Concluo a publicação do discurso de Fátima Mernissi:
(...)
3.- Mas um século mais tarde, sob a mesma dinastia Abássida que continuava a reinar em Bagdad, surge um califa cowboy: Al-Mu'tadid, que declarou guerra a Sindbad, proibiu aos muçulmanos o acesso aos especialistas que ensinavam a arte do diálogo e censurou os livros que explicavam as técnicas da comunicação. Porquê? Porque o nosso califa cowboy tinha à sua disposição um formidável Estado, com uma burocracia imperial elaborada pelos conselheiros persas. Os califas árabes, que provinham da tradição nómada e ignoravam tudo sobre o Estado centralizado, tinham encontrado nos persas os campeões da engenharia e da burocracia imperial. Al-Mu'tadid, o nosso califa cowboy, dispunha de uma estrutura policial reforçada por espiões para vigiar a população de Bagdad e de uma temível força militar para vencer os estrangeiros. Vamos ler juntos a declaração de guerra a Sindbad, feita pelo califa cowboy, para compreender uma coisa que é muito importante para um planeta condenado à globalização: o desejo de aterrorizar os estrangeiros nunca é um desejo do povo, mas sim das mafias que fabricam as armas e as confiam a espiões e a polícias:
"Durante esse ano de 279 da Hégira (século X do calendário cristão) decretou-se (nudia) nas ruas de Bagdad por ordem do Sultão do Islão (sultan al-musslimin) Al-Mu'tadid, que a partir desse momento ficaria proibido aos contadores públicos (quççaç), porta-vozes das seitas (turuqyia) e astrólogos, apregoar nas ruas ou falar nas mesquitas e aos livreiros, vender livros de retórica (kalam), filosofia (falsafa) e de Jadal (técnicas do diálogo)".
Fonte: o historiador Ibn Katir no seu livro O princípio e o fim (Al bidaya wa nihaya), volume II, ano 279. Ibn Katir nasceu em 774 da Hégira (século XIV).
Conclusão:
É possível imaginar uma globalização com Sindbad como modelo, onde o papel do Estado seria o de facilitar aos cidadãos o conhecimento das técnicas de comunicação e a arte da navegação e da viagem; porque Sindbad, como já disse, é o contrário do emigrante - regressa sempre a Bagdad. Mas, onde estará o dinheiro necessário para ensinar as técnicas de comunicação aos cidadãos? Bastaria usar o dinheiro que os cowboys utilizam para fabricar as armas e equipar os espiões, polícias e soldados, nas instituições que ensinam a arte do diálogo? Quem perderia com esta diversa utilização do dinheiro? Seguramente que não os cidadãos.
2 comentários:
Essa Fátima é uma pérola...
Também penso o mesmo.
Apreciei particularmente a sua metáfora da pérola, de sabor bem próximo da poesia do Al-Ândalus.
Um abraço.
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