui dizia o ano passado, em post que intitulei Silves e a Orquestra do Algarve, e que ainda se pode ler, clicando no sublinhado atrás.

À saída do concerto e a este propósito, um responsável camarário afirmou-me que, a partir de Maio, a Orquestra do Algarve terá concertos para Silves e apoio institucional da autarquia.

Já não era sem tempo!
Finalmente!

P.S.
Esta ideia de restaurar edifícios para os manter fechados, parece revelar uma preocupante tendência da autarquia. Veja-se o caso do Teatro Mascarenhas Gregório, citado atrás, e o do CELAS (Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves) (clique, para informação complementar), que continua fechado há meses, sem ser atribuído à instituição para a qual foi concebido e justifica o restauro do edifício anterior (o antigo Matadouro Municipal). O CELAS continua teimosamente fechado, sem servir nada nem ninguém, apesar de decisão judicial contrária às intenções da autarquia, que também não conta com parecer favorável da Assembleia Municipal.

sexta-feira, março 10, 2006

"Food Force" é mais do que um jogo

À atenção de pais e educadores.

A WFP (World Food Programme), uma organização das Nações Unidas na luta contra a fome no mundo, concebeu um jogo de vídeo em que o utilizador passa a integrar uma equipa de intervenção, numa determinada zona do globo afectada pela seca e pela guerra civil.
Compete à equipa fazer chegar às populações o indispensável apoio alimentar, em plena situação de crise, e trabalhar na aplicação de programas que visam o desenvolvimento sustentado da região.
O jogo, com os atractivos de uma missão perigosa, com a necessária dosagem de aventura, conta já com mais de três milhões de utilizadores em todo o mundo.
O site, da responsabilidade da própria WFP, PAM (Programa Alimentar Mundial), em português, dá sugestões de apoio pedagógico a professores sobre a forma como utilizar o jogo em situação escolar, alertando para o problema da fome no mundo, fomentando o despertar do espírito de voluntariado e de solidariedade para com os que são vítimas do flagelo da fome.

Saiba mais, clicando em:

Food Force

quarta-feira, março 08, 2006

A (de) João de Deus


© www.universal.pt


Lembrando o lírico maior deste meu Algarve, em dia de seu aniversário.

  • PÁTRIA

    Como o pródigo volta ao lar paterno
    Desenganado do que em vão procura,
    Eu já desfalecido nesta lida
    de sonhos sobre sonhos de ventura,
    Desejava dormir o sono eterno
    Abrindo junto ao berço a sepultura!
    Fechar em suma o círculo da vida
    No saudoso ponto de partida!

    Chegado pois, Senhor, aquele dia
    Que se me apague a luz que me alumia,
    Deixai-me descansar onde repousa
    Meu santo pai, e sua eterna esposa
          - A minha santa mãe!
    Ser-me-á assim mais leve a fria lousa...
    Que a terra onde se nasce é mãe também!

João de Deus
ALGARVE todo o mar
(Colectânea)
Publicações Dom Quixote, Lisboa 2005


P.S.
Amanhã, 9 de Março, pelas 21h30, na Igreja Matriz de São Bartolomeu de Messines, em homenagem a João de Deus, Concerto pela Orquestra do Algarve.

segunda-feira, março 06, 2006

Silêncios do som da chuva

© António Baeta Oliveira

  • O silêncio que sai do som da chuva espalha-se, num crescendo de monotonia cinzenta, pela rua estreita que fito. Estou dormindo desperto, de pé contra a vidraça, a que me encosto como a tudo. Procuro em mim que sensações são as que tenho perante este cair esfiado de água sombriamente luminosa que [se] destaca das fachadas sujas e, ainda mais, das janelas abertas. E não sei o que sinto, não sei o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou. (...)

Bernardo Soares
Fernando Pessoa
Livro do Desassossego
Assírio & Alvim, Lisboa 2005

sexta-feira, março 03, 2006

Controlar as Armas


www.amnistia-internacional.pt

No próximo dia 18 de Março, no Parque das Nações, irá decorrer uma acção da campanha Um Milhão de Rostos (clique), à qual já juntei o meu próprio rosto, na luta pelo controlo do armamento.
Esta campanha remete para uma outra, a propósito da violência sobre as mulheres (clique) e outra ainda que, apesar do mesmo tema, incide sobre o caso particular das mulheres nigerianas (clique).

Aqui fica este apelo à sua intervenção e, caso pretenda mais informações acerca da Amnistia Internacional (Secção Portuguesa), clique, por favor, na ilustração inicial.
Bem haja!

quarta-feira, março 01, 2006

Quarta-feira de Cinzas

Que significado terá ainda a Quaresma, neste Portugal que as estatísticas oficiais continuam a afirmar como católico, numa maioria próxima dos 90%?
Quantos, de entre estes 90%, conviverão com as privações do jejum e da abstinência, com o recolhimento interior e a oração, qual Ramadão neste lado do Mediterrâneo?
O "catolicismo" da grande maioria parece-me ser o da convenção social, pelos casamentos e funerais, e o da crendice pagã, próxima da bruxaria dos amuletos e do contrato de promessas, na esperança do milagre.

Creio que muito pouco da mentalidade preconceituosa e convencional se terá alterado desde o 25 de Abril.
Se, dantes, a palavra embatia contra a parede da censura oficial e o receio da polícia política, hoje ela choca contra os muros do alheamento e da ignorância, da censura social conservadora e provinciana, da hierarquia dos doutores, com um só olho, de quem se espera as soluções que nunca chegarão.