sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Cabecinha romana de Milreu

Cabeça da Imperatriz Júlia, séc. I a.C., © Museu Nacional de Arqueologia
     Retrato de Júlia (Imperatriz)
Museu Nacional de Arqueologia

Lia Jorge de Sena, há alguns dias, quando me prendi num seu poema, inspirado na "cabecinha romana de Milreu" (as Ruínas de Milreu são um sítio arqueológico romano, monumento nacional, na actual vila de Estoi, perto de Faro).
Fico sempre deslumbrado com estes testemunhos de civilizações que nos antecederam e que me põem a imaginar os anseios, as alegrias, as dificuldades, as tristezas, os problemas desta gente que aqui viveu antes de nós, como o faz Jorge de Sena desta forma admirável:

  • Cabecinha romana de Milreu

    Esta cabeça evanescente e aguda,
    tão doce no seu ar decapitado,
    do Império portentoso nada tem:
    Nos seus olhos vazios não se cruzam línguas,
    na sua boca as legiões não marcham,
    na curva do nariz não há os povos
    que foram massacrados e traídos.
    É uma doçura que contempla a vida,
    sabendo como, se possível, deve
    ao pensamento dar certa loucura,
    perdendo um pouco, e por instantes só,
    a firme frieza da razão tranquila.
    É uma virtude sonhadora: o escravo
    que a possuía às horas da tristeza
    de haver um corpo, a penetrou jamais
    além de onde atingia; e quanto ao esposo,
    se acaso a fecundou, não pensou nunca
    em desviar sobre si tão longo olhar.
    Viveu, morreu, entre as colunas, homens,
    prados e rios, sombras e colheitas,
    e teatros e vindimas, como deusa.
    Apenas o não era: o vasto império
    que os deuses todos tornou seus, não tinha
    um rosto para os deuses. E os humanos,
    para que os deuses fossem, emprestavam
    o próprio rosto que perdiam. Esta
    cabeça evanescente resistiu:
    nem deusa, nem mulher, apenas ciência
    de que nada nos livra de nós mesmos.

Jorge de Sena
Quinze Poetas Portugueses do Século XX
Selecção de Gastão Cruz
Assírio & Alvim, Lisboa 2004

8 comentários:

hfm disse...

Tenho em mim o momento primeiro em que vi Milreu. Era criança e tudo aquilo ainda estava sem suportes, ao ar livre. Deslumbrei-me e tive bom explicador.

Gostei de reler Sena mas gostei sobretudo de rever a imagem que ainda guardo em mim.

Torquato da Luz disse...

Nem imaginas as recordações que me trouxeste com este "post". Muito jovem ainda, fui, de "lambretta" (com o saudoso dr. Clementino Pinto, meu professor), visitar Milreu... Como estará aquilo agora? O abraço de sempre.

Unknown disse...

Para matar essa saudade, proponho à Helena e ao Torquato um passeio virtual:
Milreu.
Há imagens e até um vídeo de reconstituição da "villa".

Unknown disse...

Francisco, não me foi fácil escrever Estói, porque sei que os algarvios pronunciam Estoi, como em "boi", mas toda a nomenclatura oficial e até a própria placa toponímica local o afirmamn (Veja no link Milreu, do post anterior). Que posso dizer eu, pobre mortal?!

Asulado disse...

António:
Desde 28 de Janeiro que podes voltar a escrever Estoi (clica aqui e faz Editar-Localizar-Estoi).
Podes também ler aqui o Projecto-Lei que motivou a alteração.
Eu cá sempre escrevi Estoi, tal como continuo a escrever Fuzeta.

Unknown disse...

Obrigado.
Já alterei o topónimo, de acordo com o Decreto-Lei nº32/2005, de 28 de Janeiro (dia do meu aniversário), de Estói para Estoi.

Asulado disse...

Pai e filha na mesma data, que giro!
Os meus parabéns super atrasados!

Anónimo disse...

Estoi inteiramente de acordo.