terça-feira, abril 06, 2010

Romance Popular


Esta melhoria do tempo, este acalentar do Sol, estes dias cheios de luminosidade, a exuberância da Natureza, o verde que tudo cobre depois de um prolongado tempo de chuva, o matizado das flores sobre esse tapete verde, até mesmo o incómodo de uma alergia que nunca antes sentira, são sinais de que por este meu Algarve há vida que vive intensamente.

Queria trazer-vos algo de genuinamente algarvio e deparei-me com...

Estácio da Veiga (séc.XIX), figura incontornável da arqueologia nacional, que dedicou algum do seu tempo à recolha do romanceiro popular.

Transcrevo um dos seus romances, mantendo a ortografia original:

  • A Moira Encantada

    Meia noite além resôa
    Cêrca das ribas del mar,
    Meia noite já é dada
    E o povo ainda a folgar.
    Em meio de tal folguedo
    Todos quedam sem fallar,
    Olhos voltam ao castello
    Para ver, para avistar
    A linda moira encantada,
    Que era triste a suspirar.

    -Quem se atreve, ái quem se atreve
    Ir ao castello e trepar
    Para vencer lo encanto
    Que tanto sabe encantar?
    - Ninguem ha que a tal se atreva,
    Não ha que em moiras fiar;
    Quem lá fôsse a taes deshoras
    Para só desencantar,
    Grande risco assim corrêra
    De não mais de lá voltar.
    - Ái que linda formusura,
    Quem a poderá salvar!
    O alvor dos seus vestidos
    Tem mais brilho que o luar!
    Dôces, tão dôces suspiros
    Onde ouvi-los suspirar?

    Assim um bom cavalleiro
    Só se estava a delatar,
    Em amor lhe ardia o peito,
    Em desejos seu olhar.
    Tres horas eram passadas
    Neste continuo anciar.
    Cavalleiro de armas brancas
    Nunca soube arreceiar:
    Invoca a linda moirinha,
    Mas não ouve o seu fallar.
    Nada importa a D. Ramiro
    Mais que a moira conquistar;
    Vai subir por muro acima,
    Sente os pés a resvalar!
    Ái que era passada a hora
    De a poder desencantar!

    Já lá vinha a estrella d'alva
    Com seus brilhos a raiar;
    No mais alto do castello
    Já mal se via alvejar
    A fina branca roupagem
    Da linda filha de Agar.
    Ao romper do claro dia,
    Para bem mais se pasmar,
    Sobre o castello uma nuvem
    Era apenas a pairar.
    Jurava o povo, jurava,
    E teimava en affirmar,
    Que dentro daquella nuvem
    Vira a donzellinha entrar.
    Dom Ramiro d'enraivado
    De não lhe poder chegar,
    Dalli parte, e contras os moiros
    Grande briga vai armar.
    Por fim ganha um bom castello,
    Mas... sem moira para amar.

Estácio da Veiga
A moira Encantada, Romanceiro do Algarve, Imp.
Joaquim Germano de Sousa Neves, Lisboa 1870

ALGARVE todo o mar
(Colectânea)
Adosinda Providência Torgal
Madalena Torgal Ferreira

DOM Quixote, Lisboa 2005

1 comentário:

hfm disse...

Que saudades deste rimances