sexta-feira, setembro 16, 2005

Um Conto (XIII)

  • Aquela paz sem fim

    Deitado de costas sobre a areia molhada, comecei a aperceber-me de que estava rodeado de gente. Surpreenderam-me os olhares atónitos, os grotescos ritos faciais.

    Era uma plena tarde de Verão. Uma faixa de areia dourada demarcava o contorno da baía. O mar confundia-se com o céu num matizado de azul, de um inebriante azul.
    Desci à praia. A calma ondulação convidava ao mergulho. O corpo aceitou com agrado o contacto com a água tépida. Mergulhei. Pareceu-me avistar um rochedo, isolado naquele fundo de areia. Tomei fôlego. Mergulhei de novo, mais profundamente. A refracção do sol projectava fantasmagóricos cambiantes de luz, evolucionando ao sabor da corrente que agitava as algas em atraentes movimentos baléticos. Curiosos peixes, pequenos e irrequietos camarões, até um polvo, que se escondia na sua toca, participava, com os seus tentáculos, nesta coreografia.

    Subitamente algo aconteceu.

    O rochedo ganhava a configuração do corpo dela, nua e palpitante. O seu sorriso, de maliciosa inocência, o penetrante olhar, os braços ondulantes abrindo-se para mim, o corpo em abandono, oferecendo-se-me.
    Recordo o amplexo do nosso desejo e uma inquebrantável vontade de me aninhar a seu lado e com ela ficar, docemente, naquele sossego, naquela paz sem fim.


P.S.
A propósito do desastre de New Orleans, chamo a atenção para estas três galerias de fotos, com música, sob o título "Jazz em silêncio", no Público. (clique no sublinhado)

2 comentários:

Futuro Ex-Gordo disse...

E quem era essa sereia que desta forma te encantou, amigo António?

Gostei muito da suavidade com que me embalaste ao longo destas linhas

L disse...

Gosto da fluidez da sua prosa e da beleza e precisão das palavras.

Continue sempre a escrever!