Quem não lê, é como quem não vê
(...) Também já lhe acontecera ver o botão referente à sua senha tapado com um papel. Apresentou a sua queixa a uma senhora de bata branca que lhe retorquiu:
- «Não vê esse painel grande aí em cima dos guichets a dizer quais as especialidades que foram transferidas para o Novo Edifício!?»
O Novo Edifício, que o informaram ser em frente das Urgências, e as Urgências, que o informaram ser em frente do Novo Edifício, fora uma situação nova e mais confusa, a exigir uma total exploração de novos procedimentos.
- «As pessoas não são fáceis!», exclamava o Carlos de si para si.
Punha-se a estudar os rostos e os olhares. Algumas, de boa feição e aparentemente disponíveis, nem sempre reagiam com disponibilidade; revelavam-se antipáticas e respondiam grosseiramente. Outras, de má catadura, com ar apressado, por vezes mostravam-se disponíveis e eram até capazes de alguma ternura e respeito pela sua idade e condição.
Nesse dia, quando Carlos conversava com o médico, disse-lhe que não mais viria à consulta.
- «O Sr. Doutor passa-me estes comprimidos muito caros e diz-me sempre que está tudo bem. A minha reforma mal chega para comer. Sabe quanto me custa vir aqui?»
Quando Carlos inquiriu o médico sobre o custo da sua viagem, estava a referir-se ao dinheiro. Nunca lhe revelaria a sua odisseia até chegar ali, que ainda incluía o regresso a casa, com todas as vicissitudes.
- «Quem não lê, é como quem não vê. Tem que aprender tudo de cor, como os cegos!», comentava para si.
Ainda andara na escola e aprendera números e letras, mas ano após ano, a trabalhar, de manhã à noite, sem fazer uso dessas "coisas", como ele diria, acabou por esquecer.
- «Bem falta me têm feito, depois desta maldita doença que um dia me há-de matar!»
sexta-feira, agosto 26, 2005
Um Conto (XII) - 2ª parte
(Continuação do post anterior)
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8 comentários:
Apesar de triste, o conto me transmitiu uma sensação de serenidade, por parte do protagonista.
e, contudo, tão verdadeiro!
Desculpa-me por ser neste postal, mas o meu agradecimento pelos parabéns tinham que ser em público.
Obrigado e um gr abraço.
Pois é... o dia a dia do verdadeiro Povo, é este...
Gostei do texto.
Gostei muito do conto.
Nem todos os que respiram sabem ler e escrever ...
Vou seguir com mais atenção esta tua produção literária.
Um abraço.
realista mas ao mesmo com um ligeiro e perturbador perfume de antecipação futurista... gostei de ler. Obrigado.
Conheço bem esta realidade de todos os dias :)
Gostei!
Muito bom. Parabéns.
www.folhadalte.com
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