Não dei por que Egito Gonçalves tivesse falecido e havia longo tempo que nada lia dele.
Confrontei-me hoje com essa ausência ao pegar num velho livro com um seu autógrafo. Fixei-me neste grito contra a insensibilidade, a mediocridade e a massificação. Foi assim que senti o poema que ele escreveu num outro tempo que não este, mas onde, ainda hoje, o seu grito se reflecte no meu.
Querem que dobre a esquina
e me insinue
no deserto das praias.
Querem que feche os olhos
e me dilua
num rio de magma.
Querem que corte a orelha
por onde ouvia
a voz da terra.
Querem que descarne
a ternura dos dedos
até ao esqueleto.
Querem que mergulhe
em álcool este feto
aparente nado-morto.
Mas respiro, respiro
e construo um pulmão
a que possa dar asas.
Egito Gonçalves
O Fósforo na Palha
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1970
1 comentário:
Amigo
Bem Hajas por evocares Egito, que com Papiniano Carlos era uma referência - além do próprio Eugénio - dos poetas que no Norte fizeram um caminho mágico que iluminou o meu imaginário.
Grandabraço
Luís
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