terça-feira, março 09, 2010

O romantismo no séc. XXI


Este fim-de-semana, sem sair do concelho onde resido, no interior algarvio, tive o raro ensejo de assistir a dois concertos de música erudita:

Biblioteca Muncipal de Silves, Março 2010

      - o primeiro, na Biblioteca Municipal de Silves, com os músicos João Miguel Cunha (viola de arco), João Pedro Cunha e José Gomes (violinos), e Zurab Kala (violoncelo), num concerto comentado de uma obra de Robert Schumann, integrado num ciclo que recebeu o título “Ciclo Musical Persona” e de que esta foi a primeira sessão.

Igreja Matriz de S. Bartolomeu de Messines, Março 2010

      - o segundo, na Igreja Matriz de São Bartolomeu de Messines, com um grupo de câmara da Orquestra do Algarve, num concerto de Mozart, a propósito da passagem do 180º aniversário do nascimento do poeta João de Deus, natural desta localidade onde teve lugar o concerto.


Do primeiro quero manifestar o meu apreço pela iniciativa, que irá continuar com Chopin, a que se seguirão Zeca Afonso, Caetano Veloso e António Variações, a terminar com Beethoven.
Curiosa esta forma de integrar músicos de expressão erudita com músicos de expressão mais popular. Trata-se de uma maneira de tentar cativar novos públicos, partindo de uma base de aceitação que se configura na música de influência romântica.

O segundo concerto também se enquadraria nesta tendência de usar o romantismo para impressionar novos públicos, embora neste caso de homenagem a um poeta romântico fosse este o concerto adequado.
Mas a ideia de interromper um concerto de quatro andamentos, colocando a recitação de poemas a cada mudança, só porque se tratava de João de Deus, foi uma ideia de “bradar aos céus” dentro de uma igreja.

É precisamente esta questão da influência do romantismo que me traz hoje aqui, não porque não a compreenda e aceite, mas porque tenho assistido ao longo da minha vida a tentativas sobre tentativas de agradar ao público desta maneira, queimando sucessivamente etapas de iniciação, sem que se assista alguma vez, pelo menos com continuidade, a ouvir os nossos contemporâneos, no que se refere à música erudita, ou às tendências que sempre estão a emergir no que se refere à música mais popular. Quero ainda mencionar a quase total ausência dos jovens, particularmente os que frequentam agora estudos secundários ou universitários, que são os que detêm a potencialidade capaz de quebrar este ciclo vicioso.

Isto acontece na música, mas também nas artes plásticas e na literatura, onde se recorre ao romantismo ou a tendências que vão beber no gosto dessa época, e se acaba sempre por queimar etapas que se supõe pudessem conduzir a ver um cinema menos padronizado do que o que vem do lado de lá do Atlântico, apesar do seu bom cinema; um teatro com uma expressão mais contemporânea, a valorizar a cenografia, a expressão plástica e outras formas de comunicação, além dos fabulosos textos e interpretações do passado; uma literatura que não se fique pela estória, apesar das belas estórias que todos já lemos; uma poesia que não se expresse senão pela rima e pelos símbolos estereotipados do amorzinho e do luar, apesar dos inesquecíveis poemas que nos cativaram dessa forma; uma expressão plástica que não seja necessariamente figurativa, mas mais conceptual, apesar das belas obras que nos tocaram de maneira bem profunda e de que ainda recordamos a forte impressão que nos deixaram; uma fotografia que ultrapasse o pôr-do-sol, apesar dos belíssimos ocasos que já nos levaram às lágrimas; um concerto que se oiça em pleno silêncio, sem esquecer os que vivemos com os amigos e toda a multidão que connosco comungava o mesmo sentimento…

... uma manhã, uma tarde, um serão divertido, onde o divertimento não se fique pelo riso boçal ou pelo drama choramingas, mas resida no prazer que nos traz a fruição da expressão artística e que nos fale daquilo que somos hoje, porque é hoje o tempo em que vivemos e é preciso entendê-lo para melhor o construir.

2 comentários:

azimute da palavra disse...

Obrigada, por teres um olhar arguto face ao nosso presente artistico. Estou com jovens das 8h às 17h, todos os dias. Acredita que luto por essa contaminação,do gosto pelas artes, que eu acreditava ser capaz de fazer.
Que engano, o querer vem de casa,vem da educação pelos media, mas vem, sobretudo, de dentro.E é preciso contar com a voracidade deste nosso tempo. Tudo é passado, fugaz. E os adolescentes querem o rápido, o aqui e agora. Nada se fixa na retina.
Mas, a esperança é a última a morrer...
Vou agora eu dizer que a culpa está em quem define prioridades educativas para o Ensino Secundário?

Carpe_Diem disse...

Espectaculo deve ter sido lindo!!! Como é possível não divulgarem um espectaculo destes... Adorava ter ido Ver ...

Saudações PSI´S

Carpe Diem