sexta-feira, novembro 28, 2003

As religiões e a Constituição Europeia

Klepsýdra, no post a que aquele link dá acesso e cuja leitura aconselho para um melhor esclarecimento, refere-se a esta questão bem polémica.

Já por aí circulam abaixo-assinados exigindo a inclusão de uma referência ao Cristianismo na futura Constituição Europeia.
Acho que uma constituição deve servir para unir e não para separar. A referência ao cristianismo numa Europa que se quer tão vasta quanto o próprio continente europeu, não deve usar referências onde as populações não se revejam.
Se a questão tem a ver com a herança religiosa, creio que o preâmbulo da proposta de constituição já o faz e bem:

  • " (...) Inspirando-se nas heranças culturais, religiosas e humanistas da Europa, cujos valores, ainda presentes no seu património, enraizaram na vida da sociedade a sua percepção do papel central da pessoa humana e dos seus direitos invioláveis e inalienáveis, bem como o respeito pelo direito. (...) "


Afirmar mais do que isto é dividir.

Se há coisas que separam as pessoas são as discussões em torno das convicções religiosas, partidárias ou futebolísticas, porque todos têm uma palavra a dizer e ninguém precisa de fazer prova das suas afirmações, porque também já o outro disse que....

NOTA: Pode aceder ao texto da proposta de Contituição Europeia utilizando este link, se bem que em formato .pdf para a língua portuguesa (PT).


quinta-feira, novembro 27, 2003

O consumo de água


Junto com a factura do consumo de água, por iniciativa da Câmara Municipal de Silves, os munícipes estão receber um folheto que pretende estimular a poupança deste precioso bem. O meu aplauso!

Acontece que o folheto não faz a mínima referência à larga utilização de água potável, da rede de consumo público, que é utilizada nas piscinas particulares, a maioria delas registadas como tanques para a rega, sem que ninguém se incomode com isso. Menos ainda há referência à forma como os campos de golfe sediados ou ainda a construir no concelho irão proceder no que se refere ao consumo de água. A talho de foice pergunto-me: será que as piscinas municipais não utilizam água potável?
Mas isso é assim por todo o lado, dirão.
Pois é.

Obrigado pelo conselho, mas o que é certo é que "Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão."


terça-feira, novembro 25, 2003

Ainda o Iraque

Ainda o Iraque, porque nunca é de mais reforçar o que se sabe e se não quer ouvir, porque os factos também se interpretam.
Vital Moreira em Persistir no Erro - título de um seu artigo no Público de hoje - fala também da sua interpretação dos factos:


  • " A cada dia que passa, os apoiantes do belicismo estado-unidense são obrigados a reconhecer que nenhuma das justificações para a intervenção no Iraque resiste à prova dos factos. Nem armas de destruição em massa, nem ligações às redes de terrorismo internacional, nem democratização espontânea, nem golpe decisivo no
    terrorismo.
    (…)
    Afinal, o Iraque estava completamente limpo das acusações em que se baseou a invasão. "


São ou não são factos?
Contudo, dirão alguns...


segunda-feira, novembro 24, 2003

A Xantarim e a Ibn Bassam

Santarém, NOV2004 © António Baeta Oliveira
Santarém: do Tejo, da Lezíria e do Outono

Regressei de Santarém, onde procurei memórias de Ibn Bassam e da sua Xantarim. Dessa civilização encontrei um dos mais belos capitéis, em mármore, que alguma vez pude ver e o topónimo árabe - Xantarim - no nome de um bar, numa ruela próxima do Beco do Isaac, a lembrar tempos medievais de vizinhança judaica, muçulmana e cristã. De Ibn Bassam e da sua poesia não encontrei nenhuma referência pública. Scalabis parece sobrepor-se a Xantarim entre os escalabitanos da Santarém do nosso tempo, apesar dos doces tradicionais, ditos conventuais, as arrepiadas e as celestes, em amêndoa, tão semelhantes aos doces do meu Algarve mouro.

Eu rememoro, nestes seus versos,

    IBN BASSAM, de Santarém

  • VEM DAÍ, deixa lá esse torpor,
    Que o que agora conta e tem valor
    É a amada, linda como a lua,
    E teres sempre cheia a taça tua!
    Não te embarace tanto nevoeiro
    Que sobre jardim e vinho vai pairando.
    Estares presente é o dever primeiro
    E logo o jardim se irá mostrando.


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987


segunda-feira, novembro 17, 2003

Ibn Harbun, de Silves

Vou estar ausente, muito provavelmente sem possibilidade de contacto com os blogs, até segunda-feira (24). Estarei por Santarém e, se porventura, encontrar a Joaninha dos Olhos Verdes, podeis crer que nada revelarei desse nosso encontro, a não ser que Ibn Harbun (*) o tenha feito por mim:


  • AQUELA JUVENTUDE me deixou
    De mim se afastando respeitosamente.
    Ficaram cabelos brancos que contrariados
    Apenas buscaram humilhar-me:
    Parece que ao vê-la os meus olhos
    Sentiram cor de cal aferventando.


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

(*) Ibn Harbun viveu em Silves no período almoada, o último da presença islâmica em Portugal. Este período corresponde ao tempo da formação e consolidação da monarquia portuguesa e das suas fronteiras. Uma das personalidades responsáveis pela vinda dos almoadas para a Península foi Ibn Qasi, líder político, militar e religioso, de Silves, (que dominava um vasto território, que se estendia para Norte até Évora e para Leste até perto de Sevilha) que com eles se aliou para expulsar os almorávidas. É curioso que, reconhecendo o seu erro, tenha parlamentado com Afonso Henriques visando a expulsão dos almoadas, o que lhe veio a custar a vida; foi decepado pelos partidários daquela facção na alcáçova de Silves, na mesma que, ainda hoje, é o ex-libris da cidade.
(Nota do apostador)


quinta-feira, novembro 13, 2003

Hoje, fico n'A Sombra

Os casos mais controversos destes últimos tempos na blogoesfera, no que se refere à realidade portuguesa, no meu entender, foram os que se relacionam com os estudantes e com o envio do contingente da GNR para o Iraque.
Li, como certamente aconteceu com todos vós, bastantes comentários, variados e controversos, que me ajudaram a construir a minha actual opinião.
De entre todos, os que melhor corresponderam aos meus pontos de vista foram, curiosamente sobre ambas as situações, os referidos por Rui Semblano n'A Sombra:


Quis partilhá-los convosco.

Mudando de assunto, mas mantendo-me n'A Sombra.
Algumas referências, em alguns blogs, aos resultados a certos inquéritos reveladores da personalidade, despertaram-me alguma curiosidade.
Também quis saber qual dos deuses gregos seria eu e verifiquei a minha semelhança "outonal" :-) com a autora de Little Black Spot, permanecendo n'A Sombra.

Morpheus
Morpheus

Which Of The Greek Gods Are You ?
brought to you by Quizilla

Quero no entanto revelar que, no que se refere à personagem do Matrix, já não nos correspondemos na mesma figura; saí contemplado com o Oráculo, no qual, sinceramente, não me sinto muito reconhecido. Mas também não seria esse Morpheus.

"É verdade que somos vizinhos. Que é mais fácil tropeçarmos assim nesse fio quase invisível das cumplicidades", diria o José Carlos Barros. Por isso, hesitei. Mas decidi-me. Porque não, se gosto tanto?
Recomendo-vos uma viagem até Um pouco mais de Sul, começando quase no paraíso e prosseguindo, por ali acima, pelos fins de tarde, pelos vários jardins, até Milton ou ao que ainda estiver por vir, de José Carlos Barros.


quarta-feira, novembro 12, 2003

Pluralidade de opinião e Liberdade

O alerta para o recurso à "modalidade de um único comentador permanente ao serviço informativo, para a qual escorregaram recentemente as televisões privadas", e ainda para a "perigosa concentração e cartelização que se vive em Portugal no tocante à propriedade dos meios de comunicação social" lançado por Fernando Rosas em O Discreto Sequestro da Liberdade de Expressão, no Público de hoje, despertaram a minha atenção.
Como queria que aquele alerta permanecesse neste blog para além do tempo de vida daquele link, devidamente direccionado para o texto em causa, mas que sei que irá deixar de vigorar dentro de pouco tempo, transcrevi duas frases que me mereceram uma atenção especial, independentemente de outros pontos de vista que não partilho com o seu autor.

Permitam-me que vos direccione ainda para um outro local que me despertou uma atenção bem especial e onde também estão em causa a pluralidade de opinião e a Liberdade. Abram os Olhos!


terça-feira, novembro 11, 2003

Fechado para Inverno

Praia de Armação de Pêra, FEV2003 © António Baeta Oliveira

É neste abandono que a praia ganha outro encanto. Longe do bulício do Verão. Ausente de multidões; quase poderia chamar-lhe minha. O sol já só aquece a roupa que trago vestida; exposto, tenho frio. A meu lado, duas gaivotas confraternizam, sem receio. Leio, mas a paisagem interfere nos meus pensamentos. Corta-me as sequências, retira-lhes lógica. Perco-me, não entendo. Adormeci?

Lá em cima, na vila, também tudo me parece dormente. Na rua, nem vivalma. Os blocos de apartamentos estão vazios. O vento traz-me areia aos olhos. Restos de um jornal parecem dançar, volteando no ar.

Falam-me de um Plano cuja execução "levanta sempre dúvidas, nos interesses que acolhe e naqueles que enjeita...". Referem uma vila junto ao mar onde se constrói, se continua a construir, se construirá ainda mais, mesmo sabendo que a praia não irá alargar. Descrevem uma terra com "prédios fantasmas de Inverno, esventrada de valores urbanísticos e de qualidade de vida para os residentes, anuais"; dizem de "uma edilidade que parte do princípio que é uma chatice ter no Concelho uma terra como Armação".

Nota: Os textos entre aspas foram transcritos de Voz de Silves, edição de 5.11.2003.


segunda-feira, novembro 10, 2003

Contributo para a compreensão dos países árabes

Lendo a última edição do XARAJÎBE, revista do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, recentemente publicada e praticamente dedicada às intervenções que tiveram lugar durante os colóquios da Semana Cultural Egípcia, que aqui decorreu entre 8 e 15 de Setembro de 2001, apeteceu-me transcrever parte do discurso da sua presidente da direcção, Ana Maria Mira:


  • " Durante quase oito séculos, o Andalus viveu o espantoso desenvolvimento científico, técnico e cultural que foi apanágio do mundo árabo-islâmico. Na sua sede de conhecimento, os sábios árabes e muçulmanos não só traduziram e integraram os conteúdos das obras oriundas do Oriente, da Pérsia, da Mesopotâmia, da Grécia, da Índia, da China, e de outras regiões, como as ultrapassaram em inovações em vários domínios, tanto no campo da medicina, da geometria, da astronomia, das ciências naturais, da linguística, da filosofia, e tantos outros, enquanto, durante esse período, a Europa permanecia como que adormecida, estagnada, desgastando-se em permanentes lutas pelo poder.
    Nessa época o árabe era a língua da ciência e da cultura, e até a Bíblia, no Andalus, era mais frequentemente escrita e lida em árabe do que em latim.
    E foi pela porta do Andalus que todos esses saberes se foram progressivamente transmitindo a uma Europa que começava a abrir-se ao Renascimento. Lembremos a escola de tradutores de Toledo, fundada por Afonso X, o Sábio, destinada precisamente à tradução dos escritos árabes para castelhano, com a colaboração comum de cristãos, muçulmanos e judeus.
    E lembremos a importância fundamental de muitos desses conhecimentos nos domínios da cartografia, da astronomia, dos instrumentos de navegação, como a bússola, o astrolábio, e tantos outros, na gesta dos descobrimentos.
    Todo este movimento científico-cultural vai prosseguir e prosperar na Europa, no outro lado do Mediterrâneo, mas já sem a participação dos países árabes.
    Como se a estagnação mudasse de campo, e que por sua vez os países árabes se fragilizassem mais preocupados com lutas internas e de sobrevivência face aos povos invasores, como o foram, entre outros, os Mamelucos, os Turcos Otomanos, e, sobretudo, a partir do século XIX, os europeus.

    Certamente que as sucessivas ocupações e colonizações levadas a cabo por esses diferentes povos constituíram um factor de involução do desenvolvimento e de destruturação interna desses países.
    Se os árabes quando vieram para a Europa trouxeram sobretudo a ciência, as técnicas, as artes e desenvolveram as regiões em cooperação e no respeito dos direitos da população autóctone, já o movimento contrário, partindo da Europa para os países hoje denominados em vias de desenvolvimento, foi um movimento predador.
    (...)
    O século XX, sobretudo no pós-guerra, foi o século das independências.
    Mas tomar em mão o seu próprio destino, reconstruir uma identidade nacional, não passa pela assinatura formal de documentos, nem pelo terminar da luta armada, nem pelo abandono dos dominadores.
    É necessária uma longa caminhada para aprender a cicatrizar as feridas, para se libertar das impregnações que perduram, para rejeitar os mimetismos, as tentações neo-colonialistas, os mitos inculcados de um ocidente soberano e paradisíaco.
    (...)
    Quando falamos, pois, de conhecer os países árabes na sua actualidade, queremos referir cada um deles na sua especificidade, nas suas expressões culturais que reflectem precisamente essa busca de autonomia, de liberdade e de identidade próprias, contrariando a percepção comum etnocêntrica de um mundo árabe como um todo uniforme, e a superficialidade dos conceitos que se ficam pelo floclore e pelos suks.
    Só o entendimento, racional e afectivo, desse processo evolutivo nas suas contradições nos permite a empatia e a igualdade no relacionamento com esses povos.
    (...) "


sexta-feira, novembro 07, 2003

Ibn Habib, de Silves

Percorrendo toda a página frontal deste meu blog, notei que nela não figurava nenhum poeta de Silves, nem tão pouco do Al-Ândalus.
Corrigindo esta situação que, creio, nunca antes tinha acontecido, aqui está um poema de Ibn Habib, ao tempo da Silves almorávida (*):


  • A SILVES

    Ó Dona dos Corações, em ti talvez
    Esteja a causa do tormento do cantor
    Diz adeus a quem te quer, inda uma vez,
    E que, sem ti, por nada sente amor.
    É que, se acaso, longe surges na lembrança
    Por ti choro, Silves, pranto de criança.


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

(*) Os almorávidas formavam uma tribo que, a partir do norte de África, invadiu a Península, nos finais do séc. XI, numa onda de "purificação" político-religiosa, instalando-se no poder após o derrube dos pequenos reinos independentes (taifas), entre os quais o do poeta Al-Mu'tamid, nascido em Beja, governador de Silves e, mais tarde, senhor de Sevilha, deportado para Agmat, perto de Marraquexe, na sequência desta invasão.
(Nota do apostdador)


quinta-feira, novembro 06, 2003

Ainda a Memória

Feira dos Frutos Secos, em Alcantarilha, SET2002 © António Baeta Oliveira
O almanxar no museu

Permitam-me que evoque este texto de Manuel Rosa Dias em Um pouco mais de Sul e ainda este poema de Nuno Júdice sobre as ESTRELAS (as algarvias, de figo).
Remeto-vos finalmente para este belo texto de José Carlos Barros, também em Um pouco mais de Sul, referenciando o Local e Blogal e digam lá se não vale a pena ter vizinhos assim, que nos emolduram em espaços de memória, em sensações de luz, de sombra e de cor, em aromas de figo e medronho, em sabores de Algarve e de Sul?

Obrigado, José Carlos!


quarta-feira, novembro 05, 2003

Proposta do PP para o Projecto de Revisão Constitucional

Fiquei ( )urioso (hesito em escrever com "c" ou com "f") ao saber da proposta do líder do PP ao líder do PSD, no sentido da criação de um projecto comum que viesse a incluir na Constituição o reconhecimento do direito à vida desde a concepção.
Decidi-me: quanto à proposta de Paulo Portas, usaria um "f"; reservo o "c" para as reacções a tal intenção.

De entre as várias reacções quero remeter-vos para uma em particular, sugerida por Bloguítica no post[825]: pela sua ironia e clareza, sob o título "O Partido do Evangelho", veja-se Murmúrios do Silêncio, que passei a incluir nos meus blogs de leitura diária.

Estaremos assim tão perto do fundamentalismo dos "outros"?


terça-feira, novembro 04, 2003

O desalento, em Omar Khayyam

Trovas do Desalento é o título de um dos capítulos do Robaiyat, de Omar Khayyam.
Condiscípulo de dois outros ilustres do seu tempo, Nizam-al-Mulk, que veio a ser o vizir do califa Malik-Shah, e Hassan Sabbah, o Velho da Montanha, fundador da seita dos assassinos, que comandava a partir da inexpugnável fortaleza de Alamut. Omar, considerado um dos maiores sábios da sua época, matemático e astrónomo reconhecido, a quem o califa entregara a responsabilidade do Observatório Astronómico de Merv, entrou em profundo desalento após o morte do seu amigo vizir, a mando do seu outro amigo, Hassan. É esse desalento niilista, que vos trago hoje nestas duas quadras:


  • Eu sei que os dias da vida
    passam velozes, ligeiros
    como o tufão do deserto,
    como as águas dos ribeiros.


    Mas dois há aos quais dedico
    a indiferença mais chã:
    aquele que passou ontem
    e o que há-de vir amanhã.


segunda-feira, novembro 03, 2003

Sem palavras

Fiquei mesmo sem palavras.
Quis agradecer via email, mas não encontrei endereço. Quis agradecer através dos comentários, mas não consegui acesso. Vou ter que agradecer num post (que é mesmo o que já estou a fazer) a simpatia e a amabilidade de AlgarveGlobal, na pessoa de Sérgio Martins, que se referiu ao Local e Blogal e a mim próprio em termos elogiosos. Não me sinto merecedor de tais encómios, sinceramente, mas isso não significa que não tenha ficado satisfeito. Sabem sempre bem estes estímulos ao amor próprio.
Obrigado Sérgio!