"Na barca do coração", de Casimiro de Brito, com data de 14 de Março de 2000:
" Meditação sofrida sobre o tanto que se rouba - a própria Natureza é implacável - aos que não têm quase nada. As inundações de Moçambique são o último exemplo: a guerra tirou-lhes tudo, a fome levou o resto e do nada que ficou vieram as águas e levaram mais um bocado - as magras alfaias, o chão da casa e um sem-número de vidas. O que resta? Cenas agónicas: um bébé que nasce no cimo de uma árvore; as minas arrancadas pelas cheias, indo trucidar não se sabe quem nem onde nem quando; a disputa com as cobras por um galho mais alto onde possa chegar a corda de um helicóptero tantas vezes imaginário; a cólera depois do salvamento, de quê? Um povo que vai caindo um pouco mais, quando parecia improvável que houvesse ainda outro buraco."
" Não devias fumar tanto, vais acabar com um cancro no pulmão - disse um amigo a Michel del Castillo. Que lhe respondeu: O que me custa viver não é o futuro mas o presente, este instante, este momento que o cigarro me ajuda a esfumar. "
Camilo Pessanha
(Coimbra, 1867-1926)
"Imagens que passais pela retina"
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.
1 comentário:
É bom ver o Casimiro de Brito, recorrentemente presente nalgumas páginas. Em pesquisa na sua terra natal (Loulé) ficamos a saber que a biblioteca local - que não tem o seu nome - e na livraria da cidade, o poeta não se encontra em livro, já que em pessoa, ausente está.
Entretanto, vamos lendo aqui e lá em cima^.
Enviar um comentário