sexta-feira, janeiro 30, 2009

Um fim-de-semana em cheio

Nuno Júdice e  Pedro Ferré em Silves, Janeiro 2009Sim, depois da tarde em Faro ainda tive a noite em Silves, na Biblioteca Municipal.
Aí surgiu a oportunidade de cumprimentar e falar um pouco com o poeta Nuno Júdice e assistir à apresentação da sua nova obra - O breve sentimento do eterno - a cargo do vice-reitor da Universidade do Algarve, Pedro Ferré.

Vou abrir uma janelinha por onde possam espreitar o seu novo trabalho; só é pena que não possa mostrar-vos o manuscrito, pois todos os poemas vêm acompanhados do manuscrito a que correspondem, a permitir ao leitor senti(a)r-se quase como que a assistir ao despertar do poema.


  • Sintaxe

    É possível este corpo no silêncio da noite
    quando as ondas invadem o quarto; e
    a maré enche o horizonte dos teus olhos
    na praia sem limites do amor.

    Começo então a navegar sem destino,
    sabendo já que no fim te alcançarei;
    e leio um breviário de constelações
    no céu que se abre sempre que te vejo.

    E é nesse livro cujas páginas decoro
    que não me canso de te olhar;
    rosto de brancas palavras, mãos doces

    como as primeiras vogais, olhos de longas
    entoações onde batem as pálpebras do desejo
    - corpo consoante na frase em que nos deitamos.

Nuno Júdice
O Breve Sentimento do Eterno
Edições Nelson de Matos, Lisboa 2008

quarta-feira, janeiro 28, 2009

A 9ª de Shostakovich comentada por Bernstein

Pátio das Letras, na Rua Doutor Cândido Guerreiro, 30, em Faro

No passado fim-de-semana, pela tarde, desloquei-me a Faro, mais precisamente ao Pátio das Letras (edifício na foto acima), para uma audição da sinfonia citada em título, comentada por Bernstein e apresentada ao vivo pelo Maestro João Miguel Cunha.

A tarde foi de tal maneira prazenteira e instrutiva que me apetece partilhar um pouco desse meu desfruto.

No final da Guerra (1945), Stalin terá encomendado a Shostakovich, à época o mais famoso e influente maestro do mundo, uma sinfonia, que viria a ser a 9ª de Shostakovich, para comemorar a vitória da União Soviética e seus aliados.
Esperava-se uma 9ª sinfonia à Beethoven: portentosa, triunfal. Acontece que o maestro tinha outros planos e a sinfonia que compôs foi de tal modo desagradável aos ouvidos de Stalin, que Shostakovich se viu remetido para um total esquecimento durante muito tempo.
É das intenções de contestação de Shostakovich e do seu entendimento pessoal sobre o que era a sinfonia que desejava compor, que se debruça Bernstein nos seus comentários.
Marcou-me particularmente uma situação em que os trombones se agigantam a toda a orquestra, portentosos como se esperava de uma sinfonia de vitória e, ao bater do som de um prato de percussão, os fagotes se remetem para uma melodia reservada, intimista, muito ao estilo da 9ª de Mahler, como o maestro refere.
Como diz Bernstein, Shostakovich apresenta, contra todas as expectativas, uma obra sinfónica breve, espirituosa e circense, a terminar como num can-can de Offenbach, contestando com o seu humor o ditador soviético.

É esse apontamento que podeis seguir no vídeo abaixo.



Como me agradou tanto o que vi e ouvi, tentei encontrar esses vídeos no youtube e, se vos consegui despertar a curiosidade, aqui tendes uma lista que podeis utilizar a belo prazer e cobre completamente a 9ª Sinfonia de Shostakovitch e os comentários de Bernstein:

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Por amor


(Clique, se tenciona ver preçário ou adquirir)

Por amor, é o título da última e recente publicação do meu amigo e poeta, de ofício diário (clique), Torquato da Luz (Clique para saber mais sobre o autor, na Wikipédia).

De entre os seus poemas e em jeito de homenagem e apresentação, escolhi um que me tocou particularmente:

  • Olhar

    Olhas-me entre a surpresa e o desencanto
    e eu fico embaraçado ante esse olhar:
    nada podia perturbar-me tanto
    como uns olhos roubados ao luar
    das noites em que o tempo e o lugar
    se faziam de espuma, luz e espanto.
    Mas o que importa, sobre a ruinosa
    erosão dos desenganos,
    é esta força de quem ousa
    amar-te acima do passar dos anos.

Torquato da Luz
Por Amor e Outros Poemas
Papiro Editora, Porto 2008

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Turismo também é saber receber (II)

Parque sobre o Arade, Silves, Janeiro 2009, © António Baeta OliveiraEsta foto foi tirada ontem com o meu telemóvel e só revela parte das 35 caravanas que avistei.
Recordo que há aproximadamente dois anos atrás, aqui (clique), escrevia assim:

  • Silves é procurada ao longo do ano, com regularidade, por turistas como o da fotografia, que aqui ficam por alguns dias, junto ao rio.
    A procura é reveladora de alguma atracção pela cidade, mas devem lamentar-se da ausência de um local onde possam aceder à água necessária para cozinhar e para a sua higiene pessoal, de fossas ou latrinas para escoar os seus detritos. Devem até, eventualmente, ferir alguns dos seus hábitos sanitários ou de protecção da natureza, quando se vêem compelidos a ter que deitar os seus restos de comida, as suas urinas e fezes para alguma zona descampada ou até mesmo para o rio.

    Na ausência de qualquer iniciativa privada, no sentido da construção de um parque de caravanismo ou campismo, creio que não seria descabido, à administração da cidade, proporcionar um espaço onde estas necessidades dos caravanistas pudessem ser satisfeitas e onde mecanismos modernos de controlo automático poderiam cobrar pelo serviço prestado. (.../...)

Pois volto a escrever agora com toda a actualidade, salvo que, entretanto o parque já foi aberto ao público.

Será que não tenho razão e que não é possível receber melhor os que gostam de nos visitar?

terça-feira, janeiro 20, 2009

Cai a noite

Passeava-me hoje por aqui (clique), revendo alguns dos meus posts mais antigos e decidi premiar-vos com um poema de autoria luso-árabe, já que neste ano que há pouco começou ainda não o tinha feito. Escolhi precisamente o mesmo autor, Ibn Sara, que muito aprecio, e procurei um tema de Inverno.

Ei-lo!


  • cai a noite.
    sob o manto da sombra
    o braseiro é um bálsamo
    que sara o aguilhoar
    dos escorpiões do frio.
    ardente, talhou as mantas,
    o nosso cálido abrigo
    onde frio se não consente.

    o incêndio na lareira
    (nós olhando fascinados
    e a grande taça de vinho
    que vai passando em redor)
    mal nos permite a intimidade
    e logo nos afasta.

    é como mãe,
    que umas vezes amamenta
    e outras nos retira o peito.

Adalberto Alves
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1999

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Em defesa do território

Lagos, Meia-Praia ao fundo, Janeiro 2009, © António Baeta OliveiraFoto de António Baeta

Esta sentinela dos mares, esta presença permanente no mais remoto porto onde haja um barco ou um marinheiro, este pescador incansável a que chamamos gaivota e que recebe os mais diversos nomes nas mais diversas línguas, anda, há uns anos a esta parte, mesmo sem "sinal de tempestade", a procurar alimento entre o lixo doméstico das nossas cidades e abrigo para os seus ovos entre os prédios altos da nosso urbanismo invasor. Defendem as suas crias, não com "unhas e dentes" que os não têm, mas com garras e bico, tão acintosamente como se o espaço que ocupam fosse seu por direito, escorraçadas que são pela poluição, pela falta de recursos, pela invasão dos seus territórios naturais.

A luta pela defesa do território é uma luta pela sobrevivência e não há ser que não reaja à invasão. O próprio homem assim foi construindo a sua tribo, a sua aldeia, a sua civilização, sempre em conflito com o vizinho, com o outro, habitualmente com o seu mais próximo, com aquele com quem confina, com quem se opõe à sua expansão ou quem o invade, mais ou menos violentamente, conforme a pressão desse conflito ou desse receio.

Assim se construíram as nacionalidades, as civilizações e os impérios.

Parecem longínquos, para os mais novos, os horrores dos dois últimos conflitos mundiais, mais próximos de nós os conflitos da nossa descolonização em África e todos os outros, que todos os dias nos entram por essa janela aberta ao mundo, a que chamamos televisão, reclamando-se da maior objectividade os que tomam posição por um ou outro lado do conflito.

Creio que lutar pela paz não é necessariamente tomar posição por um ou outro lado, reclamar pelos direitos de um em detrimento dos direitos do outro, pois é isso mesmo que os divide e nos divide.

Vamos pensar nisso, em sinal de PAZ?! - nós que somos capazes de pensar sobre as coisas, coisa de que as gaivotas não são capazes e por isso reagem instintivamente.

terça-feira, janeiro 13, 2009

O meu ano aqui começou hoje

Senhora da Rocha, Lagoa, Algarve, Janeiro de 2009, © António Baeta OliveiraFoto de António Baeta

É o movimento de rotação do nosso planeta que determina as situações a que usamos chamar dia ou noite; é o movimento de translação deste sistema que gira em volta do Sol que dá azo à existência do que costumamos chamar estações do ano. Mas o que cada um dos habitantes da Terra chama dia ou noite ou Primavera, Verão, Outono ou Inverno é uma questão de posicionamento geográfico ou simplesmente uma leitura cultural própria da civilização em que se vive.
O que significará para um esquimó ou um habitante das proximidades do Árctico, o dia ou a noite, se eles se ficam por períodos longos de seis meses?
Que noção terá um habitante dos trópicos do que são a Primavera ou o Outono, se nunca viveram senão no Inverno ou no Verão?
Que coisa é essa do ano começar em Janeiro, se para muitos, mais até do que nós, (veja-se a China ou os países muçulmanos) ele começa numa altura diferente?

Pois o meu ano neste blog começou hoje, com uma foto que, só quem conhece o local poderá dizer, de fonte segura, se se trata de um amanhecer ou de um sol-pôr.