quinta-feira, julho 29, 2010

Do Gharb ao Algarve: uma sociedade islâmica no Ocidente (III)


Cá estou de novo para acabar o queria dizer sobre a lápide a que fiz referência no último post.

Lápide comemorativa da construção de uma torre, Verão 2010

 


Volto a colocar a foto da lápide, se bem que em dimensão mais reduzida (saiba que ao clicar sobre a foto pode sempre vê-la ampliada).

O que vos queria contar tem a ver com um dos mais famosos investigadores da história do Islão, catedrático na Sorbonne, arabista, medievalista e insigne intérprete da história do al-Ândalus. Falo de Lévi-Provençal. Foi ele quem estudou e interpretou esta mesma lápide, o que só por si confere ao objeto um valor muito particular.

Permitam-me que vos situe na época e no contexto da peça.

A 3 de Setembro de 1189 D. Sancho I, com apoio dos cruzados que seguiam para a Terra Santa, conquista Silves. Vivia-se uma época de enfraquecimento dos senhores do Sul, muçulmanos, que os senhores do Norte, cristãos, aproveitavam, para alargar as fronteiras do seu território.
A notícia da queda da cidade mais importante do al-Ândalus ocidental, Silves, merece a reação do emir do al-Ândalus e do Magrebe, o almoada Ya'kub al-Mansur. Logo na Primavera de 1190 envia parte do seu exército por mar, diretamente a Silves, dando início a um cerco.
Silves acaba por cair de novo sobre o poder almoada em 1191.
Em 1227, o filho de Ya'kub al-Mansur, Abu l-'Ula Idris, em visita de inspeção a Silves, ordena a construção desta torre que a lápide comemora, como reforço da capacidade defensiva da cidade, já que a desagregação do poder almoada cada vez mais facilita a aproximação e a cobiça dos exércitos cristãos do Norte.

Sinal da desagregação do poder almoada e das lutas internas dos senhores do Islão, é a formação de um pequeno reino independente, num território que inclui as cidades de Silves e Niebla (esta na atual Espanha, relativamente perto da fronteira com Portugal) por iniciativa do que viria a ser o último rei árabe de Silves, Shu'aib Ibn Muhammad Ibn Mahfuz.

Pois bem!
Notam um pequeno sinal arredondado sobre a margem esquerda da lápide, um pouco abaixo da sua parte superior?

Lévi-Provençal diz que se trata de uma rasura propositada e mandada fazer por Ibn Mahfuz, eliminando da lápide o nome de quem ordenou a sua construção, precisamente o seu inimigo, o almoada Abu l-'Ula Idris, filho de Ya'kub al-Mansur.

Era esta curiosidade que vos queria contar, relacionada com esta peça de inestimável valor, que conhecia por fotografia e através deste estudo de Lévi-Provençal, mas que só agora tive oportunidade de conhecer de perto e que tanto me emocionou.

Voltarei a falar da exposição, mas então para me dedicar à sua apreciação global.

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