segunda-feira, novembro 10, 2003

Contributo para a compreensão dos países árabes

Lendo a última edição do XARAJÎBE, revista do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, recentemente publicada e praticamente dedicada às intervenções que tiveram lugar durante os colóquios da Semana Cultural Egípcia, que aqui decorreu entre 8 e 15 de Setembro de 2001, apeteceu-me transcrever parte do discurso da sua presidente da direcção, Ana Maria Mira:


  • " Durante quase oito séculos, o Andalus viveu o espantoso desenvolvimento científico, técnico e cultural que foi apanágio do mundo árabo-islâmico. Na sua sede de conhecimento, os sábios árabes e muçulmanos não só traduziram e integraram os conteúdos das obras oriundas do Oriente, da Pérsia, da Mesopotâmia, da Grécia, da Índia, da China, e de outras regiões, como as ultrapassaram em inovações em vários domínios, tanto no campo da medicina, da geometria, da astronomia, das ciências naturais, da linguística, da filosofia, e tantos outros, enquanto, durante esse período, a Europa permanecia como que adormecida, estagnada, desgastando-se em permanentes lutas pelo poder.
    Nessa época o árabe era a língua da ciência e da cultura, e até a Bíblia, no Andalus, era mais frequentemente escrita e lida em árabe do que em latim.
    E foi pela porta do Andalus que todos esses saberes se foram progressivamente transmitindo a uma Europa que começava a abrir-se ao Renascimento. Lembremos a escola de tradutores de Toledo, fundada por Afonso X, o Sábio, destinada precisamente à tradução dos escritos árabes para castelhano, com a colaboração comum de cristãos, muçulmanos e judeus.
    E lembremos a importância fundamental de muitos desses conhecimentos nos domínios da cartografia, da astronomia, dos instrumentos de navegação, como a bússola, o astrolábio, e tantos outros, na gesta dos descobrimentos.
    Todo este movimento científico-cultural vai prosseguir e prosperar na Europa, no outro lado do Mediterrâneo, mas já sem a participação dos países árabes.
    Como se a estagnação mudasse de campo, e que por sua vez os países árabes se fragilizassem mais preocupados com lutas internas e de sobrevivência face aos povos invasores, como o foram, entre outros, os Mamelucos, os Turcos Otomanos, e, sobretudo, a partir do século XIX, os europeus.

    Certamente que as sucessivas ocupações e colonizações levadas a cabo por esses diferentes povos constituíram um factor de involução do desenvolvimento e de destruturação interna desses países.
    Se os árabes quando vieram para a Europa trouxeram sobretudo a ciência, as técnicas, as artes e desenvolveram as regiões em cooperação e no respeito dos direitos da população autóctone, já o movimento contrário, partindo da Europa para os países hoje denominados em vias de desenvolvimento, foi um movimento predador.
    (...)
    O século XX, sobretudo no pós-guerra, foi o século das independências.
    Mas tomar em mão o seu próprio destino, reconstruir uma identidade nacional, não passa pela assinatura formal de documentos, nem pelo terminar da luta armada, nem pelo abandono dos dominadores.
    É necessária uma longa caminhada para aprender a cicatrizar as feridas, para se libertar das impregnações que perduram, para rejeitar os mimetismos, as tentações neo-colonialistas, os mitos inculcados de um ocidente soberano e paradisíaco.
    (...)
    Quando falamos, pois, de conhecer os países árabes na sua actualidade, queremos referir cada um deles na sua especificidade, nas suas expressões culturais que reflectem precisamente essa busca de autonomia, de liberdade e de identidade próprias, contrariando a percepção comum etnocêntrica de um mundo árabe como um todo uniforme, e a superficialidade dos conceitos que se ficam pelo floclore e pelos suks.
    Só o entendimento, racional e afectivo, desse processo evolutivo nas suas contradições nos permite a empatia e a igualdade no relacionamento com esses povos.
    (...) "


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