É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.
A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares.
Prossigo, agora com Miguel Veiga.
- BARCAROLA
quando o silêncio é de oiro ensimesmado,
o tempo é de ferrugem,
e o espaço é de água na longa solidão
riscada pelas aves.
pobre relento dos sonhos que sonhámos:
passámos por aqui, os olhos rasos de luz
e o coração embalado por um fio de música
a diluir-se no crepúsculo
com as águas morosas, a
sombra a carregar-se ao rés das casas, as
rosas semicerrando-se numa leve respiração.
águas do douro que corriam, para onde
levavam as lembranças como barcos
que se esquecessem do seu rumo?
leve brisa do mar que nos chegava,
salina sem sabermos
que anunciava as lágrimas, de que fundo
dos mares atormentadas arrancava?
cais humilde das cargas, quem diria
que ali só atracavam desventuras?
ali, só quero falar desta golfada a desprender-se
de sonho e oiro a que te misturavas
num ledo encantamento entre rumores
que se apagavam fulvos em surdina
e sílabas, sílabas que na alma a pouco e pouco
emudeciam comovidas. noite, ó noite
que cobriste essas horas do teu luto,
quando será manhã para que seja
outra tarde outra vez essa harmonia?
Vasco Graça Moura
Os poemas da minha vida
Miguel Veiga
Público, Lisboa 2005
Os poemas da minha vida
Miguel Veiga
Público, Lisboa 2005
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