segunda-feira, janeiro 31, 2005

Líricos algarvios (XI)

Dou por terminada hoje esta série de posts dedicados aos "Líricos algarvios"; de forma despretensiosa, não exaustiva, com a mera intenção de recordar e divulgar alguns vultos da poesia do Algarve, muitas vezes esquecidos na poeira das estantes e do tempo.

O meu obrigado aos que colaboraram, aos que comentaram e aos que os leram.

O poema que aqui coloco hoje é, de certa forma, uma retribuição a quem publicou um extenso trabalho - Subsídios para a História da Poesia do Algarve (Sécs. XI-XX), numa edição de «Voz de Silves» e «Gazeta de Lagoa», 2000 - Manuel Neto dos Santos (Alcantarilha - Silves):



      • Este meu sangue é mouro e tem contornos
        Das dunas, modeladas pelo vento,
        Dos teus beijos dos quais eu estou sedento,
        Do teu corpo despido, sem adornos.

        O meu sangue tem sonhos velhos, mornos,
        Porque fiz da ilusão o paramento
        Que se foi transformando neste unguento.
        Foi com a areia e o choro que fiz os fornos...

        Dos trigais do passado eu ceifo o trigo.
        Cozo o meu pão e o Alcorão bendigo
        Quando ao cair da tarde escondo o rosto.

        Beijando os grãos de areia modelados
        Por estes lábios meus, fiéis, cansados
        Do sentir este sangue cor de mosto.

Manuel Neto dos Santos
Atalaia
Câmara Municipal de Silves, 1989


sexta-feira, janeiro 28, 2005

Pelo aniversário da Nena


      • Dia de Anos

        Com que então caiu na asneira
        De fazer na sexta-feira
        Vinte nove anos! Que tola!
        Ainda se os desfizesse...
        Mas fazê-los não parece
        De quem tem muito miolo!

        Não sei quem foi que me disse
        Que fez a mesma tolice
        Aqui o ano passado...
        Agora o que vem, aposto,
        Como lhe tomou o gosto,
        Que faz o mesmo? Coitado!

        Não faça tal; porque os anos
        Que nos trazem? Desenganos
        Que fazem a gente velho:
        Faça outra coisa; que em suma
        Não fazer coisa nenhuma,
        Também lhe não aconselho.

        Mas anos, não caia nessa.
        Olhe que a gente começa
        Às vezes por brincadeira,
        Mas depois se se habitua.
        Já não tem vontade sua,
        E fá-los queira ou não queira!

João de Deus

Nota: Os caracteres mais pequenos apontam para adaptações de circunstância; o poema de João de Deus não foi dedicado à Nena, minha filha, mas a Zeferino Brandão, que fazia vinte seis anos a uma quinta-feira.


quinta-feira, janeiro 27, 2005

Líricos algarvios (X)

Vai longa a mostra de "Líricos algarvios". Termino hoje as colaborações que me foram enviadas, com a participação do meu amigo e poeta José Carlos Barros, que há tempo consta da lista ao fundo desta página.
António Vicente Campinas (Vila Nova de Cacela):

      • Idealismo
        (Poema dedicado a António Pereira, de Armação de Pêra)

        Quando pequeno, o meu pensar errava,
        embriagado de luz e fantasia,
        por caminhos que nunca procurava,
        por lugares que nunca percorria.

        No seu feliz enlevo, ele cantava,
        - nesta vida de dor e rebeldia! -
        somente o Bem e o Amor, - em melodia
        que a minha ingénua alma fascinava.

        O tempo foi passando... E foi em vão
        que esperei sempre, sempre, a perfeição
        p'ra mim muito sonhada e não vivida.

        Confiado na Justiça e na Beleza,
        quedei-me bom, mas cheio de pobreza,
        sem, ao menos, saber viver a vida...

(in "Açucenas Bravas", Livraria Horácio Salvador, Faro, 1938)


quarta-feira, janeiro 26, 2005

Líricos algarvios (IX)

Antes que ele venha a ser referido por outro Baeta, que não eu, permitam-me que vos recorde António Aleixo:



      • A rica tem nome fino,
        A pobre tem nome grosso;
        A rica teve um menino,
        A pobre pariu um moço!

Continuo então com mais uma colaboração do prestimoso FCR, desta feita com Clementino Baeta:
          • Ficas tu em meu lugar

            O Aleixo, por saber
            Que eu sabia improvisar,
            Talvez pra me envaidecer,
            Disse-me um dia a cantar:
            Baeta, quando eu morrer,
            Ficas tu em meu lugar.

            Respondi com sofrimento:
            - Aleixo, muito obrigado.
            Mas, por ver que o teu talento
            É tão mal recompensado,
            Farei pra que meu sustento
            Nunca dependa do fado.

            Sabes bem que valorizo
            A poesia popular.
            E sabes também que preciso
            De te ouvir pra me inspirar,
            Mas que a cantar de improviso
            Jamais te posso igualar.

            Tristonho me respondeu:
            - Baeta, tu tens razão,
            Não queiras ser como eu,
            Que vivo do que me dão
            E ainda ninguém me deu
            A justa compensação.

            A sua vida foi drama
            Demasiado absorto:
            Quando caiu numa cama,
            Não recebeu o conforto
            Daqueles que lhe dão fama
            Agora depois de morto.

(in "Sonhos de Emigrante")


terça-feira, janeiro 25, 2005

Líricos algarvios (VIII)

Vou prosseguir, com a colaboração de FCR.
Dizia-me, no email que me enviou, que a sua selecção seria "... para um poeta vivo. Temos, geralmente, tendência (com toda a reverência para a sua paixão andaluza ) para privilegiar os mortos tão vivos, em detrimento dos vivos tão mortos."

Ofereceu-me este poema de Elviro Rocha Gomes:

      • A ovelha tosquiada

        Tosquiaram a ovelha.
        Parece uma velha.
        Tão lisa e tão fria
        parece uma rã.
        Umas mãos hábeis
        roubaram-lhe o garbo
        tirando-lhe a lã.
        Assim ficou nua
        no meio do prado.
        Anda vaidade
        passeando na rua
        com lã que era sua.

        E ela anda nua.
Elviro Rocha Gomes
À luz da singeleza, POEMAS, Faro 1999


segunda-feira, janeiro 24, 2005

Líricos algarvios (VII)

HFR, do último post, e FCR, que em tempos alimentou um blog com os seus "instantâneos", são meus amigos, de relacionamento regular neste veículo de comunicação onde nos encontramos. Ambos me brindaram com os poemas que vou publicar, de Bernardo de Passos (São Brás de Alportel):

      • Ecos da Serra

        Ó ribeirinho da serra,
        não corras, vai devagar...
        Leva lembranças da terra,
        que vais ser onda do mar...
        A correr, por entre flores,
        vais, ribeirinho, a cantar...
        Dize adeus aos teus amores,
        repara que os vais deixar!

        Um dia, longe de tudo,
        ribeirinho, hás-de mudar,
        feito onda do mar sem fundo,
        perdido e triste hás-de andar...
        Já sem rouxinóis cantando,
        Já sem flores p'ra beijar,
        só no mar ermo, chorando,
        quererás então voltar...

        Foi assim a minha vida
        no seu louco delirar:
        Como correu de fugida!
        Como fugiu a sonhar!
        Foi assim uma ilusão!
        a minha vida a amar!
        Um ribeirinho era então
        e hoje é onda do mar...

        Mas tu podes, ribeirinho,
        ainda um dia tornar
        às flores do teu caminho,
        voltando nuvem do ar...
        Só minha vida anda aos ais,
        de praia em praia a chorar,
        ai! nunca mais, nunca mais
        pode ao passado voltar.


          • Cantiga para trabalhadores do campo

            Sou cavador, cavo a terra,
            Donde nasce a flor e o grão.
            Dou aos outros a fartura,
            E em casa não tenho pão.

            O sol a todos aquece,
            Não nega a luz a ninguém,
            Ama os bons e ama os maus,
            E assim foi Jesus também.

            Se pão não tenho, e os meus filhos,
            Me pedem pão a chorar,
            Dou-lhes beijos, coitadinhos!
            Que mais não lhes posso dar.

            Morre um rico, dobram os sinos!
            Morre um pobre, não há dobres!
            Que Deus é esse dos padres
            Que não faz caso dos pobres?


sexta-feira, janeiro 21, 2005

Líricos algarvios (VI)

HFR, um amigo que conheci através do seu blog e das afinidades que assim se geraram, presenteou-me com um poema de Emiliano da Costa (Tavira):

      • (dedicado a João Lúcio)

        No fundo bizantino, em oiro cromo,
        De cada tarde o Sol esplende tanto!
        Tu vives nele, ao alto onde me assomo,
        Poeta, como na arte vive o acanto.

        A abelha, o azul, um canto de ave, um gnomo.
        A Natureza num radioso encanto,
        Nessa poesia se estiliza como
        Em plena luz a flor de um helianto.

        Dobram-se as folhas em volutas jónias.
        O teu influxo ardente como fez
        Nos nectários perlar as ceratónias!...

        Que o Sol flameje em tudo e tudo cante:
        - Glória à Cor! Ao poeta Verones!...
        E o Algarve a humilde palma lhe alevante.

(in "Heliantos", 1925)


quinta-feira, janeiro 20, 2005

Líricos algarvios (V)

Torquato da Luz, que Dia a Dia é poeta no seu blog e consta já da lista ao fundo desta página, também colaborou, enviando este poema de António Pereira (Armação de Pêra - Silves):



      • Eu sou de Armação de Pêra,
        Essa das ruas p'ra o mar
        Como quem vai embarcar...
        Das ruas que vêm da praia
        Como quem volta do mar.

        Lá em Armação de Pêra
        Pode não me esperar ninguém,
        Nem avós, nem pai nem mãe.
        Mas o mar sempre me espera
        Ao fundo da minha rua,
        Daquela rua onde eu moro
        Lá em Armação de Pêra.



quarta-feira, janeiro 19, 2005

Líricos algarvios (IV)

Vou dar início à contribuição dos meus leitores.
O poema que irei hoje publicar não foi o primeiro que recebi, mas foi alinhado em primeiro lugar por uma ordem que adoptei, a partir de um "critério" um pouco mal definido, mas que me pareceu bem.

Samora Barros (Albufeira), um «...lírico, também pintor, que se apaixonou por Silves», no dizer do meu amigo Manuel Ramos, a quem agradeço a colaboração:

      • Ideal

        Tenho a casa cercada de arvoredo
        E as altas trepadeiras, de mãos dadas
        Cingem-na toda. E olho-as quase a medo
        Porque tenho as saídas já vedadas!...

        Quando pequeninas, tão amimadas!...
        Ia cavá-las logo de manhã cedo,
        E nos botões das flores engrinaldadas
        Eu sentia sorrir-me o raizedo!!...

        E assim, criei esse meu Ninho - Ideal
        Que me estrangulou toda a esp'rança querida
        De uma vida feliz e sempre igual...

        É que um Ideal é Força - Homicida
        Por nós alimentada, e que afinal
        Nos mata, quando lhe damos a Vida!!...


Samora Barros
30 sonetos
Tipografia União, Faro 1966


terça-feira, janeiro 18, 2005

Líricos algarvios (III)

Dando continuação a esta mostra de líricos algarvios, deixo-vos hoje com João Brás (Silves).

      • Evocação de Silves

        Além, alta colina entre colinas
        Vede que longo e que pesado sono!
        Silves mourisca, à sombra das ruínas
        Dorme, velhinha e triste, ao abandono...

        Perto, o Arade passa murmurando
        Não sei que estranhas e profundas mágoas
        Quem sabe se a saudade está chorando
        Ou se fala d'amor a voz das águas!

        Canta nos laranjais o rouxinol
        Pela estrada fora riem as moçoilas
        E nas searas, sob a luz do Sol
        É um mar de sangue o rubro das papoilas.

        Em Fevereiro, quando o luar branquinho
        Vem, muito frio, brincar pelos valados
        As amendoeiras são lençóis de linho
        Em leitos de quimeras, a esp'rar noivados.

        E ao Sol posto, pelas tardes quietas
        À hora calma das Avé-Marias
        Até os próprios sinos são poetas
        Que nos cantam inéditas poesias.

        Do passado distante cuja história
        Para sempre ficou escrita em grés
        Cada pedra é um símbolo de glória
        Que parece dizer: Era uma vez...

        E levitam-se espectros a rondar
        Lá nas altas ameias das muralhas
        São moiras encantadas a chorar
        P'lo seus amores mortos nas batalhas.

P.S.

1. - 18 de Janeiro é uma data histórica em Silves. Se quiser aprofundar esse conhecimento pode aceder a "Da Alvorada do século ao Estado Novo" (basta clicar)

2. - Reafirmo o interesse na V. colaboração nos "Líricos algarvios", disponibilizando o meu endereço - Local & Blogal (basta clicar) - e informo que já recebi participações, a publicar em breve.


segunda-feira, janeiro 17, 2005

A propósito de um Hino para o Algarve


Símbolo e bandeira já temos!

Queiram desculpar a interrupção no ciclo dos "Líricos algarvios", mas a Junta Metropolitana do Algarve prefere um hino, que «não tem forçosamente de passar pela expressão popular do corridinho», no dizer de Macário Correia, adiantando já uma "dica" ao compositor ou ao (des)gosto dos eleitores.
E porque não uma farda, que não tenha forçosamente de passar pela expressão popular do " traje algarvio"?
Hino? Com todos a dizer e a cantar a mesma coisa, sem lugar à diferença? Soa-me a "claque", a nacionalismo serôdio em tempo de unidade europeia e mundialização. Ocorrem-me os "ismos" do século passado. Pressinto o uso daquelas generalidades que se usam para referenciar os "ciganos", os "pretos", os "ingleses", os "alentejanos", os "algarvios", os "portugueses" como se fossem todos iguais. Imagino já as acusações de que seria alvo se não me erguesse, e porventura de mão no peito, quando se entoasse o Hino do Algarve. Sinto-me coagido.
Para «acentuar a autonomia», justifica o senhor presidente da Junta Metropolitana. Mas a autonomia em relação a quê ou a quem? Queixarmo-nos de "Lisboa", como se a política que lá se faz diferisse alguma coisa da política que cá se faria.
Autonomias num país de 10 milhões de habitantes? Em Londres para essa população chega um "Mayor" ou em São Paulo um Prefeito.
É que temos «poderes muito escassos», afirma o senhor presidente. Felizmente, digo eu, pois se mesmo com esta escassez de poder se tem a "sem vergonha" de encomendar composições e execuções aos músicos da Orquestra do Algarve, como se fossem meros funcionários da Junta Metropolitana. E que dizer do poder de abrir concurso, publicado em Diário da República, com atribuição de um prémio de €2500 ao vencedor, por "dá-cá-aquela-palha", como se se tratasse de um desígnio regional.
Sem falar do "mau-gosto" da ideia, porque cada um defende o "mau-gosto" da sua própria ideia, pergunto-me que criatividade poderá existir na composição de um hino ou na produção de um poema, emblemáticos, por encomenda?
Isto, se não é abuso de poder, pelo menos não reflecte a sua escassez.

Este texto é pouco reflectido, saído um pouco como quem grita, mas foi o que o momento me ditou. Afinal é para isto que tenho um blog, blogal, para marcar o meu direito à diferença.

Abaixo o hino! Pimba!


sexta-feira, janeiro 14, 2005

Líricos algarvios (II)

Na sequência do post de ontem, irei prosseguir com Nita Lupi (Silves).

      • Silves

        Fui num berço de fadas embalada
        Na terra moira que me viu nascer
        Fui eu talvez a última encantada
        Ouvindo as fontes ao entardecer.

        Oh minha Chelb, triste, abandonada
        Fechando os olhos, já, para morrer!
        Entre os velhos castelos condenada
        Vejo-te e julgo não te conhecer!

        Oh minha terra, oh terra de meu filho!
        Onde existe Sol de maior brilho
        Poentes de maior suavidade!

        Minha velha rainha destronada
        Adormecendo às noites recostada
        Sobre a lâmina fria do Arade.

P.S.
Reafirmo o interesse na V. colaboração, disponibilizando o meu endereço - Local & Blogal (basta clicar) - e solicitando que coloquem "Liricos algarvios" como "assunto" da mensagem .
Entretanto alterei o endereço, porque me disseram que não estava a funcionar.


quinta-feira, janeiro 13, 2005

Líricos algarvios

Garcia Domingues, arabista silvense, refere-se na Introdução à sua História Luso-Árabe (1945) aos poetas algarvios, dizendo: "(...) Nalguns deles chega a surgir com bastante realidade a imagem do arabismo passado e por vezes ela sedu-los completamente, sobrepondo-se à própria representação do presente. (...)"

Da minha lista de poetas, ao fundo da página, e referindo-me aos que o arabista silvense conhecia, ao tempo em que publicou a sua obra, já constam dois líricos algarvios - João de Deus (Messines - Silves) e João Lúcio (Marim - Olhão).

Chegou a hora de Cândido Guerreiro (Alte - Loulé).

      • Nostalgia

        Naquela torre, alcácer de reis mouros
        Entram fantasmas por ocultas sendas
        Torre de encantamentos e d'agouros
        Torres de histórias, mas, torre de lendas.

        Por essa noite aos altos miradoiros
        Vêm assomar aparições tremendas
        Tingem punhais, há gritos e contendas
        E reza a fama que ali há tesoiros.

        Fui lá ter uma vez a horas mortas
        E, intemerato, o coração valente,
        Bradei: «Filhos d'Agar abri-me as portas»

        Quero viver convosco o sonho do passado
        Ser sombra como vós, porque o presente,
        É ermo onde eu ando desterrado.

P.S.
Os que quiserem colaborar nesta mostra de líricos do Algarve serão bem-vindos. Deixo aqui o meu endereço para o efeito: Local & Blogal (basta clicar).
Para evitar que o meu programa anti-spam remeta os emails para uma pasta indesejada, aconselho que coloquem "Liricos algarvios" como "assunto" da mensagem .


quarta-feira, janeiro 12, 2005

O lado reluzente das laranjeiras

      • Ficas toda perfumada de passar por baixo do vento que vem
        do lado reluzente das laranjeiras.
        E crepitam-me as pontas dos dedos ao supor-te no escuro.
        Queimavas-me junto às unhas.
        E a queimadura subia por antebraço e braço
        ao coração sacudido. Eu - perfumado
        e queimado por dentro: um laço feito de odor
        transposto, ar fosforescendo, uma árvore
        banhada
        nocturnamente. Tudo em mim trazido
        súbito
        para o meio. Quando este saco de sangue rodava
        defronte da abertura
        prodigiosa.

Herberto Helder
Ou o poema contínuo
Assírio & Alvim, Lisboa 2004


terça-feira, janeiro 11, 2005

O que é que Cacela tem?

Cacela, Verão de 2004 - © António Baeta Oliveira

Ibn Darraj, que podeis ler, procurando entre os poetas luso-árabes da coluna da direita, é identificado como sendo natural de Cacela.
De Cacela é também o poeta que vos trago hoje, Abu al-'Abdari, que já consta da mesma lista de poetas.
Em Cacela vive um transmontano, a que me refiro na lista de poetas ao fundo da página (cuja leitura aconselho vivamente), José Carlos Barros de seu nome e que, por um poema que ontem me dedicou, depertou-me a vontade de lhe retribuir na mesma moeda, se bem que recorra ao empréstimo destas palavras, de alguém que, há dez séculos atrás, também conheceu esta tonalidade de fim de tarde e os segredos do vai e vem destas marés da ria:

      • já era nela, antes de ser paixão,
        inquietude a cada momento
        já o amor lhe dominava o coração
        ainda antes de sentir o seu tormento.
Adalberto Alves
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1998


segunda-feira, janeiro 10, 2005

Santos Passos

Foi um dia prazenteiro, o do encontro de alguns amigos ligados aos blogs algarvios com o luso-brasileiro Santos Passos.

Em torno da mesa de partilha de ideias, emoções, projectos, prazeres, amizade... juntaram-se ao visitante e sua esposa, eu, Mitus, Um pouco mais de Sul, Ene coisas e Asul.
No final do longo almoço continuou a cavaqueira e houve ocasião para um passeio de barco na mais formosa das rias...


                                                                        ... até ao anoitecer.

Quando o dia clareou já um poema (5) me aguardava.
Confirmo: a disposição foi das melhores, ao almoço e fora dele.
Just a perfect day...

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Por terras de Sua Majestade (II)

As marcas do velho Império não se esgotam na imponência das amplas praças e jardins ou na magnificência dos edifícios. Encontrei-as também no local que elegi para o meu segundo dia em Londres: Camden Town.
Aqui se aglomeram, em sucessivos mercados, comerciantes do Industão, da África, do Oriente mais longínquo, confundindo o colorido das suas vestes, os acordes e os ritmos das suas músicas, os materiais e símbolos do seu artesanato, numa amálgama exótica e surpreendente.
Juntam-se-lhes agora, também, os expoliados da América Latina e os deserdados do Leste Europeu.

Camden Town - © António Baeta OlveiraCamden Town - © António Baeta OlveiraCamden Town - © António Baeta Olveira

Na proximidade, um dos canais do rio e as curiosas barcaças ambulantes, onde vivem estas famílias lacustres, que já antes avistara nos canais do mesmo Tamisa, a pouco mais de uma centena de quilómetros de distância, em Oxford.

Oxford - © António Baeta OlveiraOxford - © António Baeta OlveiraOxford - © António Baeta Olveira

Oh! Esta Oxford, onde a tranquilidade se pode encontrar nas bucólicas margens do seu rio, nas veneráveis ruas onde se sucedem as fachadas dos edifícios universitários, numa esplanada de bar de uma estreita ruela ou até, em pleno bulício de uma movimentada e cosmopolita rua comercial, num Starbucks Café.

P.S.
Estas e outras fotos podem ser vistas em Oxford ou London.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Por terras de Sua Majestade

Vista aérea de uma parcela da costa algarvia - © António Baeta Oliveira

Eu, mulher e filhas, abandonámos este tapete a nossos pés para nos juntarmos em família, pelo Natal, com a minha outra filha, Joana, em terras de Sua Majestade Britânica.

Havia tempo que não visitava, em Londres, a margem sul do Tamisa. Fiquei deslumbrado pela forma como convivem tão harmoniosamente as clássicas contruções da histórica cidade com a mais recente arquitectura de novas pontes e de novos edifícios, na sua maioria dedicados a funções culturais como o teatro, a ópera, a música e o cinema ou ainda os edifícios envidraçados, de formas complexas, parecendo desafiar a gravidade.

© António Baeta Oliveira© António Baeta Oliveira© António Baeta Oliveira

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Local e Blogal

Este post, o primeiro deste novo ano de 2005, é dos que classificaria como Local e Blogal:

    Local, porque o trecho que irei transcrever tem o cheiro, o palpitar, a vivência de quem conhece e guarda memórias desta minha terra e surgiu do aparo cor de bronze ou da "remington" de um seu filho.
    Blogal (glosando Global), porque o faço num blog, mas sobretudo porque se trata de uma escrita poética que transcende o mero interesse regional.

        © Margarida Soares Ramos
        Foto de Margarida Soares Ramos

      • (...) A céu aberto, com a pedra de amolar girando, espirrando mil centelhas de um fogo inicial, as mãos dos trabalhadores desta arte antiquíssima afiavam as facas de rebanear que lhes serviam para produzir cortes límpidos no interior das pranchas de cortiça - pranchas, como grandes telhas de casca de sobreiro, barcos de brincar, talvez, restos de animais sem medida e sem nome. Eram fatias longilíneas depois, essas peças em monte, à espera de outras lâminas que as dividissem em cubos toscos ou as transformassem em cilindros e aparas leves. Artesãos quadradores, escolhedores manuais de rolha, gestos secos, instrumentos de corte, agulhas grossas e fios de sisal, letras azuis, enfim, e o bojo tenso dos sacos de serrapilheira. Um cheiro doce no ar, o pó, o fumo das marcas incandescentes, os batimentos certos, as máquinas arcaicas chiando por cada talhe redondo, com as suas artroses no ferro a mover-se sob o pingo-pingo do óleo que as lubrificava a partir de latas em funil. O tempo medido assim, gota a gota, ou reconvertido em ritmo pelo jogo das mãos puxando e empurrando o aço das garlopas, respiração a espaços, cubo após cubo, rolha após rolha. (...)


    Rocha de Sousa
    (Professor/Pintor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa)
    A Casa Revisitada