Terminou no CAPa, em Faro, o circuito de apresentação deste trabalho do teatromosca, baseado num texto de John Berger, autor de origem britânica.
Esta encenação é a primeira de uma trilogia, a apresentar ao longo de 2011, baseada em obras do mesmo autor, dramatizadas e encenadas pelo teatromosca.
Enquanto os espetadores entram e se arrumam na sala, já na cena os atores se envolvem no ato de desmontagem de algumas mesas e outros estrados, de idênticas dimensões, construídos com ripas de madeira.
A desmontagem conduz à construção de uma outra configuração e arrumo das peças, como num puzzle.
Os atores vão iniciando um diálogo que serve a identificação dos personagens - três homens e uma mulher. Começamos a entender que se trata de habitantes de uma aldeia numa zona montanhosa de França e que um dos mitos locais ronda em volta de um animal - Cocadrille - que, se não for parado no momento em que sai de um ovo de serpente, chocado por um galo, acabará por liquidar tudo à sua volta.
Cocadrilha é como os homens nomeiam a mulher, descrita como se tivesse 1,25m de altura, sem peito e sem ancas.
Enquanto os diálogos se sucedem, a construção vai tomando a forma de uma pirâmide e começamos a aperceber-nos de que, apesar do nome de cada um dos personagens, eles se assumem como qualquer um dos outros e por vezes as frases repercutem-se na voz de cada um, num efeito cénico que interpretei como o da assunção do coletivo, como se todos fizessem parte de um todo maior; o todo da comunidade aldeã.
Mundo rural: comunidade fechada, os mitos e a sua função de controlo social, em presença permanente nas falas dos personagens.
A construção da pirâmide terminada, como símbolo do fascínio pelo desconhecido, pela cidade, neste caso Paris e a Torre Eiffel, contada por Jean, regressado da guerra, num discurso irónico sobre o comportamento dos citadinos, viajando como toupeiras na rede do metropolitano, a apelar ao riso da comunidade, num misto de sarcasmo e encantamento.
De novo a guerra, a morte, a denúncia, a quebra de laços familiares e comunitários, o afastamento de Cocadrilha para a montanha e a construção de uma nova disposição cenográfica a sugerir a montanha onde a mulher se refugiou, e onde, além da labuta diária, inicia o contrabando dos seus produtos na zona de fronteira.
Um texto literário, de muita profundidade, a servir um excelente jogo cénico, com atores muito bem preparados.
Uma reflexão que nos ajuda a entender estes mundos isolados, campesinos, que receiam o progresso, mas tendem a desaparecer inexoravelmente, fechados sobre si próprios.
Parabéns ao CAPa pela iniciativa do convite a esta companhia, que eu já conhecia de KIP (uma reflexão sobre o caso de Columbine) e aqui garanto a minha atenção para quando se iniciar a tournée da prometida trilogia.
P.S. :
Entretanto o Luís Ene (clique) apresenta fotografias do espetáculo.
Esta encenação é a primeira de uma trilogia, a apresentar ao longo de 2011, baseada em obras do mesmo autor, dramatizadas e encenadas pelo teatromosca.
Enquanto os espetadores entram e se arrumam na sala, já na cena os atores se envolvem no ato de desmontagem de algumas mesas e outros estrados, de idênticas dimensões, construídos com ripas de madeira.
A desmontagem conduz à construção de uma outra configuração e arrumo das peças, como num puzzle.
Os atores vão iniciando um diálogo que serve a identificação dos personagens - três homens e uma mulher. Começamos a entender que se trata de habitantes de uma aldeia numa zona montanhosa de França e que um dos mitos locais ronda em volta de um animal - Cocadrille - que, se não for parado no momento em que sai de um ovo de serpente, chocado por um galo, acabará por liquidar tudo à sua volta.
Cocadrilha é como os homens nomeiam a mulher, descrita como se tivesse 1,25m de altura, sem peito e sem ancas.
Enquanto os diálogos se sucedem, a construção vai tomando a forma de uma pirâmide e começamos a aperceber-nos de que, apesar do nome de cada um dos personagens, eles se assumem como qualquer um dos outros e por vezes as frases repercutem-se na voz de cada um, num efeito cénico que interpretei como o da assunção do coletivo, como se todos fizessem parte de um todo maior; o todo da comunidade aldeã.
Mundo rural: comunidade fechada, os mitos e a sua função de controlo social, em presença permanente nas falas dos personagens.
A construção da pirâmide terminada, como símbolo do fascínio pelo desconhecido, pela cidade, neste caso Paris e a Torre Eiffel, contada por Jean, regressado da guerra, num discurso irónico sobre o comportamento dos citadinos, viajando como toupeiras na rede do metropolitano, a apelar ao riso da comunidade, num misto de sarcasmo e encantamento.
De novo a guerra, a morte, a denúncia, a quebra de laços familiares e comunitários, o afastamento de Cocadrilha para a montanha e a construção de uma nova disposição cenográfica a sugerir a montanha onde a mulher se refugiou, e onde, além da labuta diária, inicia o contrabando dos seus produtos na zona de fronteira.
Um texto literário, de muita profundidade, a servir um excelente jogo cénico, com atores muito bem preparados.
Uma reflexão que nos ajuda a entender estes mundos isolados, campesinos, que receiam o progresso, mas tendem a desaparecer inexoravelmente, fechados sobre si próprios.
Parabéns ao CAPa pela iniciativa do convite a esta companhia, que eu já conhecia de KIP (uma reflexão sobre o caso de Columbine) e aqui garanto a minha atenção para quando se iniciar a tournée da prometida trilogia.
P.S. :
Entretanto o Luís Ene (clique) apresenta fotografias do espetáculo.
2 comentários:
Gostei da descrição.
Abraço e bom natal
Obrigado. Abraço
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