Esta foto é meramente decorativa e serve à evocação desta período (séc. XI) que aqui vimos a abordar. Foi batida em Mértola.
Por esta época da conquista de Silves por Al-Mu'tadid Ibn Abbad, rei de Sevilha, vivia em Silves um talentoso rapaz, natural de Sanbras, (atual São Brás de Alportel) no termo de Silves, que tinha efetuado estudos em Córdova e que suscitou a curiosidade do rei, reconhecendo nele dotes de poeta, de guerreiro e de diplomata - Abu Bakr Muhammad Ibn 'Ammar.
Al-Mu'tadid encarregou-o do comando das tropas que tomaram Santa Maria (Faro, atualmente) e a conquistaram em 1052.
É de Ibn 'Ammar e dedicado ao rei, muito provavelmente como agradecimento pela sua nomeação como "Comandante da Cavalaria do Gharb", este poema que passo a transcrever, numa tradução para português de Adalberto Alves, no seu livro "O meu coração é árabe".
Mais uma rodada copeiro,
Que já se ergue a aragem da manhã
E a estrela de alva
Desviou a rota da noite viageira.
A alvorada trouxe-nos brancura de cânfora
Assim que a noite reclamou seu negro âmbar.
O jardim parece uma donzela vestida com a túnica
Bordada a flores e adornada com pérolas de orvalho
Ou então, jovem ruborizado de pudor
De rosas, alentado com a sombra do mirto.
E esse jardim,
Onde o rio lembra branca mão
Pousada sobre um tecido verde,
Mostra-se agitado pela brisa:
Dir-se-ia, meu rei,
A tua espada desbaratando exércitos.
Meu Senhor!
Verde brilhante são os favores da tua mão
Quando os céus se turvam de cinzento.
Teu dom é sempre generoso:
Se virgens dás têm seios opulentos
Se cavalos são de nobre raça
Se alfanges têm pedras preciosas.
Meu rei!
Quando os demais reis se dessedentam
Esperam que ergas primeiro a tua taça.
És mais refrescante para os corações
Que o orvalho que se vai formando gota a gota
E mais brilhante para os olhos
Que o doce peso do sono.
Faz faiscar a chispa da tua glória
Que não deixa nunca o fragor da lide
Se não para se abeirar do lume
Que mandaste acender para os teus hóspedes.
Rei!
Esplêndido no talhe e no espírito,
Como o jardim, belo de perto e à distância.
Quando a teu lado me é servido
O rio celestial que mana do teu ser
É bem certo que estou no Paraíso.
Fizeste pender da tua lança
As cabeças dos reis teus inimigos
Só porque o ramo agrada
na impaciência da flor?
Tingiste a tua corta com sangue de heróis
Só porque a formosa se enfeita de vermelho?
A espada, se a tua mão lhe serve de tribuna,
Dá lugar a súplicas mais eloquentes
Que as do melhor dos oradores quando prega.
Este poema é para ti,
Como um jardim que a brisa visitou
Sobre o qual repousou o orvalho da noite
Até que o ataviou de flores.
Do teu nome fiz-lhe uma veste de ouro.
Com o teu louvor derramei o melhor almíscar.
Quem me suplantará? Se o teu apoio é sândalo
Eu o queimei no fogo do meu génio
Quando as brasas ainda estavam a arder.
O orgulho no amor - temei-o - é a sua vergonha
Mas o prazer - aproveita-o - é o seu ardor.
Não peças à paixão que te dê domínio
Prefere ser escravo, nas suas mãos é que tu és livre!
Vós me dissestes: O amor prejudicou-te.
Eu respondi: Quem dera me tivesse feito mal.
É que meu coração escolheu doença para o corpo
Como forma própria de o adornar.
Deixai-o, pois, fazer a sua escolha
E não me critiqueis por estar emagrecido:
Não está a excelência de uma adaga
Precisamente na finura do seu gume?
Troçastes porque me deixou minha amada?
Quanto fim do mês oculta o crescente que vai vir!
Julgais que o fogo do esquecimento me consolará
Ou um profundo sono chegará depois?
Mas ó coração, guerreiro da dor, se não sofresses mais
Como te acudiria o socorro das lágrimas?
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Garcia Domingues, História Luso-Árabe, edição do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, 2010
António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, vol. 2 - Editorial Caminho
Adalberto Alves, O meu Coração é Árabe, Assírio & Alvim
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Se estiver interessado na leitura dos episódios anteriores, siga os links abaixo:
Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (I)
Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (II)
Silves, ao tempo da civilização do al-Ândalus (IV)
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