segunda-feira, dezembro 18, 2006

Parto, em busca do Natal

Cacela Velha, Verão de 2006, © António Baeta Oliveira

Vou sair por aí, procurando entender o que haverá de Natal (leia-se nascimento de Cristo) no meio da euforia que parece ter tomado conta das pessoas nesta época do ano.
Conto regressar, mas lá mais para Janeiro ou talvez antes. Quem sabe!

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Pela luz desta janela

Luz de Inverno, Silves, Inverno de 2005/2006, © António Baeta Oliveira


  • É ténue e fria
    a luz
    que ainda penetra
    pela luz
    desta janela

    E a luz que se esvai
    frágil e docemente
    morna
    pela luz desta janela
    abandona
    o âmago das coisas
    e fixa-se
    por algum tempo
    mais
    nos contornos nos
    recortes da memória


Recordando uma minha fotografia, a que juntei um poema de Sophia de Mello Breyner - Longe dos cenários de confrontação e morte (clique) - publicada em 26 de Agosto de 2003.

P.S.
A razão do título - "Longe dos cenários de confrontação e morte" - residia no sentimento que, em Agosto de 2003, ainda nos angustiava, a propósito da Invasão do Iraque, no anterior mês de Março.
Hoje, Dezembro de 2006, a chaga ainda está aberta e purga, mas aqui, longe dos cenários de confrontação e morte, a nossa mente já ganhou resistência à dor.
É importante recordar, quando a rotina faz esquecer.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Haverá quem acredite?

O Diário de Notícias de hoje refere que «A Comissão Europeia decidiu ontem, em Estrasburgo, arquivar o processo contencioso da barragem de Odelouca, depois de Portugal assegurar que a sua água seria para consumo humano e não industrial...»

Já estou a imaginar os campos de golfe com a relva seca e as piscinas a ganhar pó!
Haverá quem acredite que Portugal irá mesmo cumprir com o que assegura?

terça-feira, dezembro 12, 2006

Ainda com Luiza, em Silves


  • Árvores intensas Casas de trapo
    Chilreia a chuva Coxeia a cama
    Frutos votivos Cal calejada
                    Ponte romana


Luiza Neto Jorge
Poesia
Silves 83
Assírio & Alvim, Lisboa 2001

segunda-feira, dezembro 11, 2006

O poder, para quê?

Silves, centro, Janeiro 2006, © António Baeta Oliveira

A candidatura de Carneiro Jacinto, por enquanto, não passa de um fait divers mediático, que pouco ou nada acrescenta à necessária definição de uma solução estratégica para a cidade e seu concelho.
O que se discute, entretanto, é a luta pelo poder.

P.S.
Soube que Carneiro Jacinto iniciou um blog - Servir Silves - cujo link passa a constar da coluna da esquerda.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Solidão ao fim da rua

Só na cidade deserta, Tavira, Verão de 2006, © António Baeta Oliveira


  • Subitamente descobriu-se

    na cidade deserta
    ao entender a ausência
    de qualquer sentido
    no percurso que a levara
    até ao fim
    daquela rua


Recordando uma antiga fotografia comentada - Silves em Agosto (clique) - publicada em 25 de Agosto de 2003.

terça-feira, dezembro 05, 2006

ECO DE VIAGEM

  • Eco de viagem

    Partir - ouvindo a noite bater
    contra os vidros da memória! Linhas
    sucedendo às linhas, nos grandes
    continentes onde o gelo se desfaz
    num curso de rios disperso no mapa
    da vigília. Deixar que o ruído
    dos carris embacie as frases murmuradas
    no corredor, enquanto os viajantes
    procuram um bar por entre
    as carruagens. Decorar nomes de cidades
    que a treva oculta, e só se deixam
    adivinhar num súbito brilho de estação
    onde alguém dorme, num banco
    de madeira, sob o relógio parado
    num outro século. Respirar o calor
    tépido dos dormitórios improvisados,
    convivendo com sombras que
    ressonam uma ressaca de álcoois
    baratos. E ver a imagem
    que nasce num súbito abrandar
    de rodas, perto da fronteira,
    deitando sobre mim um olhar
    que ainda hoje não sei ler, como
    se a sua linguagem se tivesse
    perdido num alfabeto de velhas
    emoções.

Nuno Júdice
As coisas mais simples
Dom Quixote, Lisboa 2006

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Nem para "mandar cantar um cego"

Neste último mês, mês e meio, em Vila Real de Santo António, Tavira, Faro, Lagoa, Portimão e Lagos, houve oferta suficiente para que pudesse assistir a teatro, dança, recitais, concertos, exposições de artes plásticas, ópera, cinema.
Em Silves, ao longo do mesmo período de tempo, a oferta cultural reduziu-se a uma exposição sobre osteologia, numa perspectiva arqueológica. Ossos!
A que estado chegaram as coisas nesta fúria de construção, acelerada em véspera de actos eleitorais, que deixa a cidade cercada de obras paradas e as finanças sem recursos para "mandar cantar um cego"!

quarta-feira, novembro 29, 2006

Um Conto (XXIII)

  • Em noite de mudança da hora legal

    Era tarde. Resolvi regressar.
    Desci, compassadamente, a avenida sobre o rio, vendo partir alguns barcos para a faina do mar. As luzes de bordo reflectiam-se no negrume da água, sugerindo-me, na noite, uma qualquer fantasmagoria que me inquietou. Aproximei-me do carro. Olhei o meu relógio. Eram precisamente duas horas da noite. Abri a porta, sentei-me ao volante, coloquei o cinto de segurança e ia rodar a chave na ignição quando dei pela sua presença, sentada, a meu lado.
              - Estavas aí? Como vieste?
              - Ora! Resolvi vir ao teu encontro.
    Beijou-me, longamente, e perdemo-nos em jogos de amor. Nem dei conta do tempo que ficámos ali, naquele rodopio estonteante, naquele nosso deslumbramento, naquela tranquilidade dos corpos saciados, naquele remanso doce do amor.
              - Vamo-nos. Faz-se tarde.
    Compus-me de novo ao volante, rodei a chave. No rádio o locutor informava:
              «São duas horas da madrugada».
              - Duas horas? Mas, eram duas horas quando...
    Olhei para o lado. Ela não estava lá.

    Terei sonhado? Pareceu-me tudo tão real.

    Ao chegar a casa consultei o meu relógio. Eram quatro horas.
    Cerca de dez minutos depois chegava ela. Surpreendido, perguntei-lhe:
              - Onde estiveste?!
              - Onde estive!? Vieste tão apressado que nem deu para te acompanhar, ao longe.
              - ?!?!?! Vim... normalmente... até demorei bastante.... parece-me.
              - Deves ter demorado uma hora, mais ou menos.
              - Só uma hora?
              - Sim, uma hora. Pouco antes de chegar, o rádio, no carro, informava que eram três horas da madrugada.
              - Mas no meu relógio são... Ah


terça-feira, novembro 28, 2006

Mário Cesariny faleceu

© Instituto Português do Livro e das Bibliotecas
© Instituto Português do Livro e das Bibliotecas


Em homenagem a Cesariny, apetecia-me passar aqui a sua Pastelaria, mas já o fiz por duas vezes (pode, no entanto, lê-la aqui).
Recordemo-lo, então, com um seu outro belo poema:

  • You are welcome to Elsinore

    Entre nós e as palavras há metal fundente
    entre nós e as palavras há hélices que andam
    e podem dar-nos morte       violar-nos       tirar
    do mais fundo de nós o mais útil segredo
    entre nós e as palavras há perfis ardentes
    espaços cheios de gente de costas
    altas flores venenosas       portas por abrir
    e escadas e ponteiros e crianças sentadas
    à espera do seu tempo e do seu precipício

    Ao longo da muralha que habitamos
    há palavras de vida       há palavras de morte
    há palavras imensas, que esperam por nós
    e outras, frágeis, que deixaram de esperar
    há palavras acesas como barcos
    e há palavras homens, palavras que guardam
    o seu segredo e a sua posição

    Entre nós e as palavras, surdamente,
    as mãos e as paredes de Elsinore

    E há palavras nocturnas palavras gemidos
    palavras que nos sobem ilegíveis à boca
    palavras diamantes palavras nunca escritas
    palavras impossíveis de escrever
    por não termos connosco cordas de violinos
    nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
    e os braços dos amantes escrevem muito alto
    muito além do azul onde oxidados morrem
    palavras maternais só sombra só soluço
    só espasmo só amor só solidão desfeita

    Entre nós e as palavras, os emparedados
    e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny
Quinze Poetas Portugueses do Século XX
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz
Assírio & Alvim, Lisboa 2004

segunda-feira, novembro 27, 2006

Parabéns, Torquato!

Torquato da Luz cumpriu ontem mais um aniversário. Venho presenteá-lo com o seu próprio trabalho criativo.

© Torquato da Luz
Acrílico sobre tela (pormenor)

  • Dúvida

    A dúvida é a única certeza:
    nada é seguro, tudo é vago e incerto.
    Nem sempre a natureza
    favorece o clima
    que gera oásis no deserto.
    Gostava de crer acima
    de qualquer hesitação
    ou egoísmo,
    mas não me é possível, não,
    esconder o cepticismo.

    Só não vacila quem crê
    apenas no que vê.

Torquato da Luz
Ofício Diário

sexta-feira, novembro 24, 2006

Um Cont(inh)o (XIII)

Aqui está algo que não fazia há algum tempo - um microconto (cerca de 50 caracteres):


  • Andei perdido no tempo que me roubaram no dia em que a hora mudou.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Esquecido num cigarro

Fumando um cigarro, Tavira. Verão de 2006, © António Baeta Oliveira


  • É no cigarro que me esqueço
    no fim
    da tarde que devagar desce a calçada.

    O muro a que me encosto
    ficará
    numa baça lembrança
    do que foi
    a minha desvanecida imagem
    do que fui.


Recordando uma antiga fotografia comentada - Diversidade de opinião (clique) - publicada em 22 de Agosto de 2003.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Em Silves, vendo o tempo passar

Luiza Neto Jorge viveu em Silves. Desse tempo ficou uma publicação que recebeu o título Silves 83.


  • Águas passadas
    não moem rodízios
    de moinhos

    Águas passadas
    não moem ruínas
    de moinhos

Luiza Neto Jorge
Poesia
Silves 83
Assírio & Alvim, Lisboa 2001

P.S.
O título que dei ao post tem a ver com algum desencanto que se vive na cidade; desmazelo e obras por todo o lado, paradas, sem fim à vista, ausência de iniciativas culturais, de vida comercial, de vivência social, de perspectivas.
Um marasmo.
O problema maior é que, quando se trata de civilização, ficar parado não significa ficar no mesmo estádio de desenvolvimento, mas recuar, no que chamaria de involução.

sexta-feira, novembro 17, 2006

A várias mãos

Amanhando peixe, Silves 2005, © António Baeta Oliveira

  • Mãos
    túrgidas no amanho do peixe
    ágeis sobre as teclas de um piano
    calejadas no esforço da picareta
    hábeis na moldagem do barro
    nervosas num momento de tensão
    humedecidas na convulsão do choro
    frementes no apelo do desejo
    largas na expressão da dádiva
    abertas ao acolhimento
    em punho na explosão da raiva
    trucidadas num acidente de trabalho
    envelhecidas pelo passar do tempo
    quentes num coração frio
    frias num coração
    quente quando num gesto de afeição.


Recordando uma outra fotografia comentada - Como uma almenara (clique) - publicada em 8 de Agosto de 2003.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Timbuktu, uma das 21 Maravilhas do Mundo

© Melissa Enderle
      (Clique na imagem para mais fotos)
  Thank you, Melissa


Timbuktu é a minha cidade mítica, a inatingível, aquela para onde vão as caravanas que se dirigem às paragens mais remotas e donde regressam as que vieram dos confins do mundo.
Amin Maalouf, escritor de origem libanesa, um dos mais conceituados romancistas na vertente do romance histórico, levou-me a Timbuktu (Toumbouctou, em francês) na caravana de um dos mais prestigiados viajantes de sempre, Leão, o Africano, editado em português pela Bertrand, cuja leitura me impressionou profundamente. Recordo ainda outro lugar remoto e mítico, cruzamento de caravanas e civilizações, sobre o qual Amin Maalouf escreveu, também em edição da Bertrand - Samarcanda.

Pois não é da cidade mítica que vos quero falar. É da cidade real, da actual cidade de TIMBUKTU, no Mali, próxima das margens do Níger, famosa há mais de um milhar de anos; é da sua universidade com milhares de estudantes, do inestimável espólio dos seus livros milenares, das suas construções em terra, desta cidade que é Património da Humanidade (UNESCO).

Timbuktu é uma de entre as 21 candidatas à eleição das Novas 7 Maravilhas do Mundo.

Lisboa será o palco onde se dará a conhecer o resultado da votação que envolve já perto de 20 milhões de pessoas e onde se conta com 100 milhões de intenções de voto.

Quantos se lembrarão destas modestas construções de terra, em Timbuktu, quando a atenção de cada povo se centra sobre os exemplares mais significativos da sua região e onde países como os Estados Unidos, o Japão, a Rússia, a China, dos mais populosos do mundo, têm os seus próprios exemplares em que votar? Quantos africanos terão acesso à Internet ou até ao telefone para fazer valer o seu voto regional?

Vote, e quando votar, lembre-se de TIMBUKTU entre as suas preferidas Sete Maravilhas do Mundo (clique para votar).

NOTA:
Não perca estas outras e muito belas fotos, aqui. (clique)

terça-feira, novembro 14, 2006

Novos poetas algarvios (VII)

Termino hoje esta ronda pelos cinco poetas que constam da Antologia dos Novos Poetas Algarvios. Os poemas que aqui transcrevi, escolhidos de entre alguns outros, obedeceram a opções de extensão, adequando-os a este tipo de suporte, e de meu gosto pessoal. Não traduzem certamente as opções dos seus autores ao colocá-los por determinada ordem ou até as da organizadora da publicação, Maria Aliete Galhoz, quando escreve na apresentação:



  • «A poesia não é mais a visitação do "lugar ameno" real ou num imaginário possibilitado.
    A poesia destes cinco "novos poetas algarvios" não se compraz em si, não glosa estereótipos, nem de paisagem nem do "sujeito".»

Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

segunda-feira, novembro 13, 2006

Novos poetas algarvios (VI)



  • Fumar o sopro da vida, travar-te no pulmão, reter-te respirar-te
    Constróis-me como num parto, vivo por dentro de ti como um feto
    És o músculo que empunha o martelo, o ferreiro que bate, aperfeiçoando,
    [o metal
    O cavalo alado da minha juventude, excitando-me, amedrontando-me,
    [atiçando-me
    O abanador que espalha a minha fogueira, que espalha o meu calor
    O índio que me cura espetando agulha
    És a árvore, eu era o fruto caído no chão que germinou com o teu cheiro
    E agora estamos os dois aqui, olhando-nos como vitrais de Igreja
    Permanecemos
    Com o vento abanando nossos frutos verdes

Ruben Gonçalves
Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

sexta-feira, novembro 10, 2006

Ao jeito de um fotoblog (III)

Cigarros e jornais, 2005, © António Baeta Oliveira


  • Denúncia da sua presença.
    Tensão da sua ausência.


A partir de hoje vou deixar de usar aquele título - "Ao jeito de um fotoblog" - pois pude aperceber-me que uso com frequência, desde o primeiro mês de existência deste blog, comentar, de forma pretensamente poética, algumas fotografias, de minha autoria, que aqui vou colocando.
Continuarei a usar a fotografia comentada, mas com titulação própria.
Irei também recordando alguns desses posts com fotografias comentadas, em anos anteriores, de cada vez que aqui publicar uma nova fotografia com um comentário a seu propósito.

Aqui vai a primeira - Entardecer (clique) - publicada em Julho de 2003.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Novos poetas algarvios (V)

  • AVÉ MUNDI

    LE MONDE EST MORT...
    VIVE LE MONDE!
    O mundo morreu.
    Fui hoje
    Ao seu funeral.
    A tristeza
    Era muita,
    Tanta,
    Que me esqueci
    Do meu...

Ricardo Paulo
Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

P.S.
Ricardo Paulo é natural de Silves.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Novos poetas algarvios (IV)



  • Boca aberta que tens plátano em ti,
    Dessa copa aberta e agra
    Abisma-me o contorno de giz, quarto encerrado, voz tácita.
    O gesto de morte desse braço aberto de meio,
    Mãos esculpidas de pedra
    Têm nas unhas de mármore o sangue calcinado,
    Pintado em tons de aspar,
    Rastreio poluto, asco asceta.
    Sôfrega pulsa ânsia
    Apura o odor desse peso que caminha lento na incerteza
    Do fatídico.

Pedro Sousa
Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

terça-feira, novembro 07, 2006

Novos poetas algarvios (III)



  • Fixamos num olhar o engano mútuo
    trocamos umas palavras por necessidade de esclarecimento
    separamo-nos       nessa noite       tão frios
    na proximidade inventamos uma distância

    Decidimos pelo melhor um beijo no rosto
    traçando uma linha de amizade
    insuficiente para o estado em que acabamos
    com vontade dos lábios um do outro

João Bentes
Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

segunda-feira, novembro 06, 2006

Aniversário de Sophia

Sophia nesceu no Porto a 6 de Novembro de 1919.

Recordemo-la, no seu amor pelo Algarve.

  • A Conquista de Cacela

    As praças fortes foram conquistadas
    Por seu poder e foram sitiadas
    As cidades do mar pela riqueza

    Porém Cacela
    Foi desejada só pela beleza

Sophia de Mello Breyner Andresen
Algarve todo o mar
(Colectânea)
Dom Quixote, Lisboa 2005

quinta-feira, novembro 02, 2006

Pela Feira de Todos-os-Santos

Alhos e cebolas, Feira Anual 2006, © António Baeta Oliveira


  • Fui ao ensaio, antes da estreia.
    Escondi-me nos bastidores.
    Dizem que já nada é como era, mas eu, com os olhos de quem está por detrás, embora dentro do palco, entendo que esse é o olhar de quem assiste à cena e não faz parte dela. Por dentro, tudo se mantém, igual, como o próprio Homem, com os seus anseios e as suas misérias.
    Avistei a cenografia do Carrossel 8 e pude apreciar, apesar dos motivos pintados de novo, a sugerir um novo gosto, mais ao gosto dos novos clientes, a forma como o maquinista interpreta o seu trabalho, como conhece cada uma das porcas que apertam aquele carril, como sabe da sequência da montagem do camelo ao lado da girafa, que fica por trás do leão que, cobiçoso, observa a gazela. Como sabe da data em que pela primeira vez o carrossel se apresentou em cena, na Feira de Famalicão, como fazia a volta a Portugal, de Norte e Sul, e como se ficou, a rolar no mesmo lugar, até que o recuperaram, para esta nova peça, quando fechou a Feira Popular em Lisboa.
    Tudo isto de improviso, sem recurso a texto, porque tudo flui como um dia após o outro, porque não há dramatização quando o drama é a própria vida, porque não há enredo enquanto a vida se vive.
    Senti essa verdade quando o Mário Martins, o contra-regra, me falou na cena da Esfera da Morte em bicicleta a pedal.
    O Mário é filho do Zé Martins, esse herói do combate à força centrífuga, negando a toda a hora uma queda na vertical.
    O Mário ainda vive em cena, como um velho actor, que só abandonará o palco quando o abandonar de vez, definitivamente.
    Saímos dos bastidores e evocámos a saudade nuns copos de cerveja, olhando as farturas, as amêndoas, as castanhas, as bolotas, os peros, em fim de tarde, com o Sol a baixar, já numa luz coada, marcando o seu tom outonal sobre os alhos e as cebolas, nesta Feira de Todos-os-Santos do ano de 2006.


P.S.
Permitam-me um apelo à vossa participação em

                    (Clique sobre a imagem)

terça-feira, outubro 31, 2006

Novos poetas algarvios (II)

Como o "prometidro é dre vidro", não vou quebrar o compromisso. Quero dar-vos conta do que dizem os jovens algarvios na sua poesia e começo com aquele que já ontem incluí em fotografia - Pedro Afonso.



  • tenho entranhado em mim o meu fim a minha plenitude fatal
    lentidão fatídica das tardes solarengas do inverno mediterrânico

    cresço nas margens dum texto-mar que se atormenta na sua tempestade [enunciadora
    sou espuma por absorver numa praia de rochas quentes e carapaças secas

    gritam-me pelos ares na loucura da descoberta
    sou-me imposto na ondeante ditadura marítima

    o meu futuro é o presente e o passado está para acontecer
    sou o tempo que demoro a dizer-me

    defino-me na arbitrária orquestra dos signos
    margino-me parágrafos genéticos nas páginas do que serei

Pedro Afonso
Do Solo ao Sul
(Antologia de Novos Poetas Algarvios)
ARCA (Associação Recreativa e Cultural do Algarve), Faro 2005

segunda-feira, outubro 30, 2006

Novos poetas algarvios

No sábado passado, para assistir ao lançamento de um livro - Muchas veces me sucede olvidar quien soy - de um amigo, Luís Ene, em edição bilingue, castelhano e português, desloquei-me a Vila Real de Santo António, ao centro Cultural António Aleixo.
A sessão de apresentação solicitava a participação activa dos que se encontravam na sala, com a leitura de textos, como é hábito em Ler Alto, uma iniciativa que vem sucedendo com regularidade mensal, em Faro, na sede da Sociedade d'Os Artistas.
Também participei neste espaço de leituras, com um conto, destes que tenho vindo a publicar aqui, no blog, mais precisamente um que intitulei Por coisa de tão pouca monta renunciar-se, assim?!, escolhido na linha do que me pareceu significar, também, o título do livro aqui apresentado.

Nesta sessão esteve Uberto Stabile, poeta de nacionalidade espanhola, editor e tradutor deste trabalho de Luís Ene. Esta relação entre poetas das duas margens do Guadiana acontece na sequência de alguns encontros, motivados pela literatura e pela fotografia, de que Ler Alto tem a sua quota de responsabilidade e que já conduziu à formação do Círculo Literário do Algarve, denominado Sulscrito.

O que mais vos quero agora revelar e que maior interesse me suscitou foi a presença activa de vários jovens, em número significativo, alguns deles a integrar a Antologia de Novos Poetas Algarvios, numa organização de Maria Aliete Galhoz.


Sulscrito em Vila Real, Pedro Afonso lendo alto, foto com telemóvel, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira

 

 


Aqui está um deles, Pedro Afonso, a quem fotografei no seu momento de participação em Ler Alto, nesta edição que teve lugar em Vila Real de Santo António.

 


Quando lê, alto, a crispação da sua mão traduz bem a carga emotiva do que escreveu no papel.

Eu, em próximos posts, dar-vos-ei conta do que nos dizem estes jovens.
Entretanto, passeiem pelos vários links que aqui semeei e aos quais acrescento esta revista electrónica - Minguante.
Luís Ene está a agitar por aqui.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Ao jeito de um fotoblog (II)

No cais, sobre o Arade, Silves 2005, © António Baeta Oliveira


  • já pouco me prende aqui
    já aqui pouco se prende
    amar
    ras neste cais

    os tresmalhados
    turistas
    em busca do tempo perdido.

P.S.
Como anda por aí grande afã em torno dos direitos de autor, que sempre tenho feito por respeitar, convém especificar que a estrofe "em busca do tempo perdido", corresponde a algumas traduções do famoso título "À la recherche du temps perdu", de Marcel Proust. Usei-a com perfeita consciência, pois era isso mesmo que eu queria significar.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Estão aí os Outonos de Teatro, em Portimão

http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/velazquez/velazquez.meninas.jpg
Las Meninas, de Diego Velásquez


Na terça-feira passada, pela noite, lá estava eu, sentado na plateia, para assistir a uma peça de teatro - Meninas - com a assinatura de uma companhia sedeada em Salamanca - Intrussión.
Os folhetos de divulgação desta iniciativa da Câmara de Portimão, pelos menos aqueles a que tive acesso, em papel e através da Internet, não elucidavam de todo sobre esta companhia de teatro. Li, sim, um pequeno apontamento descritivo do que se propunha esta companhia apresentar; nem sequer dava para entender de que se tratava de uma companhia espanhola, tanto mais quanto a designação usada se referia à sua distribuidora e não à companhia produtora.
Quando me decidi comparecer, assim um pouco como "um tiro no escuro", foi exactamente por saber que "o pintor chamará ao seu estúdio, uma a uma, todas as personagens que aparecem em AS MENINAS. Velázquez irá interagir com cada uma delas, tendo o espectador a oportunidade de descobrir doze maneiras diferentes de ver a realidade espanhola do século XVII".

Servida por um elenco homogéneo, com alguma solidez interpretativa, assisti com agrado à representação. Como não conhecia a dramaturgia, fiquei em dúvida sobre se algumas das coisas que me desagradaram se deviam ao autor ou ao encenador. Agora, em casa, consultando o site da companhia, pude entender que tanto o texto como a encenação são da mesma pessoa - Roberto García Encinas. Também me apercebi que se trata de uma companhia com hábitos de trabalho junto de público jovem, estudantil, em contextos de sala, calle o cabaret.
Nesta perspectiva, entendo então que as doze maneiras diferentes de ver a realidade espanhola do século XVII surjam tão simplistas, como um "piscar de olhos" aos "tiques" da sociedade europeia da actualidade, a solicitar o riso e o divertimento fácil. Esse entendimento justifica também a minha estranheza pelo recurso a atitudes grandiloquentes, a poses demoradas, a gesticulação lenta e prolongada, que se usavam para reverenciar os "grandes vultos da História" ou sacralizar as "grandes obras de arte", como era hábito das representações "burguesas" de finais do século XIX e que permanecem, ainda no nosso tempo, em alguma estética ultrapassada por conceitos artísticos mais recentes.

Um apontamento algo desgostoso sobre a luminotecnia, estranha, tão estranha que até parecia haver qualquer problema eléctrico na sala.
Acabei por aplaudir o espectáculo no mínimo, reconhecendo tão só o traquejo interpretativo dos actores

É certo que fiquei a conhecer melhor as figuras que compõem o quadro de Velásquez, mas mais pelo nome e seu lugar na corte do que propriamente pelos estereótipos apresentados.
Concedo que o meu desagrado tenha a ver com a minha idade, pois tratava-se de um trabalho de divulgação para a juventude, na qual se aposta hoje em dia nestes espectáculo/divertimento, como meio de a trazer às salas de teatro, para depois não se lhe oferecer a arte do teatro, que deve ser inovadora, divertida também, mas porque incentivadora da capacidade crítica, a favorecer a reflexão e o entendimento deste mundo, que é, afinal, o que compete a quem se ocupa do acto cultural.
Mas os Outonos de Teatro ainda estão aí, pelas mãos de grupos regionais, como o Teatro da Estrada, ou de expressão nacional, como o Grupo de Teatro de Montemuro e O Bando. Há também lugar a uma estreia - Ricardo III, pela ACTA (A Companhia de Teatro do Algarve).

P.S.
Vote n'Os Grandes Portugueses! Vote em José Malhoa! Siga o link.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Para que fique registado

Soube, através de A Voz de Loulé, edição nº 1614, de 15 de Outubro de 2006, na habitual coluna de Libertário Viegas, a quem envio um abraço, que José Mendes Cabeçadas Júnior, ex-Presidente da República Portuguesa, em 1926, natural de Loulé, foi deputado pelo Círculo de Silves, entre 1911 e 1915.
No site oficial da Presidência da República, na galeria de anteriores Presidentes da República (que pode consultar clicando aqui), é feita referência a essa sua condição de deputado, pelo período atrás indicado, mas não se refere o Círculo Eleitoral de Silves.


Também para que conste, faço saber que um dos primeiros blogs algarvios com o qual o Local & Blogal se relacionou, Asul, está em tempo de aniversário. Os meus PARABÉNS!

Se, lá para o mês de Maio, este meu amigo, autor do blog, voltar a ausentar-se, o mais provável é que tenha viajado até à China, talvez em busca de um melhor sistema de ensino. (piada(?) privada, mas que pode ser entendida por quem leia os seus posts dos últimos dias).

Ainda merece registo, pelo menos pela raridade nos tempos correm, uma notícia abonatória sobre algo que se refere a Silves.

terça-feira, outubro 24, 2006

Arade... o futuro por este rio acima

 Conferência sobre o Arade, Outubro 2006, foto com telemóvel, © António Baeta Oliveira

O título e a fotografia referem-se a uma Conferência que teve lugar em Silves na passada sexta-feira, na Fissul, sob o patrocínio da CCDRAlg (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve). Como o que aqui escrevo não se trata de jornalismo, permito-me sintetisar o que se passou ao longo de aproximadamente quatro horas de comunicações e debate, emitindo a minha opinião.
Os responsáveis pela CCDRAlg e os representantes das empresas que se configuram na Agência Arade têm um real e efectivo interesse nas enormes potencialidades da bacia hidrográfica do Arade.
O que fiquei a entender é que, apesar de todos os louvores e declarações de que o Rio Arade e a sua navegabilidade são "a pedra de toque" de toda esta questão, nada irá acontecer por aqui antes que o porto de recreio de Portimão inicie e conclua as adaptações que lhe permitam ancorar as frotas de paquetes de grande turismo. Esta irá ser a grande e primeira prioridade

Um dia, no futuro, avançar-se-á por este rio acima (os interesses em presença nesta conferência atestam esta garantia), mas a animosidade revelada perante as reservas levantadas pelos ambientalistas e as atitudes abusivas de que vimos tomando conhecimento em recentes construções turísticas na nossa região, deixam a desejar pelo futuro deste rio.

Francamente, o meu maior desejo era o de que eu estivesse mesmo muito enganado.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Eid Mubarak (عيدمبارك)

© Al-Furqan

Os meus mais sinceros votos de um bom Eid ul-Fitr (عيدالفظر) a todos os meus amigos muçulmanos.

O mundo islâmico celebra o fim do Ramadão (رمضان). Hoje, no primeiro dia do mês de Xawwal (شوّال) e depois da celebração religiosa associada, ocorre um grande almoço em família onde se trocam prendas, como por aqui fazemos no Natal.
Esta é uma das maiores festividades do mundo islâmico.
Equidistante, religiosamente, do cristianismo e do islamismo, porque ateu, regozijo-me com os meus amigos pelo Eid ul-Fitr como o farei daqui a algum tempo pelo Natal, particularmente no que se refere à festa de família, em volta da mesa da confraternização.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Álvaro de Campos voltou a Tavira

Espectáculo de Teatro do Al-Masrah na Biblioteca Álvaro de Campos em Tavira, Setembro 2006, foto no telemóvel, © António Baeta Oliveira

Fez agora um mês, encontrei-me com ele em Tavira, sua terra natal. Passeou-se calmamente pelos espaços da biblioteca local, a que atribuíram o seu nome, e ouvi distintamente as suas palavras:


  • Sim, sou eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
    Espécie de acessório ou sobresselente próprio,
    Arredores irregulares da minha emoção sincera,
    Sou eu aqui em mim, sou eu.
    Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
    Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
    Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

    E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
    Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
    De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico,
    Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

    E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
    Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
    De haver melhor em mim do que eu.

[.../...]

Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos
Editorial Nova Ática

Ele pode não ter dito exactamente estas palavras.
Estas escolhi-as eu, ao lê-las hoje, de entre outras suas, como as que nessa noite ouvi distintamente, num enquadramento arquitectónico e cénico que me proporcionou uma das mais belas noites deste Verão, graças à imaginação e à criatividade do grupo de teatro Al-Masrah   -   (المسرح), residente em Tavira, a quem agradeço a oportunidade.
À Susana e ao Pedro, o meu abraço amigo e reconhecido.

quinta-feira, outubro 19, 2006

A Aministia Internacional apela:


  • Existem 639 milhões de armas no mundo - uma arma para cada dez pessoas
  • Todos os anos morrem em média 500 000 pessoas vítimas de violência armada - uma pessoa por minuto!

Apoie a implementação de um Tratado Internacional que regule o Comércio de Armas e faça referências explícitas aos Direitos Humanos.
Seja um num milhão: www.controlarms.com (clique)

(Clique e aceda também à campanha Um milhão de rostos)

quarta-feira, outubro 18, 2006

Ao jeito de um fotoblog

Duas escadarias até ao cimo do Torreão, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira


  • Nuvens escuras, de suspeição, adensam-se sobre a cidade.
    O vento, nos ouvidos, baralha a notícia.
    A chuva, enquanto limpa, acumula o lodo.
    Os corvos caem sobre as presas, agora débeis, levadas na enxurrada.
    Há portas, fechadas, no topo da escadaria.


terça-feira, outubro 17, 2006

Aniversário de Ramos Rosa

António Ramos Rosa, um dos maiores poetas do nosso tempo, nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924.
Em sua homenagem, escolhi um poema que tem a particularidade de ter sido dedicado a um outro algarvio, seu amigo e poeta dos mais reputados, também, da poesia portuguesa contemporânea - Casimiro de Brito.

  • A LÂMPADA

    As palavras em chamas queimam veias e árvores,
    lâmpadas em turbilhão fluem nas calçadas
    entre pernas vermelhas e caixotes e cães.
    Corro sobre o mar, esta palavra lâmpada
    aquece-me por dentro, é um ovo de esperança,
    corro, corro à espera de nascer no meu povo.

    Quem dirá o contorno, o colo que se debruça
    na imóvel figura de um punho silencioso
    o fruto vigilante e submerso seio?

    No silêncio da mesa sobre a lisa
    dureza
    ela é a inundação sem tempo e a presença
    da origem e alta dignidade humana.

    Ó lâmpada, exemplo de poema,
    quando aprenderemos a tua dócil sombra
    e as tuas sílabas em que o silêncio ama?

    A esperança é vigilante em tua luz.
    A luz é vigilante em tua esperança.

António Ramos Rosa
ALGARVE todo o mar
(Colectânea)
Publicações D. Quixote, Lisboa 2005

segunda-feira, outubro 16, 2006

Uma intervenção arqueológica, em colóquio

Um dos maiores bairros islâmicos encontrados na Península desapareceu sob a urbanização do "Empreendimento do Castelo"
Arqueólogo José Costa, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira

Na acanhada sala de conferências do Museu Municipal de Arqueologia, José Costa, arqueólogo responsável pela intervenção, na sequência de uma parecer do IPA (Instituto de Português de Arqueologia), fala-nos de uma área de escavação de cerca de 3000m2, enquanto decorrem obras de uma urbanização que se estende por 4280m2. Houve que conciliar, por negociação, o tempo necessário à prossecução dos trabalhos arqueológicos e a urgência do avanço da construção por parte da empresa responsável pela obra.Máquina aguarda finalização do trabalho, foto a um diapositivo

Negociação desgastante e nada fácil, para ambas as partes envolvidas, como se pode constatar pela foto ao lado, obtida a partir da projecção de um diapositivo do conferencista (o maquinista aguarda a última medição do arqueólogo).

O bairro islâmico sob intervenção incluía, anexa à área residencial, uma área comunitária ou de utilização pública, com um grande forno de pão e sistemas de captação e elevação de água que, pela sua disposição, paralela à rua Cândido dos Reis, permitiu a sua autonomização do empreendimento e preservação, com possibilidade de escavação futura. De referir ainda uma estrutura de armazenamento de água e uma outra, para cuja utilidade se procuram ainda paralelos em escavações em período islâmico.

A área residencial, de onde se recolheram mais de 170 mil objectos, denota uma urbanização bem planeada, como se pode observar nesta foto (de um slide projectado durante o colóquio), que revela uma canalização que atravessa três construções sucessivas.
Canalização transversal sob três construções sucessivas, foto a um diapositivo
A zona residencial dispunha-se ao longo de uma rua, com 3,80m de largura, que se prolongaria, bem como o bairro, atravessando o que é hoje a rua Cândido dos Reis e a estrutura industrial (actualmente de cultura e lazer), da Fábrica do Inglês.
As 16 casas alvo de intervenção, de proprietários modestos e revelando alguma homogeneidade social, apresentavam 5 ou 6 compartimentos, dispostos em U ou L em torno de um pátio descoberto, com cozinha, armazém, latrina, salão e/ou alcova, com sistemas de saneamento, apresentando canalizações para fossas exteriores, que recebiam os detritos das latrinas, ou condutas de águas de chuva, a partir do pátio, e águas de banhos e de utilização doméstica, conduzidas para a rua. Talhas, silos, lareiras, forno doméstico integram estes espaços habitacionais.
O bairro apresentava uma degradação prolongada no tempo, significando o seu abandono, que aos olhos dos investigadores parece ter sido planeado e ter ocorrido semanas ou meses antes da tomada definitiva da cidade pelos portugueses. Os materiais encontrados parecem arrumados e teriam ficado apenas as coisas que não valeriam a pena levar. Encontraram-se alguns cabos de roca (em osso), pontas de fuso, agulhas, um poiso de mó, alguma cerâmica vidrada e material de cozinha, em cerâmica, ferro ou bronze, candeias e pouco mais.

Como se referia no último dos slides projectados:
«Volvidos cerca de 650 anos o espaço é ocupado por uma unidade industrial; sete séculos e meio depois desaparecem as estruturas islâmicas e nasce o 'Empreendimento do Castelo'».

Fábrica do Inglês quando da sua construção inicial e 'Empreendimento do Castelo', foto a um diapositivo

Das conclusões finais e debate que se seguiu, com intervenção da assistência, há que relevar que a intervenção arqueológica só foi solicitada depois do licenciamento da obra, de modo que pouco ou nada mais se poderia fazer.
O que poderia ter sido um novo pólo de desenvolvimento e atracção cultural e turística será, em breve, mais uma urbanização, que poderia ter sido construída em qualquer outro lugar da cidade, deixando preservado tão rico e exemplar património, totalmente destruído.
Figura-se importante que a edilidade acabe com este tipo de procedimento. Vai sendo tempo de orçamentar e encomendar a definição de uma carta de sensibilidade arqueológica, de forma a que sondagens prévias ao licenciamento possam ser efectuadas, sempre que se requeira construir dentro da área coberta por essa carta. Nestas circunstâncias, esta situação, bem como outras que sempre vêm ocorrendo, poderiam ter sido evitadas, numa cidade orgulhosa do seu património e que aspira a um turismo cultural de qualidade, como é usual ouvir dizer por parte dos responsáveis autárquicos.

P.S.
A situação acima descrita já aqui tinha sido denunciada, em Janeiro de 2006, num post que intitulei Preservar a Memória (clique).

sexta-feira, outubro 13, 2006

Toda uma semana com Fiama

Um poema mais e encerro uma semana inteira com Fiama.

  • ESTRADA DE FOGO

    Pedra a pedra a estrada antiga
    sobe a colina, passa diante
    de musgosos muros e desce
    para nenhum sopé;

    encurva, na abstracta encruzilhada;
    apaga-se, na realidade. Morre
    como o rastilho do fogo,
    que de campo em campo aberto

    seguia, e ao bater na mágica cancela
    dobrava a chama, para uma respiração,
    e deixava o caminho do portal
    incólume e iniciado.

Fiama Hasse Pais Brandão
ECOS
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

quarta-feira, outubro 11, 2006

Viver na beira-mar

É ainda Fiama quem diz:

  • Viver na Beira-Mar

    Nunca o mar foi tão ávido
    quanto a minha boca. Era eu
    quem o bebia. Quando o mar
    no horizonte desaparecia e a areia férvida
    não tinha fim sob as passadas,
    e o caos se harmonizava enfim
    com a ordem, eu
    havia convulsivamente
    e tão serena bebido o mar.

Fiama Hasse Pais Brandão
ECOS
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

segunda-feira, outubro 09, 2006

Entre poetas de "Poesia 61"

Há dois anos atrás, em Outubro de 2004, divulguei aqui os poetas que em 1961 publicaram, em Faro, a revista Poesia 61, cujo título viria a identificar um movimento literário que deixou uma marca indelével na História da Literatura Portuguesa. Se efectuarem um clique em Outubro 2004, acederão a poemas de Casimiro de Brito, Luiza Neto Jorge, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta e Gastão Cruz (pela ordem cronológica de publicação aqui, no Local & Blogal), que figuram entre os mais reconhecidos poetas portugueses contemporâneos.
O poema que transcrevo hoje é de Fiama, que o dedica à memória de Luiza Neto Jorge, falecida, aos 50 anos, em 1989.

  • Meus ecos de Luiza N.J.

    No lambril branco da janela bate
    a cortina franzida presa,
    tecido leve que soerguido
    revela os quintais sem arte,
    as serras longínquas não verídicas
    esbatidas no vento de sempre.
    Cena também sempiterna,
    que uma vez se vive outra se revive.

    Aí, na aura da janela vívida,
    deixou delineada a ceramista
    a sua falsa e verdadeira imagem.
    Pelos dedos feitas linhas e sílabas
    são dela o retrato fiel e eterno.
    Do barro frio, do odor das formas
    e da substância e ideia
    do que moldava, a ceramista pôde
    verter o barro em verbo.

    É o que vejo e penso nesta casa mortuária
    que se abre branqueada para o pátio,
    onde a luz se coa e ecoa e uma branca
    poalha espessa trazida por ventos fortes
    nos isola, encerra e de esplendor cerca
    da ceramista e poeta o rosto,
    agora não vivo, de que se desprende
    a inteira alegoria da cerâmica e poesia,
    oficiadas a contraluz intensa outrora
    na minha casa viva que revivo.

Fiama Hasse Pais Brandão
Entre os Âmagos
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

P.S.
1. - Se tiver curiosidade por este movimento poético, "Poesia 61", pode consultar a História da Literatura Portuguesa, na Biblioteca Universal
2. - Para informação mais detalhada, consulte Cadernos e Catálogos da Poesia Experimental Portuguesa.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Os Dias que nem sequer contam (II)

(Continuação do post anterior)

Solo de contrabaixo e Orquestra do Algarve, Portimão, Setembro 2006, © António Baeta Oliveira
Solo de contrabaixo e Orquestra do Algarve

O meu avô materno, em meados do séc. XIX, antes ainda da existência da actual Banda, mais precisamente na Banda de Gregório Mascarenhas, tocava requinta (clarinete em mi bemol; o mais agudo dos clarinetes). Minha mãe contava, a propósito do velho rádio da família, que eu conheci de perto, que o meu avô o comprou com a intenção de ouvir os grandes concertos das grandes orquestras, a que se dedicava, demoradamente, no silêncio da sua sala.
Sem a existência daquela Banda, onde se iniciou nas primeiras notas, o meu avô nunca teria tido oportunidade de se interessar e vir a apreciar os "grandes concertos das grandes orquestras".
Quantas gerações de dedicados músicos não terão já passado por estas velhas escolas de música?!
Silves, no início do séc. XX, além de duas bandas que vieram a fundir-se na actual Banda da Sociedade Filarmónica Silvense, possuía uma orquestra, a Orquestra Freire, com cerca de 30 violinos. Nesse tempo havia imprensa de opinião, livrarias e bibliotecas, lia-se e comentava-se; havia perspectivas e preocupações culturais, como hoje não se vislumbram. As novas gerações saem das escolas e das universidades sem horizontes intelectuais, sem preocupações de ordem cultural.
Parece que regredimos culturalmente; o progresso cultural não acompanhou o progresso económico.
Apetece-me comentar, como se comentava outro dia, numa conversa entre amigos: "Vai sendo tempo de nos deixarmos de queixar do obscurantismo salazarista. Dentro de poucos anos, o pós-25 de Abril será tão velho como o salazarismo."

Quantos, hoje em dia, não se viram privados de prosseguir estudos musicais ou optar por outro instrumento, que não um instrumento de sopro ou de percussão?!
Portimão criou uma Academia de Música, na dependência pedagógica da Academia de Lagos. Hoje é já uma Academia autónoma. Lagoa percorre o mesmo caminho. E Silves?
Os silvenses estarão condenados a esta desigualdade de oportunidades em relação aos seus vizinhos mais próximos?
Falo de música, mas o mesmo poderia ser dito no que se refere à inexistência de estruturas profissionais nas restantes áreas de expressão: no teatro, na dança, nas artes plásticas...
Sei que estas estruturas não se criam de um dia para o outro, mas sei também que já se perderam oportunidades que não podem continuar a perder-se, por incúria ou ignorância.

É tempo de mudar de política!

terça-feira, outubro 03, 2006

Os Dias que nem sequer contam

Este ano, o 1º de Outubro ocorreu a um domingo. Esta coincidência deveria ter facilitado qualquer iniciativa que se prendesse com o Dia Mundial da Música. Em Silves, o Dia amanheceu surdo e adormeceu mudo.

Sabemos que Silves tem um Cine-Teatro, o mais marcante edifício da década de 60 (talvez o único edifício de porte dessa época histórica da nossa cidade), fechado e, pelo "andar da carruagem", condenado à demolição.
Cine-Teatro, Outubro 2006, © António Baeta Oliveira
Teatro Mascarenhas Gregório, Setembro 2005, © António Baeta Oliveira
Sabemos também que o velho Teatro Mascarenhas Gregório foi restaurado e apressadamente inaugurado, com pompa e circunstância, em vésperas de eleição autárquica, e se mantém fechado desde essa altura, já lá vai mais de um ano.

Sabemos ainda que estas estruturas, mesmo que estivessem a funcionar, não suportariam eventos de alguma exigência, por limitações da dimensão do palco ou por certas especificidades técnicas: uma companhia de dança, como a Companhia de Dança do Algarve, uma orquestra, como a Orquestra do Algarve, ou mesmo uma companhia de teatro, como A Companhia de Teatro do Algarve, teriam sérias dificuldades de adaptação a estes palcos se comparecessem no seu melhor, como frequentemente acontece em Faro, em Loulé, em Lagos ou até em Lagoa. Uma ópera, por exemplo, nunca aqui teria lugar.
Acontece que as nossa vizinhas cidades do Barlavento estão já equipadas ou em vias de se equipar (Portimão) com o seu próprio auditório.
Silves, muito provavelmente ainda nem se deu conta desta necessidade estratégica.

Há, no entanto, uma anterior necessidade estratégica que urge atacar, para que as estruturas existentes, ou as que um dia venham a funcionar ou a ser criadas, possam cumprir a sua função cultural e justificar o investimento público. Trata-se da necessidade de formar públicos e esta necessidade passa pela produção cultural local, para além da oferta consumista a que estamos habituados.

É sempre com agrado que assisto a concertos da Banda da Sociedade Filarmónica Silvense, ao ar livre. O que mais me agrada é ver que as suas actuações atraem um público muito característico, que tem a ver com o envolvimento dos familiares e dos amigos dos músicos, que rodeiam a Banda com a sua alegria de gente atenta, que a ouve e a acompanha com palmas e outros sons, marcando o compasso; que se regozija com o prazer e a festa da música e que entende, por proximidade, a generosidade, o esforço, a dedicação, algumas vezes mesmo o sacrifício, que se exige, por anos a fio, na aprendizagem da teoria da música, do solfejo, da execução de um instrumento.
E que dizer da alegria da interpretação colectiva, quando os músicos se dirigem a um público que os sabe apreciar!?
(...)

(Continua no próximo post, brevemente, num blog local, perto de si.)

sexta-feira, setembro 29, 2006

A História de Silves em Medalhas (XIII)

  • História de Silves - 12
    Oitavo Centenário de Nacionalidade Portuguesa

    Após a proclamação da República, em 1910, Silves recebe o benefício de uma Escola Industrial e Comercial, dando à cidade uma nova vida. A indústria corticeira desempenha papel económico preponderante. Com a construção da Barragem do Arade, foi possível o rápido desenvolvimento de regadios, e abertura de viação rural. Nas últimas décadas, quase todo o concelho tem prosperado, surgindo grandes urbanizações, maior aproveitamento agrícola e novas infraestruturas, pavilhões gimnodesportivos e para feiras, escolas, museu, etc.

Nota final:
Termino assim esta viagem pela História de Silves, em medalhas. Embore desconfie de quem se trata, desconheço quem foi o autor destas sinopses, nada fáceis de conceber quando se aborda um período tão vasto de uma história tão cheia de factos e episódios importantes, como é o caso da história da nossa cidade. Os meus parabéns pelo seu critério e o meu obrigado pelo serviço que prestou, apesar de algumas incorrecções que aqui foram comentadas por leitor devidamente identificado.
Ao autor destas belas medalhas, Max Barroso, medalhista residente nas proximidades da cidade e na sua freguesia, também os meus parabéns e o meu obrigado.

Permitam-me que recorde que a ideia de colocar aqui estas medalhas partiu de um post que aqui escrevi e intitulei O Dia da Cidade.

quinta-feira, setembro 28, 2006

A História de Silves em Medalhas (XII)

  • História de Silves - 11
    Câmara Municipal

    Os "Homens Bons" de Silves reuniram, antes das Cortes de Santarém de 1383, na "Torre do Concelho", possivelmente a edificação, almoada, que protegia a Porta de Loulé ou da Almedina. Este dispositivo defensivo terá sido adaptado a sede da Câmara depois de D. Afonso III ter concedido foral à cidade (1266) e ostenta, sobre a porta, um escudo da 1ª dinastia. Perto encontravam-se o Pelourinho e a Cadeia. Um novo edifício inaugurado em 1891, cuja arquitectura interior oferece alusões neo-árabes e onde se encontra instalada a Câmara, foi mandado construir pelo industrial Salvador Gomes Vilarinho.


quarta-feira, setembro 27, 2006

A História de Silves em Medalhas (XI)

  • História de Silves - 10
    João de Deus

    Poeta lírico, nasceu em São Bartolomeu de Messines, em 1830.
    O seu primeiro livro de poesias, "Flores do Campo", foi editado em 1868. Um ano depois era eleito deputado por Silves. A sua Cartilha Maternal, de 1876, foi declarada Método Nacional de Leitura em 1888. Teófilo Braga reuniu as suas poesias em "Campo de Flores" (1893).
    Foi objecto de expressiva homenagem nacional em 1895. No ano seguinte falecia em Lisboa e foi sepultado no Mosteiro dos Jerónimos.


terça-feira, setembro 26, 2006

Os Dias de... faz de conta (II)

As Jornadas Europeias de Património também passaram por aqui.
Faz tempo que os painéis informativos da Câmara apresentavam aquela indicação, a que se seguia um número de telefone de contacto, para quem quisesse conhecer o que tencionava a autarquia realizar a tal propósito.
Desinteressei-me.
Sei que li depois, não recordo onde, mas num qualquer órgão da imprensa regional, que as crianças seriam convidadas a desenhar algumas das referências patrimoniais da cidade (creio que não abrangia o concelho).
"Criança sofre!"
E além das crianças, sempre solicitadas desde as primeiras experiências da pré-primária até ao 12º ano (se vierem a prosseguir estudos na área das artes), a desenhar esses referenciais da memória local, sofrem também os monumentos em causa.

O Castelo, monumento nacional, tem o seu interior completamente às avessas, com obras paradas que duram há anos.
A , monumento nacional, faz tempo que necessita de uma pintura e de alguns arranjos nas estruturas do seu pórtico, antes que caiam e se partam; as Jornadas de Património não lhe deram uma oportunidade.
A Cruz de Portugal, outro monumento nacional, também há anos que sobrevive entre o pó das obras da zona circundante ao Palácio da Justiça (mais uma inauguração oficial sem acabamento à vista). Este pobre cruzeiro, há cerca de dois anos que apresenta uma "protecção" tosca e miserável, numa pobre e inestética figura, que se parece com um par de cuecas de serapilheira caídas aos seus pés, como aqui revelo.
Cruz de Portugal, Setembro 2066, © António Baeta Oliveira

A vida cultural da cidade, semana após semana, vive numa letargia total, sem um acontecimento capaz de fazer esquecer esta rotina inconsequente, numa cidade parada em obras paradas, de comércio moribundo e sem um plano estratégico para o futuro.

É por tudo isto que é necessário fazer de conta, pelo menos para tapar os olhos a quem não vive por cá.

P.S.
Pude observar, já hoje de manhã, durante o meu exercício matinal, que as fraldas ou cuecas que revestiam a base do telheiro da Cruz de Portugal foram retiradas.
O que, até agora, nunca tinha parecido ou cheirado mal, deixou de existir; certamente para não ofender o olhar do Sr. Ministro da Justiça, ontem em Silves para inaugurar o novo Tribunal. Esqueceram-se, no entanto, de remover o lixo que ao longo deste tempo se acumulou sob o telheiro, talvez porque, à distância, o Sr. Ministro não o pudesse avistar. Mas iremos avistá-lo nós e quem nos visita, pois é realmente chocante a situação.
Foram-se as fraldas ou cuecas, mas ficou a merda à vista.
Deixem-me que vos confirme que as obras não foram terminadas. Os trabalhos que, apressadamente, se realizaram nestes últimos dias não foram concluídos. Resumiram-se ao nivelamento do largo fronteiro e à construção de um corredor de acesso, para não estragar os sapatos do Sr. Ministro na gravilha solta, o que poderia continuar a acontecer aos munícipes, indefinidamente, pois "sapatos", como os chapéus, há muitos.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Os Dias de... faz de conta

A Câmara de Silves nunca antes tinha aderido ao Dia Europeu Sem Carros. Resolveu fazê-lo este ano, vá lá saber-se porquê!?

A cidade cresce e afasta-se do centro. As Finanças, o Tribunal, o Instituto Piaget, serviços públicos longe do centro, atraem comércio, vários serviços e novas áreas urbanas, retirando ao centro algumas das suas habituais funções e alargando a cidade para a periferia. Os bairros, que em seu tempo se construíram em zonas mais afastadas, começam a integrar a cidade.
Apesar destas evidências, a cidade continua sem transportes públicos, gerando necessidade de utilização diária do automóvel. A situação chega ao ponto de não haver ligação regular com a estação de caminho de ferro, que dista da cidade quase dois quilómetros, numa estrada sem passeios nem qualquer resguardo para peões. Quem chega de noite, por comboio, vê-se confrontado com esta estranha situação, de "bradar aos céus". E que dizer do turista que toma o comboio para Silves, desprevenidamente, e ainda tem que regressar de onde partiu?!

Pois é!

          - Sem que haja parques de estacionamento bem dimensionados, adequados e que funcionem, oferecendo segurança;

          - Sem que nada tenha sido feito no sentido da criação de transportes públicos, que circulem entre esses parques, os novos bairros, as zonas limítrofes (estação de caminho de ferro e seus bairros, incluídos) e o centro da cidade;

          - Sem que se abram corredores para transportes alternativos, num convite à sua utilização;

          - Com um centro histórico em obras por todo o lado;

          - Com uma circulação complicada e reduzida a poucas artérias...


... porque é que se decide, surpreendentemente, sem sequer dar tempo suficiente para passar a palavra, aderir ao Dia Europeu Sem Carros, gerando uma confusão maior do que a que, tristemente, vem sucedendo no dia-a-dia de uma tranquila cidade com cerca de 10 mil habitantes?

Silves e Dia Europeu sem Carros, Setembro, 2006, © António Baeta Oliveira Silves e Dia Europeu sem Carros, Setembro, 2006, © António Baeta Oliveira
                                          Silves e Dia Europeu Sem Carros

Para... fazer de conta, certamente.

sexta-feira, setembro 22, 2006

A História de Silves em Medalhas (X)

  • História de Silves - 9
    Igreja de Nª Sª dos Mártires

    Foi, segundo a tradição, mandada construir por D. Sancho I, quando da Conquista de Silves, para santificar o chão que sepultou os cristãos caídos naquela empresa. Contudo, tanto a sua arquitectura, de estilo manuelino, como recentes escavações arqueológicas ali realizadas, demonstram tratar-se de templo edificado nos inícios do séc. XVI e remodelado em 1779. Oferece capela-mor com abóbada nervurada, sóbrio arco triunfal, e guarda três lápides tumulares, assim como retábulo de talha dourada, do século XVI. Um dos fechos da abóbada exibe o camaroeiro, emblema da Rainha D. Leonor, a quem pertencia, por vontade de D. João II, a cidade de Silves. É, desde 1961, Imóvel de Interesse Público.


Notas, a propósito desta data:

1. - Hoje, 22, ao cair da noite, os judeus comemoram o
רֹאשׁ הַשָּׁנָה (Rosh Hashaná), a entrada no novo ano de 5767.
Esta data coincide, no calendário judeu, com a fundação da primeira Sinagoga de Lisboa, que comemora o seu 7º Centenário.

2. - Dia 24, também pela noite, o mundo muçulmano celebra a entrada no
رمضان (Ramadão), o 9º mês do seu calendário, um mês de jejum e meditação.

3. - Em relação com estes dois calendários, de duas diversas civilizações, está a ocorrência da Lua Nova, pelas 12h45 (hora local) do dia 22. O Equinócio do Outono, às 04h05 (hora local) do dia 23 de Setembro, não se relaciona com aquelas duas manifestações religioso-culturais.


Aos meus amigos judeus e muçulmanos envio as minhas sinceras saudações.

quinta-feira, setembro 21, 2006

A História de Silves em Medalhas (IX)

  • História de Silves - 8
    Cruz de Portugal

    Durante os finais do séc. XV e na primeira metade do séc. XVI, realizaram-se em Silves significativas campanhas de obras na Sé e edificaram-se as Igrejas da Misericórdia e de Nossa Senhora dos Mártires.
    A Cruz de Portugal, é um importante cruzeiro, daquele período, esculpida em calcário branco e de estilo manuelino. Mostra, numa das faces, Cristo crucificado, e na outra, Cristo descido da cruz, nos braços da Virgem. A sua localização, à saída de Silves, indicava o caminho que, do então Reino do Algarve, seguia para Portugal. É Monumento Nacional desde 1910.


quarta-feira, setembro 20, 2006

A História de Silves em Medalhas (VIII)

  • História de Silves - 7
    Ponte Velha

    A importância de Silves capital do Algarve, como centro político-religioso e económico, mantém-se durante os séculos XIV e XV.
    A Ponte Velha sobre o rio Arade, permitindo às populações da zona um mais fácil relacionamento, estava concluída em 1473, conforme nesta data é referido pelos representantes de Silves nas Cortes. Este monumento é ainda mencionado no Livro do Almoxarifado da cidade, provavelmente de 1474.
    No século XVIII construiu-se o bonito palácio que ainda hoje se observa frente à ponte.


segunda-feira, setembro 18, 2006

O Mar

Cacela-a-Velha, Setembro 2006, © António Baeta Oliveira
Cacela-a-Velha, na manhã de Domingo


  • Canto do Ecocardiograma

    Dialogo com o mar, que sempre soa
    para quem carnalmente habita a costa,
    neste habitar de raiz que inclui
    nascimentos e mortes de parentes,
    ouvintes todos por adaptação
    da espécie à ondulação dos tímpanos.
    Depois, ouvir o mar seria
    como escutar um hino, como ouvir
    as abelhas no louvor do Sol.
    Também chilreia a água na bonança,
    na maré viva bate, como bate
    o meu sangue no ecocardiograma.
    Soube assim que a água do meu corpo
    se harmoniza com a água do mar
    de acordo com o Ritmo que nos rege.
    O aparelho soa e avassala
    os meus dois ouvidos com o fragor
    deste meu coração que soa a onda
    ou a regato forte que embate
    em pedras certas. Enfim, o mar
    humilha-me e engrandece-me, pois eu era
    poeta apenas, e desejei apenas
    beber o mar num verso
    expresso em micro-sons.
    Nunca mais me esqueço desse fluxo
    que ouvi correr e pulsar fora de mim,
    e suponho que os ecos primordiais
    são semelhantes, mas diversos, pois
    só por minutos o meu inteiro som
    é regular no Tempo
    que sempre é sem tempo.

Fiama Hasse Pais Brandão
Canto do Canto (1995)
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

sábado, setembro 16, 2006

Um dia por Darfur



Domingo, 17 de Setembro, faça algum barulho por Darfur.
Clique na imagem acima e adira à campanha da Amnistia Internacional.

sexta-feira, setembro 15, 2006

A História de Silves em Medalhas (VII)

  • História de Silves - 6
    Os Portugueses

    Portugueses e Cruzados, sob o comando de D. Sancho I, tomaram Silves no dia 3 de Setembro de 1189. A cidade caiu, novamente, em poder dos Almoadas, em 1191, sendo reconquistada em 1248, graças à acção de D. Paio Peres Correia.
    Os inícios de edificação da Sé, poderá remontar aos finais do séc. XIII ou aos inícios do séc. XIV e, segundo a tradição ocupa o local onde se erguia a Mesquita Maior. É um amplo templo com três naves, de estilo gótico, reedificado em meados do séc. XV, mas com campanhas de obras do reinado de D. Manuel e posteriores. Ali se guarda a sepultura onde, durante quatro anos, repousou o corpo de D. João II, assim como túmulos dos seus bispos.


quinta-feira, setembro 14, 2006

A História de Silves em Medalhas (VI)

  • História de Silves - 5
    Os Muçulmanos

    Ei, Abu Bacre, saúda os meus amigos em Silves e pergunta-lhes se, como penso, ainda se recordam de mim. Saúda o Palácio das Varandas da parte de um donzel que sente perpétua saudade daquele alcácer. Quantas noites passei, deliciosamente junto a um recôncavo do rio com uma donzela cuja pulseira rivalizava com a curva da corrente. O tempo passava e ela servia-me a bebida do seu olhar e outras vezes a do seu copo e outras a da sua boca. As cordas do seu alaúde feridas pelo plectro estremeciam-me como se ouvisse a melodia das espadas nos tendões do peito inimigo. Ao retirar o seu manto, descobriu o talhe, florescente ramo de salgueiro, como se abre o botão para mostrar a flor.

Evocação de Silves, de Al-Mutamide (séc. XI)

quarta-feira, setembro 13, 2006

A História de Silves em Medalhas (V)

  • História de Silves - 4
    Os Muçulmanos

    Em 713 a Cidade de Silves foi integrada no mundo muçulmano e a partir de 929 foi incluída no Califado de Abd Ar-Rahman III, sendo então uma cidade próspera. Posteriormente, sob o governo de Al-Mutamide e numa época de grande esplendor cultural, dominou o Algarve.

    Os Almorávidas tomam Silves, em 1091, tendo-se tornado um reino independente, sob a égide de Ibn Qasi, até à conquista Almoada (1156). A este último período pertence um bom número de monumentos, tal como as fortes muralhas da Alcáçova e da Medina, com as suas torres albarrãs e portas, o poço-cisterna, o grande depósito de água e as ruínas do palácio ainda existentes no Castelo.

Nota:
Um pouco à margem deste texto, mas por motivos próximos desta iniciativa, quero referir que o site da VIVARTE, companhia responsável pela animação da Feira Medieval de Silves, estabeleceu um link para este blog "... por vez de outros relatos de outra imprensa...", como ali se refere. O meu obrigado a João Cardoso, produtor daquela companhia, com quem, neste mesmo Local & Blogal, já tive oportunidade de trocar comentários esclarecedores sobre o assunto.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Outono


  • É um outono inteiro imerso em armas
    é um sopro de dias
    movendo as suas lentas madrugadas
    e nas manhãs e tardes repetindo

    o céu cobrindo armas
    o sol por entre as árvores deixando
    soprar o movimento único imenso
    da manhã e da tarde a

    madrugada
    das armas renovada
    por um outono tão completo como

    o voo doloroso de ave morta
    ou o sopro do ar sobre o humano
    temor único imenso destas aves

Poemas de Gastão Cruz ditos por Luis Miguel Cintra
Assírio & Alvim, Lisboa 2005

Ouça o poema, na voz de Luis Miguel Cintra

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sexta-feira, setembro 08, 2006

A História de Silves em Medalhas (IV)

  • História de Silves - 3
    Os Romanos

    A colonização romana na área da actual Cidade de Silves fez-se sentir a partir de meados do séc II a.C. (Rocha Branca). Numerosos vestígios de villae e de necrópoles, denotam uma romanização intensa desta região, aproveitando tanto a proximidade da costa, rica em peixe, marisco e sal, como as férteis áreas agrícolas, os jazigos de minérios, ou uma localização entre o litoral e o interior, propícia ao desenvolvimento do comércio. A cidade era servida por um bom porto fluvial e na sua área urbana actual, descobrem-se testemunhos desta ocupação, sobretudo dos sécs. III-IV d.C.


quinta-feira, setembro 07, 2006

A História de Silves em Medalhas (III)

  • História de Silves - 2
    Idade do Ferro

    No Calcolítico e na Idade do Bronze foram explorados jazigos de cobre na área do Concelho de Silves. A este último período pertencem numerosas necrópoles da denominada Cultura do Bronze do Sudoeste. Posteriormente, na Idade do Ferro (sécs. VIII-V a. C.), intensificaram-se os contactos com o Mediterrâneo Oriental e é introduzida na região, a escrita, a roda de oleiro e o fabrico de objectos de ferro. No Cerro da Rocha Branca, junto a Silves, estabeleceu-se uma feitoria fenícia, que se há-de desenvolver na II Idade do Ferro, sob a influência púnica (sécs. IV-II a.C.).


quarta-feira, setembro 06, 2006

A História de Silves em Medalhas (II)

  • História de Silves - 1
    Período Neolítico

    O Concelho de Silves oferece testemunhos muito remotos da ocupação humana. Aqui se têm encontrado artefactos do Paleolítico fabricados, a partir de seixos e de lascas, pelos caçadores recolectores que o frequentaram.
    Cerâmicas e materiais de pedra polida oferecem indícios da presença do Homem Neolítico na região. Neste mesmo período (IV milénio a.C.) ergueram-se alguns menires que denunciam já a presença de uma superstrutura religiosa, complexa, onde se evidencia o culto da fertilidade.


terça-feira, setembro 05, 2006

A História de Silves em Medalhas

Por ocasião das Comemorações do 8º Centenário de Nacionalidade Portuguesa, assim se designava o que esta administração chama agora de "Conquista de Silves aos Mouros", foi editada uma colecção de 12 medalhas, para 12 diferentes períodos da história local, onde cada uma delas, além de testemunhos relativos a cada um desses períodos, cunhados na face, traz, no verso, um pequeno resumo da História da Cidade.

Tentando combater um pouco esta visão redutora da nossa História, que a confina à presença portuguesa, e que a grande maioria dos silvenses desconhece, pois não integra o currículo escolar, fotografei cada uma dessas medalhas e vou divulgá-las aqui, uma a uma, numa sequência de edição de três vezes por semana, ao longo de quatro semanas deste mês de Setembro - o mês em que a população de Silves, em 1189, ficou pela primeira vez sob administração portuguesa.
A tomada desta praça foi de uma tal importância para a coroa portuguesa, dado o prestígio de Silves à época, que D. Sancho I passou a usar o título de Rei de Portugal, Silves e Algarve.
A importância desta cidade para a administração islâmica ficou provada com a retoma da cidade em 1191, dois anos depois, permanecendo sob o seu poder por mais de meio século, até que Afonso III, em 1248, a voltou a incorporar no seu Reino de Portugal.

segunda-feira, setembro 04, 2006

O Dia da Cidade

Avenida junto ao rio, Silves, 3 de Setembro de 2006, © António Baeta Oliveira
(Foto captada com a câmara do telemóvel, no entardecer do Dia da Cidade, e que intitulei Beirute/Silves)

Na ausência de qualquer informação sobre iniciativas do executivo camarário para o Dia da Cidade, elegi esta foto dos escombros da Avenida sobre o rio, paradigma da actuação desta administração, que dá início a obras cujo fim e finalidade não consegue controlar, num atoleiro que envolve toda a cidade, que aqui descrevi no meu penúltimo post e que o Saco dos Desabafos complementa pormenorizadamente.

As Comemorações do Dia da Cidade, na óptica desta administração camarária, constituem uma jornada em que não participo, e em que não participarei, enquanto o Dia da Cidade for evocado nesta perspectiva redutora e negativista, de "Conquista da Cidade aos Mouros", que pressupõe a inexistência da cidade, dos seus cidadãos e da sua cultura nos séculos que precederam a administração portuguesa. É como um voltar as costas a todas as civilizações que nos antecederam, de Cilpes a شلب (Xilb), e que nos fizeram como somos hoje. É esquecer os intelectuais, os artífices, os cientistas e os poetas, cujos testemunhos permanecem entre nós e que viveram Silves, esta mesma cidade, tanto ou mais intensamente do que vivemos hoje. Os seus inumeráveis vocábulos fixaram a nossa língua, o seu saber e forma de viver integraram os costumes que hoje identificamos no artesanato, no labor agrícola e no controlo da água, esse preciosíssimo bem.

Porquê a primazia destas comemorações no confronto com os mouros, como se os mouros não fôssemos nós, os que nascemos e vivemos neste território, subjugados ao peso da administração islâmica e depois da portuguesa?

Porquê não comemorar o encontro destas culturas, tão patente, afinal, nos monumentos que ainda hoje melhor nos identificam - o Castelo, islâmico, e a Sé Catedral, portuguesa e cristã?!

sexta-feira, setembro 01, 2006

Um ano depois, o Teatro ainda não foi devolvido à cidade


A 3 de Setembro próximo passará um ano sobre a inauguração oficial do Teatro Mascarenhas Gregório, agora recuperado, mas cujo "espaço ainda não foi devolvido à cidade", no dizer de Aurélio Nuno Cabrita, investigador de História local e regional, em artigo publicado no Barlavento e cujo texto pode ser lido aqui.
O texto recorda a primeira inauguração do teatro, no dia 24 de Julho do ano de 1909.