Estes graves acontecimentos que tiveram lugar no Haiti e agora na Madeira trouxeram-me à memória o poeta Aimé Césaire, natural da Martinica.
A sua poesia é fortemente marcada por um grande amor à terra onde nasceu e reflecte imenso, além da situação colonial, o cíclico massacre do vulcanismo e das tempestades tão característico desta zona caribenha.
O poema que escolhi, deste velho livro, é um poema de amor onde a amada é esta sua terra que chora, num rosto de mulher.
- A RODA
A roda é a mais bela descoberta do homem e a única
existe o sol que roda
a terra que roda
existe o teu rosto que roda sobre o eixo do teu pescoço
quando choras
mas vós minutos não enrolareis na bobina da vida
o sangue lambido
a arte de sofrer aguçada como cotos de árvore
pelas facas do inverno
a corça louca de sede
que vem mostrar-me à beira de água
teu rosto de escuna desmastrada
teu rosto
como uma aldeia adormecida no fundo de um lago
e que renasce na manhã da relva
semente dos anos
Aimé Césaire
Antologia Poética
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1970
3 comentários:
Reli Aimé qdo morreu, gostei de o encontrar aqui.
Bela poesia! De Itamar Assumpção a todos os poetas negros. Amigo, há muita luminosidade.
Abraços
Recordar Aimé Cesaire transporta-me às lições de africanidade.
Mas também a um poeta deste século: Xanana Gusmão e MAR MEU. O poema que recordo é grande, aqui fica um cheirinho:
«Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela ventania
que me abre a cortina do céu
e ver, do cimo dos meus montes,
o quadro roxo de um perturbado nascer do sol
a leste de Timor (...)»
Abril de 1994
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