Depois de uma tentativa de vos despertar a atenção, ficaria mal não registar as minhas impressões sobre o espectáculo a que o título faz referência e que abordamos aqui pela segunda vez.
Estas formas de expressão contemporâneas, performativas, são dança, são teatro, são cinema, são vídeo, são artes plásticas também, mas são sobretudo um jogo subjectivo, apesar da contextura colectiva, de criação de estados emocionais onde a linguagem da estética é veículo de interacção com o espectador.
A dança, mais na sua forma de expressão corporal, sem obediência aos cânones clássicos, foi a linguagem dominante.
Numa sala branca, pontuada ao fundo com biombos que fazem lembrar os hospitais, as personagens evoluem, apresentando-se, numa incomunicabilidade incomodativa. A repetição dos gestos, em ciclo quase paróxico, a marcação de uma área restritiva de evolução espacial, a vacuidade dos olhares, transmitem-nos a sensação de um estado de isolamento que é suposto existir numa cadeia, aqui mais exactamente num hospício para alienados mentais. Posso dizê-lo categoricamente, pois outras linguagens ao longo do espectáculo o reafirmam: a reprodução de trabalhos de Paulo Sacavullo, Jaime (demente que se tornou famoso artista plástico), um filme de António Reis, depois secundado por um vídeo de José Laginha sobre o redondel do Hospital Miguel Bombarda.
Há outros momentos de interacção colectiva das personagens. Momentos de reconhecimento e identificação, de disputa de liderança, de demonstração de capacidades, permanentemente em jogos cenográficos ou de manipulação de objectos, a sugerir barreiras de comunicação, estados de alienação.
Os actores/dançarinos (só há uma mulher) são profissionais experimentados, e há cenas de uma expressão atlética muita exigente. Estou a lembrar-me de um dançarino, correndo em círculo em volta do espaço cénico, numa velocidade estonteante, numa elasticidade notável, quase ao ponto de levemente tocar com os pés no chão e mesmo perder o apoio, que chega a correr nas paredes laterais da cena.
Apesar desta descrição pesada, há momentos de descontracção, quase hilariantes, que resultam de atitudes inesperadas, e há muito de irónico e lúdico na fruição do prazer estético que nos deixa um espectáculo com tal envolvimento.
A valsa lenta, última parte desta apresentação, é inspirada, segundo o autor, (que no final ficou com os seus actores, prestando-se aos pedidos de esclarecimento do público), na ambiência que lhe sugere o livro com o mesmo subtítulo, de José Cardoso Pires, após o seu acidente vascular cerebral. Esta última parte usa predominantemente o vídeo, projectado na parede ou visionado em vários monitores colocados em cena, com frases algo contundentes e colagens de um espectáculo de tipo musical, onde actua uma cantora dos anos cinquenta ou sessenta.
Foi uma noite que me satisfez bastante.
Só não me surpreendeu porque já contava com este elevado nível de performance, a que o CAPa, de que sou cliente assíduo desde a primeira hora, já me habituou.
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