terça-feira, março 30, 2004

O cativeiro de Al-Mu'tamid

O avanço de Afonso VI de Castela, em direcção ao Sul, faz com que Al-Mu'tamid, rei de Sevilha, solicite apoio a Ibn Tashfin, senhor dos almorávidas, tribo que vinda do Sara se tinha fixado em Marraquexe. Os almorávidas invadem o Al-Ândalus, numa onda avassaladora de purificação de costumes e em 1091 tomam Sevilha, destronando Al-Mu'tamid, a quem conduzem em cativeiro para Aghmat, pequena localidade perto de Marraquexe. Al-Mu'tamid acabará por falecer naquele lugar, a 14 de Outubro de 1095, e ali foi enterrado num túmulo, ao lado da sua amada esposa, 'Itimad.
Ainda hoje o seu mausoléu, em Aghmat, é local de peregrinação.
É desse seu período de cativeiro o poema que hoje divulgo:


  • CHOREI quando vi passar
    livre, sobre mim voando,
    o bando de cortiçóis.
    nem grades nem grilhetas os detinham.
    não foi por inveja que fiquei chorando...
    apenas nostalgia de ser livre,
    sem sentir dispersas
    as próprias entranhas
    e sem filhos mortos
    que ao pranto me obrigassem.
    felizes aves:
    nunca se apartaram do bando,
    não sentem a ausência da família,
    nem passam a noite,
    como eu, de coração inquieto
    ao ranger da porta da cela
    ou ao chiar do ferrolho.
    tais sobressaltos não são apenas meus,
    fazem parte da humana condição.
    desejo vivamente só a morte.
    outro, quem sabe, se sujeitaria
    à vida com grilhetas, mas eu não!
    Alá, proteja os cortiçóis
    e também as suas crias
    pois às minhas, desventuradamente,
    abandonaram-nas água e sombra.


ALVES, Adalberto
Al-Mu'tamid, Poeta do Destino
Assírio & Alvim, Lisboa, 1996

2 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo!

Anónimo disse...

Ja sabes Tó...Eu sou um fã.
Um abraco da Noruega