terça-feira, junho 16, 2009

David Mourão Ferreira, uma vez mais


Corte, a partir de uma foto da capa do livro

 

 

Passam 13 anos sobre o último poema de David Mourão Ferreira.
Neste, que vos recordo hoje, surgem palavras como morte e sepultura, mas é da vida e do seu amor pela vida, do âmago da própria vida, que nos fala.

 

 


  • CASA

    Tentei fugir da mancha mais escura
    que existe no teu corpo, e desisti.
    Era pior que a morte o que antevi:
    era a dor de ficar sem sepultura.

    Bebi entre os teus flancos a loucura
    de não poder viver longe de ti:
    és a sombra da casa onde nasci,
    és a noite que à noite me procura.

    Só por dentro de ti há corredores
    e em quartos interiores o cheiro a fruta
    que veste de frescura a escuridão...

    Só por dentro de ti rebentam flores.
    Só por dentro de ti a noite escuta
    o que sem voz me sai do coração.

David Mourão Ferreira
Lira de Bolso
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1969

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