Pelo 77º aniversário de Herberto Helder (clique), leia comigo este excerto de As Musas Cegas:
Mulher, casa e gato.
Uma pedra na cabeça da mulher; e na cabeça
da casa, uma luz violenta.
Ainda um peixe comprido pela cabeça do gato.
A mulher senta-se no tempo e a minha melancolia
pensa-a, enquanto
o gato imagina a elevada casa.
Eternamente a mulher da mão passa a mão
pelo gato abstracto,
e a casa e o homem que eu vou ser
são minuto a minuto mais concretos.
A pedra cai na cabeça do gato e o peixe
gira e pára no sorriso
da mulher da luz. Dentro da casa,
o movimento obscuro destas coisas que não encontram
palavras.
Eu próprio caio na mulher, o gato
adormece na palavra, e a mulher toma
a palavra do gato no regaço.
Eu olho, e a mulher é a palavra.
Palavra abstracta que arrefeceu no gato
e agora aquece na carne
concreta da mulher.
A luz ilumina a pedra que está
na cabeça da casa, e o peixe corre cheio
de originalidade por dentro da palavra.
Se toco a mulher toco o gato, e é apaixonante.
Se toco (e é apaixonante)
a mulher, toco a pedra. Toco o gato e a pedra.
Toco a luz, ou a casa, ou o peixe, ou a palavra.
Toco a palavra apaixonante, se toco a mulher
com seu gato, pedra, peixe, luz e casa.
A mulher da palavra. A Palavra.
Deito-me e amo a mulher. E amo
o amor na mulher. E na palavra, o amor.
Amo, com o amor do amor,
não só a palavra mas
cada coisa que invade cada coisa
que invade a palavra.
E penso que sou total no minuto
em que a mulher eternamente
passa a mão da mulher no gato
dentro da casa.
No mundo tão concreto.
Herberto Helder
(A Colher na Boca)
Ou o Poema Contínuo
Assírio & Alvim, Lisboa 2004
7 comentários:
Leio. Leio sempre. Deram-me a conhecer tinha eu 16 anos. Continuo leitora.
Leio. Leio sempre. Deram-me a conhecer tinha eu 16 anos. Continuo leitora.
Helena
A repetição foi resposta à minha, no teu blog, ou mero acaso? :)
Também o leio sempre, mas só o conheci lá para os meus 18/20.
Um beijo amigo.
Belíssimo... Obrigado por esta partilha, não conhecia o poema. Abraço xaraz!
Belíssimo... Obrigado por esta partilha, não conhecia o poema. Abraço xaraz!
Nuno
Estranho não conheceres, porque este poema é um dos que o Sandro costuma recitar.
Conheces o Sandro de certo e já o ouviste, quanto mais não fosse com a "Ode".
Aquele abraço, amigo.
Ouvi o Sandro, com a ODE, há uns três anos, de facto não me lembrava... É bom saber que a boa poesia é divulgada!
Abraço!
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