É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.
A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares, a que se seguiram Miguel Veiga, Diogo Freitas do Amaral e Urbano Tavares Rodrigues.
Irei terminar com Marcelo Rebelo de Sousa.
- PEQUENA ELEGIA DE SETEMBRO
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio de Andrade
Os poemas da minha vida
Marcelo Rebelo de Sousa
Público, Lisboa 2005