quinta-feira, julho 31, 2003
É bem efémera a vida de um "post"
Já nem me refiro ao meu primeiro "post", o que foi motivo da criação deste blog, nem aos outros que agora já só figuram, em segundo plano, retirados no Arquivo. Falo destes que ainda se vão mantendo na página principal, mas que se vão arrastando para o fundo e, no curto espaço de tempo que dura uma semana, se irão eclipsar, na zona do esquecimento.
Quem mais irá ler e conhecer os belos poemas de Al-Mu'tamid, Ibn 'Ammar ou Ibn Qasi, que quase caracterizaram o conteúdo desta página?
Como reconhecerão amanhã os meus leitores a índole luso-árabe destes meus escritos dos primeiros dias?
Que saudades eu já tenho da imagem do Castelo de Silves ao entardecer, que ainda ontem figurava logo ao abrir!
Que sentimentos me irão deixar os pensamentos e emoções que irei passando a escrito por aqui?
É tempo de contacto "interblogal"
A Abrupto, por ter aceitado a minha oferta de alguns objectos em vias de extinção, na minha nota de 25 de Julho, para a sua colecção. A sua referência ao meu blog fez com que o contador de visitas atingisse valores fora do habitual, se bem que em rápidas estadias, sem qualquer consumo e sem sequer me darem a oportunidade de dar azo à minha hospitalidade. Creio que esta febre já passou, ou está a passar.
A SMS Jornal do Algarve que abriu um link para o Local e Global.
A O Maranhão que nos enviou um email felicitando este blog e informando que também se nos link(ou).
A Sombra trocou comigo alguns comentários e promete um link permanente. Fico à espera, pois já cumpri a minha parte visitando O Panorama e lendo o oportuno artigo sobre "cinco séculos de esquecimento".
quarta-feira, julho 30, 2003
Entardecer
O lento e quente entardecer de Verão sobre a grande atalaia, que teima em conservar o calor até à madrugada seguinte.
terça-feira, julho 29, 2003
Ainda, "Marginalidades"
ALMEIDA, António Fragoso
Revista Sul, número sete, Verão de 2003
segunda-feira, julho 28, 2003
Marginalidades
Primeira marginalidade.
Vivo no Algarve, que muitos reclamam como região exemplar, atento ao que me cerca, e esta revista tem-me passado completamente à margem. Ou eu sou mesmo um marginal, aqui retirado no interior do barrocal, em Silves, já bem junto à serra, ou teremos que repensar bem este conceito de região. Esta revista não é um jornal local e fala de coisas que interessam a todos.
Segunda Marginalidade.
Logo "a abrir", o humor de Coisas de Marca, de Entre a vida e a morte, de O aspirador de Mafalda ou de Columbofilias, roçariam bem perto a marginalidade se a publicação estivesse a cargo de qualquer bem pensante revista de expressão nacional, pelo que se diz, pelo como se diz, pelo porque se diz.
Terceira Marginalidade.
A entrevista a Zé Eduardo, sim o do "Jazzar", com o título Isto só mesmo um golpe de Estado..., a propósito do ensino da música em Portugal.
Quarta Marginalidade.
O "dossier". Os ciganos, o racismo, a homossexualidade, a análise ao desenvolvimento sustentável, o PIB (para medir destruição da nossa qualidade de vida), são abordagens pouco comuns, bem em contra-mão dos grandes temas do momento certamente menos urgentes que estas velhas urgências de todos os dias.
Quinta Marginalidade.
Acabei por não a cometer, violentando a minha vontade de transcrever tanta coisa da vossa revista, mas recomendo:
Email: Sulterfugio
Telefone: 282 911 468 (para assinaturas, distribuição e publicidade)
Obrigado a vocês todos; ajudaram-me a reflectir.
Subscrevi um novo serviço para os comentários (com smiles para os que gostam de comentários curtos), já que não estava de todo satisfeito com o que me era prestado pelo enetation.com.
Assim, todo o serviço de comentários anterior a esta data não está a funcionar, mas mantenho-o activo, aguardando solução. Queiram desculpar qualquer inconveniente.
sexta-feira, julho 25, 2003
Hoje acordei de "cu prá lua"
Mas hoje, preguiça instalada, comecei com as hesitações do vou-ou-não-vou e acabei por não ir.
Ocorreram-me à mente distantes recordações da velha casa onde passei a minha infância, com as perseguições da minha mãe para que eu tomasse o purgante. O purgante era uma mistela horrível, muito provavelmente à base de óleo de rícino ou algo semelhante, que serviria, penso eu, para combater os oxiúros, as vulgares lombrigas ou ténias. Sei lá!
Será que isso ainda se toma? Estou em crer que não, pois as minhas filhas já usaram uns comprimidos, em número adequado ao peso, e até mesmo o óleo de fígado de bacalhau foi ministrado em cápsulas, e não em colheres, de boca aberta e dedo no nariz para impedir o cheiro nauseabundo de tal coisa.
A memória trouxe-me também algo mais que já me fez sorrir: os velhos tinteiros de porcelana, nas carteiras da escola e os aparos, cujos restos de tinta limpávamos no cabelo. No local onde me dava jeito limpar a tinta, ou na proximidade, tinha eu um tufo de cabelo preto que atribuía à limpeza do aparo. Hoje tenho lá uma pelada e, de cada vez que me deparo com um novo barbeiro, lá terei de contar esta minha anedota.
Sabem o que finalmente me alegrou e recompôs o dia? As belas fotos de Tavira, em Jaquinzinhos, apesar de me terem aguçado o apetite por locais de que estarei privado de usufruir este Verão, a beira-mar, evitando a exposição ao sol, depois de uma exposição ao fogo no passado Carnaval. Azares!
quarta-feira, julho 23, 2003
A cratera
- - "Finalmente a "coisa" vai parar à lixeira! Será reciclável? Se o for, espero que não vá parar a Armação de Pêra!".
Estou em crer que a minha amiga sabia mais do que quis dizer, e receio que tudo o que ela me contou se esteja a concretizar. Então não é que o trabalho a que assisti, que eu pensava ter tido o seu início e ao qual desejei uma rápida intervenção, parou!?
Sim, caros frequentadores deste blog, os vestígios da "guerra" ainda não chegaram ao fim; depois do BUNKER, ficou a CRATERA.
Fotografia da CRATERA, no dia 23 de Julho de 2003
Quanto ao bunker ter sido transferido para Armação de Pêra e a programação da transferência ter contado com os trabalhadores para a sua implantação no novo local, não posso garantir, pois desde que começou o Verão e consequente cortejo não mais pus lá os pés. Posso garantir, isto sim, que os trabalhadores não se encontravam junto à cratera, devido também, acho eu, a prévia programação destas obras.
Ora essa!
terça-feira, julho 22, 2003
Ibn Qasi, de Silves. (séc. XII)
Ibn Qasi viria a ser assassinado em Silves, acusado de traição e conluio com Afonso Henriques, com quem tinha firmado uma aliança. Afonso Henriques ter-lhe-ia oferecido um cavalo, um escudo e uma lança.
O poema que incluo nesta nota foi retirado de um trabalho - As Sandálias do Mestre - sobre O Descalçar das Sandálias, um tratado filosófico de Ibn Qasi, aqui abordado por Adalberto Alves, mas que vem merecendo a atenção de vários arabistas.
O poema é referido com uma predição à tomada de Silves:
e lança setas mortais sobre o inimigo.
com tuas mãos protege Silves,
chão de pomos, cidade primorosa.
e assim será até um fatal dia:
tão numerosos serão os inimigos
que todos os cumes da montanha
hão-de gritar: cristão!
As Sandálias do Mestre
Hugin Editores, Lda., Lisboa 2001
segunda-feira, julho 21, 2003
Ibn 'Ammar, de Silves. (séc. XI)
sem que uma lágrima me caia
como a do enamorado enternecido,
ou de ti, Sevilha,
sem um suspiro de ansiedade?
... / ...
Ibn 'Ammar al-andalusî - O drama de um poeta
Assírio & Alvim, Lisboa 2000
sábado, julho 19, 2003
Fui, de novo, ao CAPa, e alguns comentários complementares
No CAPa (Centro de Artes Performativas do Algarve), o mesmo local onde há alguns dias atrás tinha assistido a "és tu Zé? valsa lenta", tive a oportunidade de me confrontar, umas dezenas de anos mais tarde, com "As Moscas", de Jean Paul Sartre, numa encenação e adaptação dramatúrgica de Pedro Wilson.
Não se tratou de uma produção do CAPa, mas da utilização do seu espaço pelo SIN-CERA, Grupo de Teatro da Universidade do Algarve, que conta com Pedro Wilson como encenador, em muitos, a grande maioria dos trabalhos a que já tive a oportunidade de assistir.
Susana Nunes, que empresta o seu corpo de mulher, numa segura e corajosa interpretação da personagem de Orestes, a figura fulcral do tema da liberdade individual e da ideia de que a existência precede a essência, "Não existe uma natureza humana, é o próprio homem, numa escolha livre porém situada, quem determina a sua própria existência" (Jean Paul Sartre), que assume um nu integral a partir do momento em que o seu Orestes decide assassinar pai e mãe, num acto de liberdade exemplar, marca incontornavelmente tudo o que se possa dizer sobre esta encenação.
A utilização da projecção de diapositivos com figuras do passado e da actualidade, num óbvio piscar de olho a remeter-nos para a sociedade dos nossos dias, a cenografia de tons negros, com colunas clássicas, que se movem como planetas comandados por Zeus, algumas das soluções para agigantar e projectar a figura de Júpiter e o seu poder sobrenatural, se bem que nem sempre bem conseguidas, a coreografia das Erínias, as moscas, a cadeira do trono, simulando uma cadeira eléctrica, são apontamentos que quero registar e me agradaram bastante.
Os meus parabéns ao colectivo por este trabalho. Sinceramente, gostei.
Esta minha opção pelo CAPa e pelo SIN-CERA, em detrimento de "AMÁLIA", de La Féria, em Silves, fez-me perder o que, no dizer da Sra. Presidente da Câmara ao Região Sul, foi "...um marco histórico no Algarve." ... o princípio de uma "descentralização cultural".
Lili Caneças, que veio para um jantar na Fábrica do Inglês, assinalando a estreia em Silves deste musical, também declarou a "Região Sul" que "os autarcas algarvios têm feito um grande esforço para oferecer cultura ao povo" e "A famosa "tia" de Portugal "acredita na descentralização do poder e na importância do poder local para o desenvolvimento cultural dos concelhos"., deixando-me perplexo. Como pode esta senhora confundir a acção da autarquia com a actividade da Fábrica do Inglês, se bem que ambas se sediem em Silves, com declarações que contrariam uma outra de La Féria no mesmo jornal: "Filipe La Féria aproveitou para criticar o abandono a que grandes teatros e salas de espectáculo são votados pelo Estado português, como é o caso do teatro Letes, em Faro. Quanto a esta questão, Filipe La Féria foi peremptório ao afirmar que "o Estado mata os teatros" e sugeriu que estes espaços devem pertencer aos artistas ou a empresários e nunca ao Estado."?!.
Ah!
sexta-feira, julho 18, 2003
85º aniversário de Nelson Mandela
Happy Birthday, Mr. Mandela!
A foto, da galeria do Sunday Times, África do Sul, tem o sabor especial de documentar uma afirmação de Mandela, várias vezes repetida, a de que o seu maior desgosto é o de não ter sido campeão do mundo de pesos pesados.
quinta-feira, julho 17, 2003
Ainda a propósito da conquista de Silves, em nota de 9 de Julho
Acontece que subscrevo a sua nota e a transcrevo para aqui.
"Aqui vai mais um comentário, este a propósito do que foi escrito sobre a referência à conquista de Silves feita pela Srª Presidente da Câmara na abertura da Agenda Municipal.
E eu também não. Não comemoro o 3 de Setembro se for a conquista de Silves aos mouros que estiver realmente a comemorar. Não comemoro o 814º aniversário da cidade porque nessa mesma data Silves deixou precisamente de ser uma cidade.
Foi brutalmente violada e saqueada pelas vitoriosas tropas cristãs que se portaram como uma horda de "bárbaros" da pior espécie. Um passado glorioso e notável, de que hoje nos orgulhamos e nos reclamamos herdeiros, foi por essa altura completamente arrasado por uma horda de violentos e oportunistas ignorantes a caminho da sua Terra Santa (ainda hoje a mesma), cegos pela cobiça e pelo fanatismo religioso mais primário. Nem os cristãos aqui residentes tiveram melhor destino, senão o de serem humilhados e acusados de traidores!
Não, não podemos hoje comemorar, pelo menos com esta visão, o dia 3 de Setembro. Isso iria renegar a nossa herança, seria renegar alguns dos nossos mais cultos e distintos antepassados, hoje frequentemente citados ou homenageados, seria, enfim, voltar à "idade média" e ao tempo negro das cruzadas. Seria reavivar, em terras portuguesas, questões que todos esperamos o Médio Oriente depressa venha a resolver, questões que infelizmente continuam ainda na ordem do dia e que o big brother Bush se encarregou de agudizar. E, ironia das ironias, voltando ainda ao bom exemplo criado pela situação referida pelo nosso bloguista-mor: como iríamos explicar isso aos nossos geminados irmãos mouros de Marraquexe??! Não haveria doutor em relações internacionais, nem historiador (já que os mouros sobreviventes ficaram cá, ao contrário dos cruzados) que pudesse dar a volta a esta estúpida e consolidada assunção: "os cristãos livraram a cidade dos mouros em 1189".
SOMOS TODOS MOUROS, porra!! Ainda não nos vimos aos espelho??.....
É por isso ridículo comemorar hoje o 3 de Setembro como o dia da conquista da cidade aos mouros. Que seja o 3 de Setembro, mas não o invoquemos assim. Façamos as pazes com o passado e que ele se torne o dia em que duas culturas se fundiram, o Dia do Encontro de Culturas, das culturas de que hoje somos fiéis depositários.
Questões insignificantes, meras palavras, pormenores, dirão alguns. Não são, direi eu, porque por detrás das palavras estão sempre as ideias, os valores, os preconceitos. E os que o 3 de Setembro me invocam pelas palavras da Presidente são hoje inadequados. Ponto final...
Uma saudação amiga à Alcagoita, outro blog algarvio que se nos link(ou).
terça-feira, julho 15, 2003
Al-Mu'tamid (II)
SÓ EU SEI quanto me dói a separação!
na minha nostalgia, fico desterrado
à míngua de encontrar consolação.
à pena no papel escrever não é dado
sem que a lágrima trace, caindo teimosa,
linhas de amor na página da face.
se o meu grande orgulho não obstasse
iria ver-te à noite: orvalho apaixonado
de visita às pétalas da rosa.
AL-Mu'tamid, poeta do destino
Assírio & Alvim, Lisboa 1996
O dever obriga-me a sair de Silves, por dois ou mais dias, e apresso-me a registar a referência e o link de A Formiga de Langton, cuja teoria e aplicações tecnológicas segui em artigos do "Expresso" e numa publicação de Leonel Moura.
Longe de mim imaginar que o traçado da feromona viesse a chegar ao "Local e Blogal", simplesmente porque "A Formiga de Langton" resolveu catalogar os blogs algarvios, que se preparam para se encontrar numa jantarada.
Paguei-me na mesma moeda: prendi-a com um link.
Espero que a feromona não se evapore.
Um registo ainda, nesta onda luso-árabe, para a entrevista que Eduardo Ramos concedeu a "Região Sul" e que pode ler em Guia da Cidade de Silves.
Al-Mu'tamid, poeta luso-árabe do séc. XI
Mudam os homens, mudam as civilizações, mudam também as paisagens e os acidentes geográficos, se bem que estes últimos mudem tão lentamente que me atrevo a afirmar que al-Mu'tamid teria contemplado a seu tempo, como o faço hoje, o mesmo rio, se bem que com maior caudal, as mesmas colinas que cercam a cidade, e uma vegetação, onde abundariam as oliveiras, as alfarrobeiras e as amendoeiras, as hortas e os pomares de laranjeiras, muito provavelmente semelhante à que avisto na actualidade.
Num dos seus mais famosos poemas, "Evocação de Silves", que escreve de Sevilha (onde foi rei), recorda a sua casa, os banhos no rio, os jogos de amor da sua adolescência, com a mesma saudade que eu sinto quando me aparto desta minha terra ou recordo a minha juventude.
Não transcrevo a "Evocação de Silves" por demais conhecida, mas antes um pequeno poema lírico.
Dois séculos antes de D. Dinis e das suas ...flores do verde pinho..., escrevia al-Mu'tamid este poema:
REPELES-ME!
porque deixas minh'alma abandonada?
se a tua ausência é uma longa noite
seja nosso abraço d'amor a alvorada.
AL-Mu'tamid, poeta do destino
Assírio & Alvim, Lisboa 1996
segunda-feira, julho 14, 2003
O fim do "bunker"
O edifício que ali foi construído, por finais dos anos 70, de forma maciça e fechada e uma exagerada volumetria em relação ao local, servindo o Racal Clube (nunca percebi bem porquê, nem para quê), amputava visualmente esta rua, impedindo a visão do seu troço superior. Este sábado, essa horrorosa construção viu finalmente chegar o fim dos seus dias.
Edifício de má memória, pela sua evidente e notória má plastia, terá servido já de "mau" exemplo a outro que se construiu na sua frente, propriedade do Banco Pinto & Sotto Mayor, que parece ter copiado a volumetria e algo do traçado daquele horrível "bunker", como era denominado, dada a sua semelhança com as construções militares da Linha Maginot, em tempos da II Guerra Mundial, tão divulgadas pela filmografia de guerra.
Fotografia de 1969, anterior à construção do "bunker", existente, entre outras de Silves, na galeria de Carvoeiro.com, a quem agradecemos.
Vi, já faz algum tempo, uma planta que permitia reconhecer a melhoria que seria introduzida neste local, com a supressão do "bunker". O ajardinamento, as escadarias laterais, o que me pareceu ser a leveza dos candeeiros públicos de iluminação, mas, sobretudo, o espaço, a amplidão do olhar, o simples pormenor de ver a rua toda, desanuviada, e a substancial melhoria de uma zona da cidade, que teve aqui a sua rua principal, onde imperava o saudoso café "Havaneza", e que neste últimos anos se vinha degradando aceleradamente.
Espero que a planta que em tempos observei não tenha sido alterada significativamente e se o foi, que tivesse sido para melhor. Faço votos de uma rápida intervenção!
Uma palavra de reconhecimento ainda, que não tem de todo a ver com a nota acima, a Bloco-Notas, que referenciou no seu site a existência deste modesto blog.
Obrigado!
sábado, julho 12, 2003
és tu Zé? valsa lenta (II)
Estas formas de expressão contemporâneas, performativas, são dança, são teatro, são cinema, são vídeo, são artes plásticas também, mas são sobretudo um jogo subjectivo, apesar da contextura colectiva, de criação de estados emocionais onde a linguagem da estética é veículo de interacção com o espectador.
A dança, mais na sua forma de expressão corporal, sem obediência aos cânones clássicos, foi a linguagem dominante.
Numa sala branca, pontuada ao fundo com biombos que fazem lembrar os hospitais, as personagens evoluem, apresentando-se, numa incomunicabilidade incomodativa. A repetição dos gestos, em ciclo quase paróxico, a marcação de uma área restritiva de evolução espacial, a vacuidade dos olhares, transmitem-nos a sensação de um estado de isolamento que é suposto existir numa cadeia, aqui mais exactamente num hospício para alienados mentais. Posso dizê-lo categoricamente, pois outras linguagens ao longo do espectáculo o reafirmam: a reprodução de trabalhos de Paulo Sacavullo, Jaime (demente que se tornou famoso artista plástico), um filme de António Reis, depois secundado por um vídeo de José Laginha sobre o redondel do Hospital Miguel Bombarda.
Há outros momentos de interacção colectiva das personagens. Momentos de reconhecimento e identificação, de disputa de liderança, de demonstração de capacidades, permanentemente em jogos cenográficos ou de manipulação de objectos, a sugerir barreiras de comunicação, estados de alienação.
Os actores/dançarinos (só há uma mulher) são profissionais experimentados, e há cenas de uma expressão atlética muita exigente. Estou a lembrar-me de um dançarino, correndo em círculo em volta do espaço cénico, numa velocidade estonteante, numa elasticidade notável, quase ao ponto de levemente tocar com os pés no chão e mesmo perder o apoio, que chega a correr nas paredes laterais da cena.
Apesar desta descrição pesada, há momentos de descontracção, quase hilariantes, que resultam de atitudes inesperadas, e há muito de irónico e lúdico na fruição do prazer estético que nos deixa um espectáculo com tal envolvimento.
A valsa lenta, última parte desta apresentação, é inspirada, segundo o autor, (que no final ficou com os seus actores, prestando-se aos pedidos de esclarecimento do público), na ambiência que lhe sugere o livro com o mesmo subtítulo, de José Cardoso Pires, após o seu acidente vascular cerebral. Esta última parte usa predominantemente o vídeo, projectado na parede ou visionado em vários monitores colocados em cena, com frases algo contundentes e colagens de um espectáculo de tipo musical, onde actua uma cantora dos anos cinquenta ou sessenta.
Foi uma noite que me satisfez bastante.
Só não me surpreendeu porque já contava com este elevado nível de performance, a que o CAPa, de que sou cliente assíduo desde a primeira hora, já me habituou.
sexta-feira, julho 11, 2003
A Lâmpada Mágica
Ficámos a saber da existência do MacJête, um blog algarvio, falado em algarvio, sem almariações nem marafações.
Um agradecimento ainda para o link com que Ambliguidades teve a amabilidade de nos conectar.
Desculpem alguns problemas com os "comentários", que nos são proporcionados pelo enetation.co.uk, que deve seguramente estar a atravessar alguns problemas de crescimento, pois os blogs portugueses nascem às dezenas por dia.
és tu Zé? valsa lenta
"Não temos pátria, temos barbatanas.
Somos um país que não sabe, o hospital é aqui!
De pijama rodopiamos num desnorte que não incomoda.
O nosso espaço é de vidro e tem a turva densidade das águas. Aqui não há esforço porque este mata o passado e condiciona o futuro. Não há sofrimento porque não há direcção e há pouca razão.
Não há alegria, ela existiu pouco e é uma promessa para o "futuro".
Não há som, não há esforço, não há sofrimento, não há alegria... há tudo isto mas dentro, mesclado com a ironia dos sobreviventes e a alegria dos loucos, dos atletas, dos sprinters que na partida avistam a meta.
A festa é já ali.
Vivemos num tempo de falas guardadas. Afásicos, afísicos, momos letrados e hipotecados (i)letrados, afundamo-nos no conforto das nossas pantufas. Lambuzamo-nos nas ausências e alimentamo-nos das faltas da nossa agricultura de galos de barcelos embolados, porque esquecemo-nos de querer melhor.
Este texto foi extraído do programa de uma co-produção de José Laginha /Coimbra 2003, a que me preparo para assistir na Sexta-feira (11) à noite, em Faro, no CAPa, Centro de Artes Performativas do Algarve.
Trata-se de um espectáculo performativo, no domínio da dança.
Consegui despertar-vos a atenção? Óptimo!
quinta-feira, julho 10, 2003
Este será um blog para blogar.
Acontece, no entanto, que tenho tido dificuldades com as anotações, nomeadamente do enetation.com, que não está a reconhecer o meu nome de utilizador e a senha associada.
Espero, em breve, ter esse assunto resolvido.
Entretanto, se bem que sem aquela pica do escreve, responde, responde a quem responde, responde a quem respondeu ao que tinha respondido, podem enviar os vossos comentários por correio electrónico e eu prometo que os coloco online, logo que outros afazeres mo permitam, como aliás já estou a fazer desde a primeira hora.
Obrigado pela atenção.
quarta-feira, julho 09, 2003
O 3 de Setembro é o quê, afinal?!
Ao abrir a capa deparei com o editorial da Senhora Presidente e, logo por baixo da sua fotografia, um destaque:
- "... A 3 de Setembro, festeja-se o 814º aniversário da conquista de Silves aos Mouros..."
Já me estou a rir, só de imaginar qual seria a reacção de uma qualquer personalidade de Marraquexe, das envolvidas na geminação das duas cidades - Silves e Marraquexe - ao ser confrontada com o convite da Presidente Isabel Soares:
- - Não quer ir a Silves assistir às festividades da nossa conquista da cidade aos Mouros?
Andaram convidados e vereação a caminho de Marrocos e os de lá a caminho de Silves, para os chamarmos agora de Mouros, com todas as conotações que o termo comporta, e continuarmos ainda a celebrar, não a aproximação de dois povos com um passado riquíssimo de um património que nos é comum, mas antes a data do derrube de uma civilização, passados mais de oito séculos, poucos mais do que aqueles que a civilização muçulmana permaneceu neste território que é hoje Portugal.
E que mouros são esses?
Al-Mu'tamid, nascido em Beja, que aqui viveu e a cujo nome a nossa cidade ficou indelevelmente ligada, a quem homenageamos com uma enorme praça pública em seu nome?
Ibn 'Ammar, poeta, nascido no termo de Silves e aqui seu governador?
Ibn Qasi, que esta mesma cidade viu nascer, poeta, filósofo, líder militar e religioso?
É certo que a 3 de Setembro de 1189, Sancho I tomou a cidade de Silves.
É aceitável que essa data seja feriado municipal e que haja festa.
Não concordo que se comemore a conquista, mas sim a memória de tantos silvenses que aqui viveram antes de nós e nos legaram este património tão rico, que é talvez, para Silves, a base em que assenta a sua melhor perspectiva de desenvolvimento.
Pois se a Câmara continua a insistir em comemorar o aniversário da conquista aos mouros, eu não o vou comemorar.