Esta melhoria do tempo, este acalentar do Sol, estes dias cheios de luminosidade, a exuberância da Natureza, o verde que tudo cobre depois de um prolongado tempo de chuva, o matizado das flores sobre esse tapete verde, até mesmo o incómodo de uma alergia que nunca antes sentira, são sinais de que por este meu Algarve há vida que vive intensamente.
Queria trazer-vos algo de genuinamente algarvio e deparei-me com...
Estácio da Veiga (séc.XIX), figura incontornável da arqueologia nacional, que dedicou algum do seu tempo à recolha do romanceiro popular.
Transcrevo um dos seus romances, mantendo a ortografia original:
- A Moira Encantada
Meia noite além resôa
Cêrca das ribas del mar,
Meia noite já é dada
E o povo ainda a folgar.
Em meio de tal folguedo
Todos quedam sem fallar,
Olhos voltam ao castello
Para ver, para avistar
A linda moira encantada,
Que era triste a suspirar.
-Quem se atreve, ái quem se atreve
Ir ao castello e trepar
Para vencer lo encanto
Que tanto sabe encantar?
- Ninguem ha que a tal se atreva,
Não ha que em moiras fiar;
Quem lá fôsse a taes deshoras
Para só desencantar,
Grande risco assim corrêra
De não mais de lá voltar.
- Ái que linda formusura,
Quem a poderá salvar!
O alvor dos seus vestidos
Tem mais brilho que o luar!
Dôces, tão dôces suspiros
Onde ouvi-los suspirar?
Assim um bom cavalleiro
Só se estava a delatar,
Em amor lhe ardia o peito,
Em desejos seu olhar.
Tres horas eram passadas
Neste continuo anciar.
Cavalleiro de armas brancas
Nunca soube arreceiar:
Invoca a linda moirinha,
Mas não ouve o seu fallar.
Nada importa a D. Ramiro
Mais que a moira conquistar;
Vai subir por muro acima,
Sente os pés a resvalar!
Ái que era passada a hora
De a poder desencantar!
Já lá vinha a estrella d'alva
Com seus brilhos a raiar;
No mais alto do castello
Já mal se via alvejar
A fina branca roupagem
Da linda filha de Agar.
Ao romper do claro dia,
Para bem mais se pasmar,
Sobre o castello uma nuvem
Era apenas a pairar.
Jurava o povo, jurava,
E teimava en affirmar,
Que dentro daquella nuvem
Vira a donzellinha entrar.
Dom Ramiro d'enraivado
De não lhe poder chegar,
Dalli parte, e contras os moiros
Grande briga vai armar.
Por fim ganha um bom castello,
Mas... sem moira para amar.
Estácio da Veiga
A moira Encantada, Romanceiro do Algarve, Imp.
Joaquim Germano de Sousa Neves, Lisboa 1870
ALGARVE todo o mar
(Colectânea)
Adosinda Providência Torgal
Madalena Torgal Ferreira
DOM Quixote, Lisboa 2005
1 comentário:
Que saudades deste rimances
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