Na acanhada sala de conferências do Museu Municipal de Arqueologia, José Costa, arqueólogo responsável pela intervenção, na sequência de uma parecer do IPA (Instituto de Português de Arqueologia), fala-nos de uma área de escavação de cerca de 3000m2, enquanto decorrem obras de uma urbanização que se estende por 4280m2. Houve que conciliar, por negociação, o tempo necessário à prossecução dos trabalhos arqueológicos e a urgência do avanço da construção por parte da empresa responsável pela obra.
Negociação desgastante e nada fácil, para ambas as partes envolvidas, como se pode constatar pela foto ao lado, obtida a partir da projecção de um diapositivo do conferencista (o maquinista aguarda a última medição do arqueólogo).
O bairro islâmico sob intervenção incluía, anexa à área residencial, uma área comunitária ou de utilização pública, com um grande forno de pão e sistemas de captação e elevação de água que, pela sua disposição, paralela à rua Cândido dos Reis, permitiu a sua autonomização do empreendimento e preservação, com possibilidade de escavação futura. De referir ainda uma estrutura de armazenamento de água e uma outra, para cuja utilidade se procuram ainda paralelos em escavações em período islâmico.
A área residencial, de onde se recolheram mais de 170 mil objectos, denota uma urbanização bem planeada, como se pode observar nesta foto (de um slide projectado durante o colóquio), que revela uma canalização que atravessa três construções sucessivas.
A zona residencial dispunha-se ao longo de uma rua, com 3,80m de largura, que se prolongaria, bem como o bairro, atravessando o que é hoje a rua Cândido dos Reis e a estrutura industrial (actualmente de cultura e lazer), da Fábrica do Inglês.
As 16 casas alvo de intervenção, de proprietários modestos e revelando alguma homogeneidade social, apresentavam 5 ou 6 compartimentos, dispostos em U ou L em torno de um pátio descoberto, com cozinha, armazém, latrina, salão e/ou alcova, com sistemas de saneamento, apresentando canalizações para fossas exteriores, que recebiam os detritos das latrinas, ou condutas de águas de chuva, a partir do pátio, e águas de banhos e de utilização doméstica, conduzidas para a rua. Talhas, silos, lareiras, forno doméstico integram estes espaços habitacionais.
O bairro apresentava uma degradação prolongada no tempo, significando o seu abandono, que aos olhos dos investigadores parece ter sido planeado e ter ocorrido semanas ou meses antes da tomada definitiva da cidade pelos portugueses. Os materiais encontrados parecem arrumados e teriam ficado apenas as coisas que não valeriam a pena levar. Encontraram-se alguns cabos de roca (em osso), pontas de fuso, agulhas, um poiso de mó, alguma cerâmica vidrada e material de cozinha, em cerâmica, ferro ou bronze, candeias e pouco mais.
Como se referia no último dos slides projectados:
«Volvidos cerca de 650 anos o espaço é ocupado por uma unidade industrial; sete séculos e meio depois desaparecem as estruturas islâmicas e nasce o 'Empreendimento do Castelo'».
Das conclusões finais e debate que se seguiu, com intervenção da assistência, há que relevar que a intervenção arqueológica só foi solicitada depois do licenciamento da obra, de modo que pouco ou nada mais se poderia fazer.
O que poderia ter sido um novo pólo de desenvolvimento e atracção cultural e turística será, em breve, mais uma urbanização, que poderia ter sido construída em qualquer outro lugar da cidade, deixando preservado tão rico e exemplar património, totalmente destruído.
Figura-se importante que a edilidade acabe com este tipo de procedimento. Vai sendo tempo de orçamentar e encomendar a definição de uma carta de sensibilidade arqueológica, de forma a que sondagens prévias ao licenciamento possam ser efectuadas, sempre que se requeira construir dentro da área coberta por essa carta. Nestas circunstâncias, esta situação, bem como outras que sempre vêm ocorrendo, poderiam ter sido evitadas, numa cidade orgulhosa do seu património e que aspira a um turismo cultural de qualidade, como é usual ouvir dizer por parte dos responsáveis autárquicos.
P.S.
A situação acima descrita já aqui tinha sido denunciada, em Janeiro de 2006, num post que intitulei Preservar a Memória (clique).
8 comentários:
Perante a ausência de jornalistas que, pelos vistos, só se interessaram pelo assunto aquando da badalada destruição, o que nos vale é a reportagem do «blogger» que os substituiu!
Palavras para quê?
Só mais um exemplo da boa gestão do património, que é a nossa maior riqueza...
"Viva a sensibilidade e as prioridades politicas desta terra"
Foi sem dúvida um dos maiores atentados patrimoniais dos últimos anos. Infelizmente, e com muita pena minha não me foi possível ir ao colóquio, mas foi com todo o agrado que li as palavras do António que certamente bem descrevem o que se falou na sala. Serve-me de consolo a hipótese de ver a mesma comunicação no dia 28 de Outubro no III Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular a realizar em Aljustrel entre o dia 26 e 28 deste mês.
É muito triste.
RS
Muito dinheiro, pouca sensibilidade, desprezo pelo passado, máquinas poderosas nas mãos de patos bravos e não há memória que(lhes)resista
fico sempre deprimida quando o assunto é silves em obras, intervenções e polis..
um abraço
Obrigado, amigos. Mais palavras para quê?!
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