A Moira Encantada1 2
Meia noite além resôa
Cêrca das ribas del mar,
Meia noite já é dada
E o povo ainda a folgar.
Em meio de tal folguedo
Todos quedam sem fallar,
Olhos voltam ao castello
Para ver, para avistar
A linda moira encantada,
Que era triste a suspirar.
- Quem se atreve, ái quem se atreve
Ir ao castello e trepar
Para vencer lo encanto
Que tanto sabe encantar?
- Ninguem ha que a tal se atreva,
Não ha que em moiras fiar;
Quem lá fôsse a taes deshoras
Para só desencantar,
Grande risco assim corrêra
De não mais de lá voltar.
- Ái que linda formusura,
Quem a podéra salvar!
O alvor dos seus vestidos
Tem mais brilho que o luar!
Dôces, tão dôces suspiros
Onde ouvil-os suspirar?
Assim um bom cavalleiro
Só se estava a delatar,
Em amor lhe ardia o peito,
Em desejos seu olhar.
Tres horas eram passadas
Neste continuo anciar.
Cavalleiro de armas brancas
Nunca soube arreceiar:
Invoca a linda moirinha,
Mas não ouve o seu fallar.
Nada importa a D. Ramiro
Mais que a moira conquistar;
Vai subir por muro acima,
Sente os pés a resvalar!
Ái, que era passada a hora
De a poder desencantar!
Já lá vinha a estrella d'alva
Com seus brilhos a raiar;
No mais alto do castello
Já mal se via alvejar
A fina branca roupagem
da linda filha de Agar.
Ao romper do claro dia,
Para bem mais se pasmar.
Sobre o castello uma nuvem
Era apenas a pairar.
Jurava o povo, jurava,
E teimava en affirmar,
Que dentro daquella nuvem
Vira a donzellinha entrar.
Dom Ramiro d'enraivado
De não poder-lhe chegar,
Dalli parte, e contra os moiros
Grande briga vái armar.
Por fim ganha um bom castello,
Mas... sem moira para amar.
1Versão de Estácio da Veiga
2Foi mantida a ortografia original
Algarve todo o mar
Colectânea
Publicações Dom Quixote, Lisboa 2005
P.S.
A propósito desta paixão de D. Ramiro por uma donzela árabe, remeto-vos para um post que aqui publiquei, em Junho de 2004, sobre o poema Dona Branca, de Almeida Garrett, onde Aben-Afan, o último rei mouro de Silves, se apaixona por D. Beatriz, filha de D. Afonso III. Basta clicar aqui.
Nesse local foi efectuado um link, que já não funciona, e que remetia para o poema do nosso grande romântico. Os que queiram ter acesso ao poema completo, em versão .pdf podem usar este link actualizado..
10 comentários:
E assim se foram queimando as pontes... Uma bela história e uma metáfora ainda actual. Infelizmente...
Diga-se, em abono da verdade, que também os mouros se envolveram com as cristãs, assim conta Garrett em Dona Branca, história-poema dos amores de Almançor por D. Beatriz, filha de Afonso III.
As pontes ligam duas margens que os homens, de cá e de lá, foram queimando, infelizmente...
Um abraço, Rui.
Estava a pensar em Almançor quando escrevi, certamente, pois recordava uma peça de teatro em que Almançor se prende de amores por uma cristã. Acontece que Almançor significa O Vitorioso e tal epíteto pode ser conferido a qualquer um que obtenha uma vitória.
Bem. O mouro de Dona Branca é Aben-Afan, último rei mouro de Silves.
Como me encantei.
É uma delícia de simplicidade popular, não é Helena!?
Quantas moiras encantadas não haverá ainda, não em nuvens, mas em chadors.
O chador é coisa iraniana e aqui por Silves as mouras são mesmo mouras, isto é, demasiado morenas. Mas que as há encantadas, isso há. O brilho dos seus olhos lança um tal encantamento que não permite aos homens ver a sua face; por isso dispensam o lenço.
E lêem.
Lindo :)
Bjx
'romance' popular...muito encanto nessa moura. quando miúda visitava o castelo de Silves e ía espreitar ao poço tentando ouvir os lamentos da moura encantada .)
eu, Moriana, personagem de um 'romance' de tradição oral...
Obrigado, Nadir.
Musália, a moura do conto não tem nome, portanto não é Moriana. Nem Moriana me parece que seja nome de origem árabe, tanto quanto sei. Sabes algo sobre isso?
A tradição oral sobre a moura do castelo de Silves, na versão que chegou até mim, também não refere o poço, mas antes a cisterna, como local da sua "morada". Mas, como sabes, quem conta um conto acrescenta-lhe ...
Um abraço.
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