segunda-feira, junho 27, 2011

Um poema a cada segunda-feira (XXXII)



Quando das comemorações do Dia Mundial da Poesia, Paulo Pires, Técnico Superior da Biblioteca Municipal de Silves, compilou uma antologia que intitulou POESIA 21, porque se refere a 21 poetas e ao dia 21 de Março.
São trabalhos desses 21 poetas, gente que se vem afirmando no nosso mundo literário, que aqui estou a incluir desde a XX edição.



  • *

Por exemplo:

esta terra não está feita para nós.

Ruy Belo

Ou:
Junta meia dúzia ou assim
de dúvidas das mais resistentes. Precipita-as
na geografia movediça disto (será por aí
que entrará meio desfocado
o futuro). Nesse novelo de timbres
e toques, nesse feixe de sopros
e sons e olhos soltos prepara-se a queda.
Pisarás obstinadamente a terra,
distraidamente o mundo.
Enfia o cigarro por um instante
naquela ranhura do cinzeiro. Espera.
Pela espuma que dizem anda por aí nos dias,
ou melhor ainda pelo estremecer dos arames
nada inocentes que deixaste na côdea do dia
anterior. Em todos os dias então anteriores.
Espera que arranque o motor de uma das mãos,
os flexores profundos. Solta as falanges.
Espera, outra vez. Usa outras coisas que assobiem
um pouco o ar. Insiste e vinca
muito bem as dobras do costume, com a unha.
Nada a ver com espanto (ou não
exactamente): é que assim tesoura-se melhor.
Usa (por exemplo) a discreta pausa dos parêntesis.
Outras – as mais irreversíveis – cesuras.
Cospe e ganha gosto a decompor
desta terra a aspereza com o desamparo
(feliz?) de não estar feita.
Como a cama usada para o ensaio
das necessárias cambalhotas.
Desmancha. Repete: esta terra não.
E aqui abranda asperamente o não
e já te disse faz e desfaz esses nós
quantas vezes for necessário. Segura
uns segundos o estremunhar da crise.
Experimenta atar a terra com tesouras
– sempre exercita apocalipses, ainda
que provisórios e raramente consequentes.
Podes pegar por qualquer ponta
– isso depois ajusta-se
(embora não se acerte).
Remexe em tudo.
Deita fora as instruções.


Miguel Cardoso
Que se diga que vi como a faca corta
Mariposa Azual, Lisboa 2010
Poesia 21
Parceria Biblioteca Municipal de Silves / Escola Secundária de Silves

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1 comentário:

hfm disse...

Como gostei!