segunda-feira, agosto 19, 2013

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (VI)

























Esta foto é meramente decorativa e serve à evocação desta período (séc. XI) que aqui vimos a abordar. Foi batida em Mértola.



Por esta época da conquista de Silves por Al-Mu'tadid Ibn Abbad, rei de Sevilha, vivia em Silves um talentoso rapaz, natural de Sanbras, (atual São Brás de Alportel) no termo de Silves, que tinha efetuado estudos em Córdova e que suscitou a curiosidade do rei, reconhecendo nele  dotes de poeta, de guerreiro e de diplomata - Abu Bakr Muhammad Ibn 'Ammar.

Al-Mu'tadid encarregou-o do comando das tropas que tomaram Santa Maria (Faro, atualmente) e a conquistaram em 1052.

É de Ibn 'Ammar e dedicado ao rei, muito provavelmente como agradecimento pela sua nomeação como "Comandante da Cavalaria do Gharb", este poema que passo a transcrever, numa tradução para português de Adalberto Alves, no seu livro "O meu coração é árabe".




     Mais uma rodada copeiro,
     Que já se ergue a aragem da manhã
     E a estrela de alva
     Desviou a rota da noite viageira.

     A alvorada trouxe-nos brancura de cânfora
     Assim que a noite reclamou seu negro âmbar.

     O jardim parece uma donzela vestida com a túnica
     Bordada a flores e adornada com pérolas de orvalho
     Ou então, jovem ruborizado de pudor
     De rosas, alentado com a sombra do mirto.

     E esse jardim,
               Onde o rio lembra branca mão
               Pousada sobre um tecido verde,
     Mostra-se agitado pela brisa:
               Dir-se-ia, meu rei,
               A tua espada desbaratando exércitos.
     Meu Senhor!
               Verde brilhante são os favores da tua mão
               Quando os céus se turvam de cinzento.
               Teu dom é sempre generoso:
               Se virgens dás têm seios opulentos
               Se cavalos são de nobre raça
               Se alfanges têm pedras preciosas.
     Meu rei!
               Quando os demais reis se dessedentam
               Esperam que ergas primeiro a tua taça.
               És mais refrescante para os corações
               Que o orvalho que se vai formando gota a gota
               E mais brilhante para os olhos
               Que o doce peso do sono.
               Faz faiscar a chispa da tua glória
               Que não deixa nunca o fragor da lide
               Se não para se abeirar do lume
               Que mandaste acender para os teus hóspedes.
     Rei!
               Esplêndido no talhe e no espírito,
               Como o jardim, belo de perto e à distância.
               Quando a teu lado me é servido
               O rio celestial que mana do teu ser
               É bem certo que estou no Paraíso.

               Fizeste pender da tua lança
               As cabeças dos reis teus inimigos
               Só porque o ramo agrada
               na impaciência da flor?

               Tingiste a tua corta com sangue de heróis
               Só porque a formosa se enfeita de vermelho?
               A espada, se a tua mão lhe serve de tribuna,
               Dá lugar a súplicas mais eloquentes
               Que as do melhor dos oradores quando prega.

     Este poema é para ti,
               Como um jardim que a brisa visitou
               Sobre o qual repousou o orvalho da noite
               Até que o ataviou de flores.
               Do teu nome fiz-lhe uma veste de ouro.
               Com o teu louvor derramei o melhor almíscar.
               Quem me suplantará? Se o teu apoio é sândalo
               Eu o queimei no fogo do meu génio
               Quando as brasas ainda estavam a arder.
               O orgulho no amor - temei-o - é a sua vergonha
               Mas o prazer - aproveita-o - é o seu ardor.
               Não peças à paixão que te dê domínio
               Prefere ser escravo, nas suas mãos é que tu és livre!
               Vós me dissestes: O amor prejudicou-te.
               Eu respondi: Quem dera me tivesse feito mal.
               É que meu coração escolheu doença para o corpo
               Como forma própria de o adornar.
               Deixai-o, pois, fazer a sua escolha
               E não me critiqueis por estar emagrecido:
               Não está a excelência de uma adaga
               Precisamente na finura do seu gume?
               Troçastes porque me deixou minha amada?
               Quanto fim do mês oculta o crescente que vai vir!
               Julgais que o fogo do esquecimento me consolará
               Ou um profundo sono chegará depois?
               Mas ó coração, guerreiro da dor, se não sofresses mais
               Como te acudiria o socorro das lágrimas?



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Garcia Domingues, História Luso-Árabe, edição do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, 2010
António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, vol. 2 - Editorial Caminho
Adalberto Alves, O meu Coração é Árabe, Assírio & Alvim

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Se estiver interessado na leitura dos episódios anteriores, siga os links abaixo:

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (I)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (II)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (III)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (IV)

Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (V)




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