quarta-feira, janeiro 10, 2007

Em defesa dos índios, no Brasil

Há homens que vêem para além do seu tempo.

Trago-vos hoje um texto de Padre António Vieira, mais exactamente o excerto de uma carta que, do Maranhão, no Brasil, dirigiu ao rei D. João IV, com data de 20 de Maio de 1653:



  • [...] Os índios que moram em suas aldeias com títulos de livres são muito mais cativos que os que moram nas casas particulares dos portugueses, só com uma diferença, que cada três anos têm um novo senhor, que é o governador ou capitão-mor que vem a estas partes, o qual se serve deles como de seus e os trata como alheios; em que vêm a estar de muito pior condição que os escravos, pois ordinariamente se ocupam em lavouras de tabaco, que é o mais cruel trabalho de quantos há no Brasil. Mandam-nos servir violentamente a pessoas e em serviços a que não vão senão forçados, e morrem lá de puro sentimento; tiram as mulheres casadas das aldeias, e põem-nas a servir em casas particulares, com grandes desserviços de Deus e queixas de seus maridos, que depois de semelhantes jornadas muitas vezes se apartam delas; não lhes dão tempo para lavrarem e fazerem suas roças, com que eles, suas mulheres e seus filhos padecem e perecem; enfim, em tudo são tratados como escravos, não tendo a liberdade mais que no nome, pondo-lhes nas aldeias por capitães alguns mamelucos ou homens de semelhante condição, que são os executores destas injustiças, com que os tristes índios estão hoje quase acabados e consumidos; [...]
    As causas deste dano bem se vê que não são outras mais que a cobiça dos que governam, muitos dos quais costumam dizer que V.M. os manda cá para que se venham remediar e pagar de seus serviços, e que eles não têm outro meio de o fazer senão este. [...]


História e Antologia da Literatura Portuguesa (Séc. XVII), nº 36
Fundação Calouste Gulbenkian
Serviço de Educação e Bolsas

5 comentários:

Anónimo disse...

Vale sempre a pena ler e reler.

Anónimo disse...

Ainda Vieira... Mas "por morte de D. João IV, substituído o governador, reacendem-se querelas antigas, dão-se tumultos no Maranhão e Pará, contra os missionários, muitos dos quais são presos e enviados para Lisboa, e entre eles Vieira. Durante esta estada na Europa (1661-1681), prega o sermão da Epifania em defesa dos missionários e toma o partidode D. Pedro, sofrendo a PERSEGUIÇÂO dos partidários de D. Afonso VI. Aproveitando o desfavor régio, a INQUISIÇÂO prende Vieira durante dois anos (1665-1667) e instaura-lhe PROCESSO DOUTRINAL, com fundamento no milenarismo visionário alimentado nas trovas do BANDARRA..."

Anónimo disse...

Muito bom...

MaD disse...

Se, de há trezentos e cinquenta anos para cá, a evolução, neste campo, foi o que se vê, o que é que podemos esperar desta sociedade rasca em que vivemos?...
O Padre António Vieira ainda pregava aos peixes e escrevia ao rei - embora o resultado fosse o mesmo: nada.
Os padres de agora parece nem isso serem capazes de fazer - pensar pela própria cabeça...
Um abraço.

Anónimo disse...

Então,Mad, quem pregava aos peixes era o Santo António... Para uns de Pádua (onde morreu), para outros (nós) de Lisboa, onde nasceu...