quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Poesia de Aimé Césaire



Estes graves acontecimentos que tiveram lugar no Haiti e agora na Madeira trouxeram-me à memória o poeta Aimé Césaire, natural da Martinica.

A sua poesia é fortemente marcada por um grande amor à terra onde nasceu e reflecte imenso, além da situação colonial, o cíclico massacre do vulcanismo e das tempestades tão característico desta zona caribenha.

O poema que escolhi, deste velho livro, é um poema de amor onde a amada é esta sua terra que chora, num rosto de mulher.

  • A RODA

    A roda é a mais bela descoberta do homem e a única
    existe o sol que roda
    a terra que roda
    existe o teu rosto que roda sobre o eixo do teu pescoço
    quando choras
    mas vós minutos não enrolareis na bobina da vida
    o sangue lambido
    a arte de sofrer aguçada como cotos de árvore
    pelas facas do inverno
    a corça louca de sede
    que vem mostrar-me à beira de água
    teu rosto de escuna desmastrada
    teu rosto
    como uma aldeia adormecida no fundo de um lago
    e que renasce na manhã da relva
    semente dos anos


Aimé Césaire
Antologia Poética
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1970

3 comentários:

hfm disse...

Reli Aimé qdo morreu, gostei de o encontrar aqui.

Anónimo disse...

Bela poesia! De Itamar Assumpção a todos os poetas negros. Amigo, há muita luminosidade.

Abraços

crelifma disse...

Recordar Aimé Cesaire transporta-me às lições de africanidade.
Mas também a um poeta deste século: Xanana Gusmão e MAR MEU. O poema que recordo é grande, aqui fica um cheirinho:
«Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela ventania
que me abre a cortina do céu
e ver, do cimo dos meus montes,
o quadro roxo de um perturbado nascer do sol
a leste de Timor (...)»
Abril de 1994