Passa hoje mais um ano sobre a data da morte do poeta que tão bem cantou o amor e o erotismo.
- Soneto do Cativo
Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!
David Mourão-Ferreira
(Os Quatro Campos do Tempo, 1958)
Poemas Portugueses - Antologia de Poesia Portuguesa do Sec. XIII ao Séc. XXI
Porto Editora, 2009
3 comentários:
Sempre em cima do acontecimento! Assim te deixo também dele um dos sonetos que na minha adolescência me fez progredir na poesia.
Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
INFINITO PESSOAL OU A ARTE DE AMAR, GUIMARÃES EDITORES,, LISBOA, 2ª EDIÇÃO, P. 25
Conheço-o tão bem!
Obrigado, Helena.
Olha. Tenho-o publicado aqui, na lista ao fundo da página, sob o título "Dez anos depois".
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