Passam 13 anos sobre o último poema de David Mourão Ferreira.
Neste, que vos recordo hoje, surgem palavras como morte e sepultura, mas é da vida e do seu amor pela vida, do âmago da própria vida, que nos fala.
- CASA
Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.
Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.
Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...
Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.
David Mourão Ferreira
Lira de Bolso
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1969
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