É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.
A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares, a que se seguiram Miguel Veiga, Diogo Freitas do Amaral e Urbano Tavares Rodrigues.
Irei terminar com Marcelo Rebelo de Sousa.
- INDEFINIDA
Oh, poesia de andar
suspensa sobre os outeiros!
Poesia de correr
fundida nos ribeiros...
Oh, Poesia de ti,
que em mim estás a viver!
Oh, Poesia de então,
nos jardins, sob o Inverno,
pés na lama do chão,
e o dia, um dia eterno
de Poesia, a morrer!
Poesia dos murmúrios,
dos nevoeiros densos,
dos silêncios sem luz,
dos pecados imensos,
sem gestos, qual a morte,
qual a ausência, sem vida.
Poesia de fechar
os olhos alagados
da Poesia de ti,
dos teus olhos fechados;
Poesia de ser virgem
e casta e indefinida...
Poesia dos passeios
por entre a claridade,
entre árvores tão esguias
que tocavam os Céus,
e as folhas a cair
de um oiro sem idade...
Poesia fabulosa
de uma riqueza enorme...
Uma Poesia fina,
alada, misteriosa;
Poesia de um passado
que em mim nunca mais dorme!
Poesia perturbada,
Poesia abandonada,
Poesia na prisão,
sufocada, esquecida,
Poesia recalcada,
Poesia maltratada.
Oh, Poesia troçada
da jovem bem-casada
na poesia da vida!...
Ai, dias sem desígnio!
Ai, noites de mistério!
Poesia de ser virgem
e casta e indefinida!...
Natércia Freire
Os poemas da minha vida
Marcelo Rebelo de Sousa
Público, Lisboa 2005
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