segunda-feira, setembro 18, 2006

O Mar

Cacela-a-Velha, Setembro 2006, © António Baeta Oliveira
Cacela-a-Velha, na manhã de Domingo


  • Canto do Ecocardiograma

    Dialogo com o mar, que sempre soa
    para quem carnalmente habita a costa,
    neste habitar de raiz que inclui
    nascimentos e mortes de parentes,
    ouvintes todos por adaptação
    da espécie à ondulação dos tímpanos.
    Depois, ouvir o mar seria
    como escutar um hino, como ouvir
    as abelhas no louvor do Sol.
    Também chilreia a água na bonança,
    na maré viva bate, como bate
    o meu sangue no ecocardiograma.
    Soube assim que a água do meu corpo
    se harmoniza com a água do mar
    de acordo com o Ritmo que nos rege.
    O aparelho soa e avassala
    os meus dois ouvidos com o fragor
    deste meu coração que soa a onda
    ou a regato forte que embate
    em pedras certas. Enfim, o mar
    humilha-me e engrandece-me, pois eu era
    poeta apenas, e desejei apenas
    beber o mar num verso
    expresso em micro-sons.
    Nunca mais me esqueço desse fluxo
    que ouvi correr e pulsar fora de mim,
    e suponho que os ecos primordiais
    são semelhantes, mas diversos, pois
    só por minutos o meu inteiro som
    é regular no Tempo
    que sempre é sem tempo.

Fiama Hasse Pais Brandão
Canto do Canto (1995)
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

3 comentários:

RS disse...

E eu, que vivo tão perto dele, tenho saudades de regressar ao mar. Ao meu mar.
Todos deveriam ter um mar a que chamar seu.

Um abraço,
RS

hfm disse...

Belíssimo - o tempo - o mar.

Unknown disse...

Rui e Helena
Um abraço; se me fosse possível com cheiro a maresia.