Cacela-a-Velha, na manhã de Domingo
- Canto do Ecocardiograma
Dialogo com o mar, que sempre soa
para quem carnalmente habita a costa,
neste habitar de raiz que inclui
nascimentos e mortes de parentes,
ouvintes todos por adaptação
da espécie à ondulação dos tímpanos.
Depois, ouvir o mar seria
como escutar um hino, como ouvir
as abelhas no louvor do Sol.
Também chilreia a água na bonança,
na maré viva bate, como bate
o meu sangue no ecocardiograma.
Soube assim que a água do meu corpo
se harmoniza com a água do mar
de acordo com o Ritmo que nos rege.
O aparelho soa e avassala
os meus dois ouvidos com o fragor
deste meu coração que soa a onda
ou a regato forte que embate
em pedras certas. Enfim, o mar
humilha-me e engrandece-me, pois eu era
poeta apenas, e desejei apenas
beber o mar num verso
expresso em micro-sons.
Nunca mais me esqueço desse fluxo
que ouvi correr e pulsar fora de mim,
e suponho que os ecos primordiais
são semelhantes, mas diversos, pois
só por minutos o meu inteiro som
é regular no Tempo
que sempre é sem tempo.
Fiama Hasse Pais Brandão
Canto do Canto (1995)
OBRA BREVE
Assírio & Alvim, Lisboa 2006
3 comentários:
E eu, que vivo tão perto dele, tenho saudades de regressar ao mar. Ao meu mar.
Todos deveriam ter um mar a que chamar seu.
Um abraço,
RS
Belíssimo - o tempo - o mar.
Rui e Helena
Um abraço; se me fosse possível com cheiro a maresia.
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