A leitura de Poemário, a agenda que me foi oferecida e a que já aqui me referi, sugeriu-me o post de hoje, a partir do poema que lá se apresenta na data de ontem, quinta-feira.
- A Lição de Giotto
dizem: antes dele a pintura afundava-se
naquilo que alguns pintaram para seduzir
o olhar dos ignorantes e não
o subtil prazer do espírito
possuía um excepcional sentido do espaço e
do volume foi reformador da pintura florentina
reduziu tudo ao essencial reduzindo personagens
acessórios detalhes e pela amplitude
da composição arquitectural atingiu grandeza
invejada e sem igual
foi ele ainda
o primeiro a enclausurar a alma
no interior de corpos limitados e sólidos
que nos convidam à reflexão sobre a natureza humana
e sobre as coisas diáfanas do coração
Al Berto
in Poemário
Assírio & Alvim, Lisboa 2006
Giotto é um dos tais homens com capacidade de ver para além do seu tempo, como há alguns dias eu dizia a propósito do Padre António Vieira.
O que mais me impressiona na representação deste episódio bíblico, Lázaro regressado da morte, é a atitude dos dois homens, no canto inferior direito, alheios ao fenómeno, concentrados no seu trabalho, indiferentes perante o que ali sucede.
Na pintura do séc. XIV, de cariz religioso, recheada de normas rigorosas e de alguma intransigência, esta atitude de Giotto revela alguma rebeldia e muita coragem.
Diz-se que Giotto foi o introdutor da perspectiva na pintura e Al Berto refere-se-lhe como (... o primeiro a enclausurar a alma...). Também tudo isso sou capaz de vislumbrar na sua arte, assim como reconheço muita plausibilidade na tese de que Giotto e os pintores que se lhe seguiram tiveram acesso a instrumentos ópticos, que lhes permitiram projectar imagens, avançando assim para a perspectiva na pintura.
No artigo de uma revista que refere essa tese e cujo link aqui faculto, também se menciona o anterior conhecimento e o uso do princípio da câmara obscura, fenómeno descrito por Mo Ti, na China, no séc. V a.C. ou por Aristóteles no séc. IV a.C. ou pelo árabe Alhazen, de Basora, no séc. X da nossa era.
Independentemente do hiato de conhecimento que a civilização árabe veio a repor, das razões apresentadas ou das características técnicas e artísticas que a História da Arte se encarrega de estudar e divulgar, fosse o que fosse que Giotto conhecesse na sua formação como pintor, aquilo que de pessoal ele introduz na pintura é a forma como vê o mundo, e isso é próprio de um homem com capacidade para ver mais longe do que os outros; a capacidade de um pensador e de um temerário.