segunda-feira, janeiro 03, 2011

Um poema a cada segunda-feira (VII)




Decidi-me por uma rubrica de poesia à segunda-feira, enquanto assim se mantiver este meu ânimo.


Irei aqui colocando poemas que o critério do momento vier a ditar.




  • MEDITAÇÃO SOBRE RUÍNAS

    Desembarcou numa sala sem dourados nem cadeiras:
    madeiras velhas, jarras com flores de plástico, janelas
    de vidros partidos para a auto-estrada. Nem vento,
    nem mar: só o ruído dos carros entrava pelas fendas
    para ecoar no tecto (madeiras à vista entre os restos
    de estuque). Depois, na rua, pendurou-se nos ferros podres
    de antigas varandas. Percebia-se, por entre os arbustos
    que invadiam tudo, uma vista que teria sido digna
    de um quadro romântico. O vale, coberto de casas, e
    os montes invadidos por ferro-velho, ocultam um passado
    de rebanhos e pastores. Mas talvez não se tenha ouvido aqui
    a música da flauta. Com efeito, esta casa limita-se
    a guardar antigos silêncios, que o uso transformou em manchas
    sépia na memória. Agora, confundem-se com a cor das paredes;
    e só abrigam tocas de répteis, que apenas se adivinham,
    no inverno, escondidos do universo. Mas alguém passou por aqui,
    há pouco; e um monte de madeira fumega, ainda, enquanto
    o sol avança a partir do nascente, onde as cores frias
    da madrugada não se dissipam, nem pássaro algum saúda
    o nascer do dia.
Nuno Júdice
Meditação sobre Ruínas, 1994
Poesia Reunida - 1967/2000
Publicações Dom Quixote, Lisboa 2000

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1 comentário:

hfm disse...

Cá estou eu a seguir as tuas escolhas.