Fez agora um mês, encontrei-me com ele em Tavira, sua terra natal. Passeou-se calmamente pelos espaços da biblioteca local, a que atribuíram o seu nome, e ouvi distintamente as suas palavras:
Sim, sou eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobresselente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
[.../...]
Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos
Editorial Nova Ática
Ele pode não ter dito exactamente estas palavras.
Estas escolhi-as eu, ao lê-las hoje, de entre outras suas, como as que nessa noite ouvi distintamente, num enquadramento arquitectónico e cénico que me proporcionou uma das mais belas noites deste Verão, graças à imaginação e à criatividade do grupo de teatro Al-Masrah - (المسرح), residente em Tavira, a quem agradeço a oportunidade.
À Susana e ao Pedro, o meu abraço amigo e reconhecido.
2 comentários:
Há posts que são imperdíveis - este é um deles!
Tive também o prazer de partilhar esses momentos. E que sublimes, pela simplicidade e beleza que transmitiram. Um grande bem haja para o Al-Masrah.
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